FRAGMENTOS IV

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por Airton Paschoa*

Prisão domiciliar

Os velhos amuam que nem crianças. Os primeiros porque lhes roubaram o solzinho e as últimas porque lhes tiraram os raios e ralhos. Uns trabalhando mais, outros menos, passam dia e noite risonhamente apreensivos os adultos. Madurões amadurecem, esperando tempo bastante de apodrecer. Os jovens não se conformam; não fizeram nada e nada podem fazer. A penitenciária a céu aberto, tantos a tomando por liberdade… como por liberdade tomavam o regime semiaberto em que viviam. A quantos, que importa o sol nascer quadrado? seja forma atual de suprematismo, seja forma aberta de supremo autismo.

princípio

sempre igual e sem igual
meço e estremeço
os milhões de manhãs que despontaram
os milhares de manhãs que apontaram
espertando esperança
nem que ponta
ao anverso oposta
de lança
de lâmina
de desânimo
cansado o coração
de bater e apanhar

elefantíase

tromba e tromba
o tempo tolo

[tábua]

ondas de calor
ondas de rádio
ondas de ódio
ondas de medo
ondas médias
e só de passar roupa

a tábua

Geológica

Era que recubra esta era.
Não sobre pedra sobre pedra.
Sequer ira.
Sequer hera.

Suíte

O Impossível, o impossível impensável, o que risca o céu e rasga o véu, o que pula o tempo e pulsa a têmpora, o que arca, o que descortina e desatina, o que é arco e é íris, o que estica a corda e corta a fala e corta à faca, o impossível impassível, o que é, senão o que toca o celo?

Ditadura

Vamos pensar que cada manhã redime toda manhã. Senão… Não. Não pode haver alternativa. Se houver… Precisamos negar, negar. Precisamos instituir a manhã como unidade de tempo, como a única unidade do tempo! Sim, sem senão. Sem possibilidade de destituição. Precisamos acreditar que cada manhã absolve toda manhã, que toda manhã, cegamente, piamente crer que toda manhã redime cada manhã. Dia após dia. Precisamos, precisamos. Precisamos crer. Precisamos decretar. Precisamos esquecer, não podemos esquecer, precisamos decretar a ditadura das manhãs.

*Airton Paschoa é escritor, autor, entre outros livros, de A vida dos pinguins (Nankin, 2014).

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • Um estudo do caso Ailton Krenak1974__Identidade ignorada 21/07/2024 Por MARIA SILVIA CINTRA MARTINS: Prefiro sonhar com Krenak o parentesco com a natureza e com as pedras do que embarcar na naturalização do genocídio
  • Clarice Lispector no cinemacultura a paixão segundo g.h. 22/07/2024 Por LUCIANA MOLINA: Comentário sobre três adaptações cinematográficas da obra de Clarice Lispector
  • O princípio de autodestruiçãoLeonardo Boff 25/07/2024 Por LEONARDO BOFF: Qual ciência é boa para a transformação mundial?
  • Filosofia da práxis como poiésiscultura lenora de barros 24/07/2024 Por GENILDO FERREIRA DA SILVA & JOSÉ CRISÓSTOMO DE SOUZA: Fazer filosofia é, para o Poética, fazer filosofia contemporânea, crítica e temática
  • Que horas são no relógio de guerra da OTAN?José Luís Fiori 17/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: Os ponteiros do “relógio da guerra mundial” estão se movendo de forma cada vez mais acelerada
  • Apagão digitalSergio Amadeu da Silveira 22/07/2024 Por SÉRGIO AMADEU DA SILVEIRA: A catástrofe algorítmica e a nuvem do “apagão”
  • A disputa de Taiwan e a inovação tecnológica na ChinaChina Flag 20/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: A China já é hoje a líder mundial em 37 das 44 tecnologias consideradas mais importantes para o desenvolvimento econômico e militar do futuro
  • A produção ensaística de Ailton Krenakcultura gotas transp 11/07/2024 Por FILIPE DE FREITAS GONÇALVES: Ao radicalizar sua crítica ao capitalismo, Krenak esquece de que o que está levando o mundo a seu fim é o sistema econômico e social em que vivemos e não nossa separação da natureza
  • A radicalidade da vida estéticacultura 04 20/07/2024 Por AMANDA DE ALMEIDA ROMÃO: O sentido da vida para Contardo Calligaris
  • A questão agrária no Brasil — segundo Octávio IanniJose-Raimundo-Trindade2 19/07/2024 Por JOSÉ RAIMUNDO TRINDADE: As contribuições de Ianni podem auxiliar a reformular o debate agrário brasileiro, sendo que as obras do autor nos apontam os eixos para se repensar a estrutura fundiária brasileira

PESQUISAR

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES