Em defesa do acordo assinado pelo Proifes

Imagem: Karen Laårk Boshoff
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Por GIL VICENTE REIS DE FIGUEIREDO*

A má qualidade da proposta de reestruturação da ANDES, aliada ao irrealismo dos índices de recomposição propostos conduziram à situação de costume: a evolução progressiva do diálogo negocial entre o PROIFES e o governo

1.

No dia 27 de maio de 2024, após quase seis meses de negociações, o governo federal assinou com o PROIFES-Federação mais um termo de acordo – o sexto de uma série histórica que começou cerca de duas décadas atrás, pouco depois da fundação da entidade. Em 2007 foi celebrado o primeiro acordo, com reajuste significativo dos salários dos docentes do magistério superior (MS), além da extinção do caráter produtivista de gratificação produtivista existente à época, beneficiando os docentes aposentados.

Em março de 2008, outro importantíssimo acordo foi firmado, desta vez criando a nova carreira do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT), que possibilitou a expansão da rede de Institutos Federais, criada e ampliada nos sucessivos governos Lula e Dilma Rousseff. Em 2011 houve a incorporação de gratificações, além de modesta reposição (4%). Em 2012, a celebração de novo pacto entre PROIFES e o governo federal, implantado em três etapas, elevou os salários (isonômicos) de docentes do MS e do EBTT ao maior patamar real dos quinze anos anteriores.

Em 2015, por último, foi possível alcançar, com a assinatura de acordo com a presidente Dilma Rousseff, a reestruturação plena das carreiras docentes: após três etapas, em agosto de 2017, agosto de 2918 e agosto de 2019, toda a malha salarial passou a ter uma estrutura lógica, permitindo a dedução dos vencimentos dos docentes de qualquer classe, nível, titulação e regime de trabalho a partir do salário-piso (auxiliar 20h, graduado).

A Andes desempenhou um papel importante no cenário de redemocratização, nas décadas de 80 e 90 do século passado. Entretanto, aparelhada que foi, ao final desse período, por grupos partidários do espectro sectário da esquerda, deixou de defender os interesses dos professores já a partir dos anos 2000, envolvendo-se seguidamente em embates contra os governos do campo democrático e popular. Assim foi quando organizaram, ainda em 2004, a primeira greve contra o governo Lula.

Foi exatamente por divergir radicalmente da postura desses grupos, que qualificavam o então governo como ‘tão neoliberal como o de FHC’, e, portanto, como ‘inimigo da classe trabalhadora’, com o qual seria impossível um processo de negociação que redundasse em avanços, que um conjunto expressivo de professores rompeu com a ANDES, ainda em 2004, criando o PROIFES. A trajetória da ANDES, desde então, vem sendo lastimável. Foi contra a política de cotas. A seguir, lançou-se numa cruzada nacional contra o REUNI.

No seu 53º CONAD, em Palmas, 26-30 junho de 2008 (Relatório Final, p. 131) aprovou “Intensificar o combate ao programa REUNI dentro de cada IFES, articulando a intervenção das seções sindicais do ANDES-SN, propondo amplas mobilizações e ações unificadas com estudantes e técnicos-administrativos para impedir, na prática, os projetos e planos de reforma universitária do governo, fazendo a denúncia de suas consequências deletérias, conforme resoluções do ANDES-SN”. A partir daí, patrocinou, junto com os estudantes, invasões de reitorias, de norte a sul do País, baseando-se no ‘fato’ de que assembleias gerais de docentes em todo o Brasil teriam posição contra o REUNI.

Mais adiante, em 2016, recusou-se a ANDES a qualificar o golpe contra a presidente Dilma Rousseff como golpe. Mas, mais do que isso, em 28 de junho de 2016, a ANDES solicitou, obteve e participou de reunião com a Secretaria Executiva do MEC, como pode ser visto na foto abaixo, onde foi reivindicar a revogação, pelo governo de Michel Temer, do acordo assinado entre o PROIFES e a presidente Dilma Rousseff. Nessa ocasião, o presidente da ANDES pediu ao então governo que não sancionasse o Projeto de Lei 4251/2015, que consolidava esse acordo e que rediscutisse o tema com a ANDES. Felizmente, não foi atendido.

