Jair Bolsonaro será preso?

Imagem: Miguel Á. Padriñán
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por MARCELO SIANO LIMA*

A velha prática da conciliação irá prevalecer, ao menos quanto ao ex-presidente, pois se teme a convulsão que possa provocar sua prisão

Não acredito na prisão do ex-presidente, pelo menos no tempo de média duração. Apesar de os inúmeros indícios de crimes cometidos por ele – e por seus aliados do “partido militar”, do grande capital, de setores do Judiciário e do Ministério Público, bem como de outros, difusos e/ou organizados – serem de uma gravidade sem igual na história brasileira.

Acredito que, sim, esses aliados possam vir a ser condenados e presos, mas não ele, a maior liderança de extrema direita de nossa história, capaz de galvanizar um movimento que catalisou os mais variados, difusos e vis sentimentos de nosso povo. Ele deu voz e materialidade ao que de mais conservador, autoritário e reacionário há, desde 1500, em nossa sociedade, daí resultando sua liderança e seu capital político.

O ex-presidente não foi apenas mais uma decorrência do processo de desestabilização política do país operado com brutalidade a partir de 2013. Ele foi a própria encarnação do “anjo vingador” dos interesses e pessoas que a ele se juntaram na construção, desde 2016, de um projeto de aprofundamento dos institutos neoliberais sob um viés autoritário e reacionário.

O erro das forças políticas democráticas foi o de subestimar o potencial eleitoral desses grupos, não percebendo como os interesses externos dos países do Norte viram em Jair Bolsonaro a oportunidade de, valendo-se de seu notório autoritarismo e desprezo pela república, pela Constituição e pela democracia, avançarem na realização do projeto de uma sociedade neoliberal, mesmo que isso representasse a falência de todos os marcos civilizatórios duramente construídos ao longo de nossa história, especialmente após 1985, com o fim do governo civil-militar.

O “estado de exceção” e o processo de desestabilização vividos pelo Brasil desde 2013 nos legou uma institucionalidade trincada, uma sociedade dominada pelas ideias, discursos e práticas de intolerância e ódio, banalizados e elevados a políticas de Estado. Isso resultou na morte de milhares de brasileiros – pela pandemia, pelo genocídio de populações e pelo aumento brutal e legitimado da letalidade dos órgãos de segurança. Isso culminou na subversão de todo o devido processo legal e em ações que, no ápice, desembocaram na desorganização institucional e na tentativa de golpe de estado do dia 8 de janeiro de 2023, que fracassou, mas cujas forças motrizes permanecem atuando às claras.

A covardia e aderência de setores do Judiciário e do Ministério Público, o aparelhamento pelo extremismo neofascista das agências de segurança e informação, tornaram, nos últimos seis anos, assaz complexo o enfrentamento desse movimento que, no limite, almeja reformar a República, revogar a Constituição de 1988 e definir um modelo de (anti)democracia pautado na exclusão, na negação de direitos, na invisibilidade da maioria do povo brasileiro, no desprezo pela vida e na imposição de uma única ética pautada na tríade “deus, pátria, família”.

Investigar, processar e punir os responsáveis pelos milhares de crimes cometidos é uma condição imperiosa para a reconciliação do Brasil. As forças democráticas, vitoriosas nas eleições presidenciais de outubro de 2022, precisam entender a monstruosidade e o caráter perverso do inimigo que a ataca: o extremismo de direita, o neofascismo. Ele não busca diálogo, ele se move pela confrontação e pelo descrédito das instituições que desejam assaltar e aparelhar.

A velha prática da conciliação irá prevalecer, ao menos quanto ao ex-presidente, pois se teme a convulsão que possa provocar sua prisão, ainda que temporária. A esperança é que tal conciliação não se aplique, também, aos membros desse condomínio terrorista que jogou o Brasil em um emaranhado de crises, todas destinadas a fazer tábula rasa de nossa história.

Por fim, e de forma dolorosa, sou obrigado a assumir que, enquanto forças democráticas, estamos desde sempre a demonstrar nossa fraqueza diante da pujança desse inimigo. Nossa capacidade de entendermos os novos tempos, as novas mídias, está muito aquém daquela dos extremistas, o que lhes proporciona, ainda, o domínio das narrativas que constroem “realidades paralelas”, desprovidas de base realística, mas legitimadas de forma insana no imaginário social de milhões de brasileiros.

