2020
Estranho, muito estranho o ano. Muito covid, muita cova, muito vídeo. Muito Ovídio? Quem vê metamorfose à vista que não a do vírus? A olho nu continuamos vendo tão somente homens de asfalto, fartos e de ar faltos — homens de velocidade e ferocidade sem-par. Seres urbanos, em suma; não daqueles antigos, que se pensavam, polidos pela pólis, opostos aos rústicos, os rudes campônios; destes tais modernos, que esfumaram a fronteira com o campo e, com sumirem, (em pandemias, por exemplo) mais a urbe humanizam… oxímoro banal e nem por tanto menos brutal. Virtudes da veritas? O ano nos espia, com seu par de olhos vazados e evasivos, enigmático como máscara.
Bolo de rolo
1/3 de afascistados
1/3 de agoiabados
1/3 de agoniados
Meta tudo numa panela, bata sem dó (a panela também, a gosto) a mistura heteroclitante, até ficar 1/2 roxa, 1/2 oliva-olava, e leve ao forno, há decênios aquecido, a massa a fé e fel fermentada.
Em mais uma ou duas décadas pronto estará o belo bolo de rolo.
Dispensa cobertura. Não aguentando ver, basta untar a grade normal.
Vuitton
À Iná, que pediu
Já não basta a de cabelo, ora, vou lá rancá-lo com queda de bolsa! Botem dentro do guarda-roupa. E se despencarem as madames, ao abrir da porta, metam abaixo o caixão, bolas! Vive-se bem sem roupa e sem bolsa. Sem guarda, então, é o éden, seu Edgar, a mais-valia acaba. Tem fim a época dos cabides, em que a gente não faz senão suportar, sobretudo, e tem largada a épica dos descabidos, dos que não cabem em si. E quem não cabe em si sai à praça e se associa livremente com os demais que explodem em si. Louis Vuitton (deus o guarde em sua bolsa) chamaria isso de comunismo — e não é que enfim acordamos? Isso sim é que era viagem…
chiadeira
panela de pressão
caldeirão em ebulição
no frigir dos ovos
a frigideira
refluxo
o sertão não vira mar mas
a esquerda
espuma
quadra MMXVI
em arte bem como em política
tem ou não se tem percepção
quem não apura golpe de vista
vai ver nunca revelação
Suma
(ou soma)
Vinte anos pra abrir os olhos.
Mais vinte pra olhar à roda.
Outros vinte pra tapar a toca.
quadrinha toxítona
memamé
xapralá
hajamé
oxalá
*Airton Paschoa é escritor, autor, entre outros livros, de A vida dos pinguins (Nankin, 2014)