2.

Analisamos agora, de forma factual e objetiva, os eventos relativos à campanha salarial de 2024.

A ANDES inicialmente reivindicou 53,05% de reajuste linear para os docentes federais, como categoria que só havia tido reajustes salariais em duas etapas, em 2016 e 2017. Além disso, fechou com o SINASEFE uma proposta com sete pontos, objetivando a ‘reestruturação de carreiras’. A proposta era de péssima qualidade e, se aprovada, seria um desastre para os docentes federais, suas carreiras e instituições, bem como para a produção do conhecimento, com grave prejuízo para o Brasil. Dentre vários aspectos anacrônicos da proposta, do ponto de vista da excelência acadêmica, destacamos dois.

Em primeiro lugar, previa-se a extinção de classes, com a criação, em seu lugar, de 13 níveis. Com isso, em vez de chegarem a titular em 19 anos, os docentes passariam a precisar de 24 anos, com enorme prejuízo para ativos e aposentados, o que certamente tornaria essas carreiras menos atrativas, além do que deixariam de dialogar com quaisquer outras, no país ou no mundo – seguramente um grave retrocesso.

Em segundo lugar, a proposta da ANDES-SINASEFE previa a redução da retribuição de titulação – no caso dos doutores, por exemplo, de 115% para 75%. Ou seja, a diminuição do estímulo à qualificação acadêmica!!! A ANDESSINASEFE, na sequência, optaram por esconder de suas bases essa indefensável proposta, e acabaram por sugerir que reestruturações fossem discutidas mais adiante, em mesa setorial. Ao mesmo tempo, a ANDES insistiu todo o tempo em se posicionar contra a fusão das classes iniciais, bem como igualmente contra a elevação de degraus entre níveis, conforme proposta pelo PROIFES.

A má qualidade da proposta de reestruturação da ANDES, aliada ao irrealismo dos índices de recomposição propostos conduziram à situação de costume: a evolução progressiva do diálogo negocial entre o PROIFES e o governo, culminando em proposta feita pela Federação e sua subsequente aceitação parcial.

A proposta do PROIFES de reestruturação era a seguinte: (i) fusão das duas primeiras classes das carreiras (A/B, no MS e DI/DII, no EBTT) em uma única, passando os docentes a começar suas carreiras (e a serem enquadrados, no caso dos que já estão nas carreiras) no atual nível salarial de B2/DII 2 – isso daria um aumento de 16,3% aos salários de entrada de ambas as carreiras (MS e EBTT), para além da reposição linear que viesse a ser acordada; e (ii) elevação, de 4% para 5%, dos degraus dos níveis de C/D (adjunto e associado, no MS) e de DIII/DIV (no EBTT), propiciando elevação adicional dos salários nos níveis mais altos das carreiras. Já a proposta de recomposição salarial previa 3,5% em 2024, 9,5% em 2025 e 4,0% em 2026.

O efeito combinado dessas demandas produziria o seguinte resultado: (a) Docentes em início da carreira (doutores em regime de 40h, dedicação exclusiva, como é o caso da maioria), passariam dos atuais R$10.4815 para R$14.369,72 em 2026, com aumento nominal de 37,09%. (b) Docentes no meio da carreira (adjuntos 4/DIII 4 – idem), passariam dos atuais R$14.468,15 para R$17.549,66 em 2026, com aumento nominal de 21,30%. (c) Docentes no final da carreira (titulares – idem), passariam dos atuais R$ 22.377,71 para R$27.934,39, com aumento nominal de 24,83%.

Essa proposta não recuperaria, como sabemos, as perdas havidas nos dois governos anteriores, mas, nas circunstâncias e considerada a atual correlação de forças políticas existente, a nível nacional, representaria um avanço.