Esse é o nosso maior desafio enquanto defensores da democracia, o de retomarmos a luta pela verdade e pela defesa dos grandes interesses do Brasil, pela reconstrução dos marcos civilizatórios, isolando e anulando os extremistas e suas propostas de destruição deste país.

*Marcelo Siano Lima, historiador, é doutorando em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV).


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Leonardo Avritzer Luiz Carlos Bresser-Pereira José Geraldo Couto Tarso Genro Otaviano Helene Francisco Pereira de Farias Luiz Renato Martins Chico Whitaker Marcus Ianoni Antonino Infranca Igor Felippe Santos Marjorie C. Marona Julian Rodrigues Gilberto Maringoni Andrés del Río Eugênio Trivinho Antonio Martins José Luís Fiori Celso Favaretto Kátia Gerab Baggio João Feres Júnior Ari Marcelo Solon Luciano Nascimento Sergio Amadeu da Silveira Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Andrew Korybko Michael Löwy Lucas Fiaschetti Estevez Everaldo de Oliveira Andrade Atilio A. Boron Érico Andrade Michael Roberts Elias Jabbour Ricardo Fabbrini Marcos Silva Daniel Afonso da Silva Marilena Chauí Tales Ab'Sáber Marcelo Guimarães Lima Samuel Kilsztajn Afrânio Catani Caio Bugiato Carla Teixeira Antônio Sales Rios Neto Ronaldo Tadeu de Souza Marcelo Módolo José Machado Moita Neto Eleonora Albano Thomas Piketty Marcos Aurélio da Silva Valerio Arcary Berenice Bento Vladimir Safatle Airton Paschoa Carlos Tautz Ronald León Núñez Luiz Werneck Vianna Claudio Katz Michel Goulart da Silva João Carlos Salles Marilia Pacheco Fiorillo André Márcio Neves Soares Luiz Eduardo Soares Bruno Machado João Paulo Ayub Fonseca Fernando Nogueira da Costa Jean Marc Von Der Weid Denilson Cordeiro Juarez Guimarães Eleutério F. S. Prado Manuel Domingos Neto Daniel Brazil André Singer Fábio Konder Comparato Flávio R. Kothe Tadeu Valadares Dennis Oliveira Dênis de Moraes Flávio Aguiar Eugênio Bucci Alysson Leandro Mascaro Jorge Branco Luiz Marques Henri Acselrad Gabriel Cohn Rubens Pinto Lyra Luiz Bernardo Pericás Ricardo Abramovay Heraldo Campos Paulo Capel Narvai Jorge Luiz Souto Maior Leda Maria Paulani Liszt Vieira João Adolfo Hansen Lorenzo Vitral Anselm Jappe Celso Frederico Eduardo Borges Benicio Viero Schmidt Sandra Bitencourt Annateresa Fabris Ronald Rocha Eliziário Andrade Paulo Fernandes Silveira Manchetômetro Maria Rita Kehl Luis Felipe Miguel Vanderlei Tenório João Sette Whitaker Ferreira Luís Fernando Vitagliano José Raimundo Trindade João Lanari Bo José Dirceu Vinício Carrilho Martinez Armando Boito Henry Burnett Francisco Fernandes Ladeira Ladislau Dowbor Chico Alencar Yuri Martins-Fontes Paulo Nogueira Batista Jr Bruno Fabricio Alcebino da Silva Boaventura de Sousa Santos Paulo Sérgio Pinheiro Rodrigo de Faria João Carlos Loebens Plínio de Arruda Sampaio Jr. Gilberto Lopes Alexandre de Freitas Barbosa Rafael R. Ioris Leonardo Sacramento Mariarosaria Fabris Mário Maestri Salem Nasser Slavoj Žižek Daniel Costa Ricardo Antunes Ricardo Musse Francisco de Oliveira Barros Júnior Jean Pierre Chauvin Bento Prado Jr. Osvaldo Coggiola José Micaelson Lacerda Morais Priscila Figueiredo Milton Pinheiro Leonardo Boff Alexandre de Lima Castro Tranjan Bernardo Ricupero José Costa Júnior Alexandre Aragão de Albuquerque Remy José Fontana Matheus Silveira de Souza Fernão Pessoa Ramos Luiz Roberto Alves Gerson Almeida Renato Dagnino Lincoln Secco Valerio Arcary Paulo Martins Walnice Nogueira Galvão

NOVAS PUBLICAÇÕES