Por Michael Löwy*
Primeira biografia do comunista alemão, preso e torturado no Brasil durante o Estado Novo.
O livro de Ronald Friedmann – Arthur Ewert. Revolutionär auf drei Kontinenten (Berlin,Dietz Verlag, 2015) – é a primeira biografia de uma das figuras mais trágicas da história do comunismo internacional da primeira metade do “século dos extremos” Arthur Ewert, mais conhecido como Harry Berger (1890-1959). Militante do Partido Comunista Alemão (KPD) desde 1919, tornou-se um de seus principais dirigentes nos anos 1920; eleito em 1928 para o Reichstag, destaca-se pela defesa dos direitos dos homossexuais.
Ao lado de outros dirigentes do KPD, como Ernst Meyer e Hugo Eberlein, ele tenta salvaguardar a unidade do Partido, opondo-se à expulsão, em 1928, do ex-dirigente comunista Heinrich Brandler e de seus apoiadores, denunciados por Stalin como “direitistas”. Essa atitude é considerada uma deriva “conciliatória” (Versöhnler) pela direção do Partido, e, em 1930, Ewert é forçado a fazer “autocrítica”.
Uma vez afastado da liderança do KPD, ele se voluntaria em missões da Internacional Comunista, sendo enviado ao Bureau Sul-Americano do Comintern (1930-31), à China (1932-34) e, finalmente, de volta à América Latina (1934-35). Em março de 1935, o Bureau Sul-Americano da IC é transferido para o Rio de Janeiro, onde está em preparação uma revolta, sob a liderança do ex-militar dissidente, agora comunista, Luís Carlos Prestes.
Em novembro de 1935, a Aliança Nacional Libertadora, uma coalizão antifascista criada por comunistas e militares de esquerda, assume o poder por alguns dias em Natal. Após esses eventos, Luís Carlos Prestes decide tentar uma revolta militar no Rio de Janeiro, mas seus companheiros no exército são neutralizados em poucas horas pelas forças leais ao regime autoritário de Getúlio Vargas.
Como explica o autor do livro, o Bureau Sul-Americano do Comintern não teve nenhum papel nessa decisão, contrariamente à versão fantasiosa veiculada pelo regime de Getúlio Vargas e por uma série de historiadores anticomunistas. Na realidade, Arthur Ewert tentou, em vão, convencer Prestes de que as condições não estavam dadas para uma revolta no Rio. Em resposta a essa tentativa abortada, desencadeou-se uma repressão violenta contra todas as forças de esquerda e democráticas no Brasil, levando, em 1937, à instauração por Vargas do Estado Novo, de inspiração fascista.
Entre as vítimas dessa repressão, liderada pelo chefe de polícia Filinto Müller, estavam Arthur Ewert (que havia adotado o pseudônimo Harry Berger) e sua esposa Elise, torturados da maneira mais bárbara possível. Segundo Jorge Amado, “nenhum ser humano jamais foi torturado dessa maneira”. Apesar do sofrimento, Harry Berger e sua esposa não delataram, ao contrário de outro dirigente do Bureau, o comunista argentino Rodolfo Ghioldi, que não foi torturado, mas revelou à polícia o local onde se escondia Luís Carlos Prestes…
Durante seu julgamento em setembro de 1937, Harry Berger, que, segundo Jorge Amado, parecia um morto-vivo, fez um corajoso discurso denunciando o tratamento bárbaro que sofrera e proclamando sua confiança na vitória final do povo brasileiro e do proletariado mundial. Sua companheira foi deportada para a Alemanha nazista, sendo morta no campo de concentração de Ravensbrück, enquanto Arthur Ewert, em consequência de seu sofrimento inaudito, perdeu a razão: de acordo com o testemunho de Luís Carlos Prestes, ele chorava dia e noite e batia a cabeça contra as paredes.
Nesse período (1937-38), em Moscou, vários líderes comunistas alemães exilados, Heinz Neumann, Herman Remmele, Hugo Eberlein e outros foram presos pelo NKVD. Antes de serem executados, fizeram “confissões” acusando a si próprios de terem sido cúmplices, com Arthur Ewert e os outros “conciliadores”, dos piores crimes contrarrevolucionários.
Libertado em 1945 com a queda do regime de Vargas, Arthur Ewert retornou à Alemanha (RDA), onde passou seus últimos anos em um hospital psiquiátrico, sem ter recobrado a razão. Considerado um herói da esquerda brasileira, Harry Berger não foi esquecido no país, mas foi na Alemanha que essa primeira biografia foi publicada, com base em extensa documentação internacional.
Post-scriptum (fora do âmbito do livro): excluído do KPD, apesar dos esforços de Arthur Ewert e de seus amigos “conciliadores”, Heinrich Brandler fundou o KPD-Opposition, que continuou a existir mesmo no pós-guerra, e editava um jornal chamado Política Operária. Um de seus partidários, um judeu alemão conhecido como Erich Sachs, emigrou para o Brasil, onde se tornou um dos fundadores, em 1960, da principal organização da extrema esquerda brasileira, chamada… Política Operária (POLOP).
Parênteses: o autor desta resenha estava presente no congresso de fundação. Uma das militantes da POLOP, que se envolveu na luta armada contra a ditadura militar no Brasil no final da década de 1960, foi Dilma Roussef, que seria eleita Presidenta do Brasil em 2010 e em 2014, antes de ser derrubada por uma espécie de golpe parlamentar em 2016. Vingança da história? Não exatamente, já que seu programa socialdemocrata para 2010-2016 tinha pouco a ver com o que sonhavam os comunistas Heinrich Brandler e Arthur Ewert
*Michael Löwy é diretor de pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique.
Tradução: Ilan Lapyda.