Em resposta, o governo aceitou quase que integralmente a reestruturação do PROIFES, com pequenas alterações em alguns degraus. Aceitou também, quase com os mesmos números, as reposições de 2025 e 2026, mas não concedeu nenhum percentual de reajuste em 2024. Com isso, a proposta do governo apresentada em 15 de maio de 2024 (objeto da assinatura do termo de acordo), produziu os seguintes resultados: (1) Docentes em início da carreira (doutores em regime de 40h, dedicação exclusiva, como é o caso da maioria), passam dos atuais R$10.4815 para R$13.753,95 em 2026, com aumento nominal 31,22%. (2) Docentes no meio da carreira (adjuntos 4/DIII 4 – idem), passam dos atuais R$14.468,15 para R$16.877,23 em 2026, com aumento nominal de 16,65%. (3) Docentes no final da carreira (titulares – idem), passam dos atuais R$ 22.377,71 para R$26.326,78, com aumento nominal de 17,65%.

Ressalte-se, portanto, que a proposta final do governo foi inferior à do PROIFES e, apesar disso, foi aceita de forma majoritária pelas bases da entidade, razão pela qual, em respeito à democracia interna da Federação, o acordo de 27 de maio de 2024 foi assinado.

3.

Por último, mostraremos, do ponto de vista técnico e objetivo, o significado da última ‘contraproposta’ apresentada pela ANDES ao governo, isso já no dia 27 de maio de 2024, quando já não havia margem para negociação. A ‘contraposta’ é a seguinte: reajuste de 3,69% em agosto de 2024; 9% em 2025; e 5,16% em 2026; nenhuma mudança deve ser feita nos degraus da atual da carreira e, também, não deve haver fusão das duas primeiras classes, como proposto pelo PROIFES e aceito pelo governo.

Veja a seguir qual seria o resultado produzido por essa proposta nos salários dos docentes federais em 2026, caso aceita: (i) Docentes em início da carreira (doutores em regime de 40h, dedicação exclusiva, como é o caso da maioria), passariam dos atuais R$10.481,65 para R$12.457,86 em 2026, com aumento nominal 18,85%. (ii) Docentes no meio da carreira (adjuntos 4/DIII 4 – idem), passariam dos atuais R$14.468,15 para R$17.195,98 em 2026, com aumento nominal de 18,85%. (iii) Docentes no final da carreira (titulares – idem), passariam dos atuais R$ 22.377,71 para R$26.596,81, com aumento nominal de 18,85%.

A conclusão é que a ANDES, no afã de seguir adiante em sua disputa sindical menor, acabou por fazer ao governo uma proposta muito inferior à apresentada pelo PROIFES. Até aí, a situação seria apenas digna de nota. Mas os números acima mostram que, pior do que isso, embora a proposta daquela entidade para os docentes no meio ou final de carreira leve, em 2026, a números semelhantes aos já pactuados, os salários propostos para o início da carreira seriam inferiores (também em 2026) aos já concedidos em R$1.296,09 – um prejuízo superior a 12%! Como pode uma entidade pedir para o governo piorar a proposta que já assinou e, assim, prejudicar concretamente a categoria que diz representar? Definitivamente, é um pleito que, em seu mérito, não merece consideração ou guarida.

Por fim, há que se reconhecer que o termo de acordo recém-assinado entre o PROIFES e o governo federal não representa a recomposição almejada pela categoria após anos de arrocho salarial imposto pelos que atacaram seguidamente a educação, mas significa e deve ser visto como um desejável início de recuperação, que necessitará ser fortemente aprofundado mais adiante.

Precisará ser acompanhado por uma vigorosa ampliação da destinação de mais verbas para as Universidades e Institutos Federais, patrimônio inestimável do povo brasileiro, a ser preservado e ampliado pelos que defendem políticas públicas do campo democrático e popular.

*Gil Vicente Reis de Figueiredo é professor aposentado do Departamento de Matemática da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Foi o primeiro presidente do PROIFES.


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