Josef Albers – A interação da cor

Josef Albers, Homage to the Square in Green Frame, 1963
image_pdf

Por MARCO GIANNOTTI*

Comentário sobre o livro do pintor e design alemão.

“Repetindo: o nosso objetivo não é o conhecimento, a sua aplicação: e sim, a imaginação flexível, a descoberta, a invenção – o gosto”, escreve Josef Albers. E é curioso o fato de um estudo sobre a interação das cores resultar nestas observações sobre a imaginação e o gosto. Como teorizar sobre a experiência visual que está sempre sujeita a mutações? “Este livro, portanto, não segue uma concepção acadêmica de ‘teoria e prática’. Inverte essa ordem e põe a prática antes da teoria, que, afinal, é a conclusão da prática”, continua ele.

Já no começo do século XIX J. W. Goethe buscava a mesma abordagem do fenômeno cromático ao fazer uma Farbenlehre (Doutrina das cores), ao invés de uma Theorie, ou seja, um aprendizado antes prático do que exclusivamente teórico. Em ambos os livros os exemplos se tornam fastidiosos para quem fica apenas ao pé da letra: é preciso saber vivenciar os experimentos propostos.

As escolas de arte alemãs sempre tiveram uma vocação para o trabalho prático, e o exemplo mais marcante sem dúvida é a Bauhaus, da qual Albers fez parte, e que até hoje permanece como uma referência na arquitetura e no design. Albers levou consigo essa formação para os EUA após o fechamento da Bauhaus pelos nazistas. Vários jovens artistas americanos, como Rauschenberg, sofreram sua influência – mesmo quando a questionaram – enquanto estudavam no Black Mountain College. Ao ser chamado para a Universidade de Yale, permanece até a sua aposentadoria na School of Arts. Foi neste ambiente que Albers preparou o livro sobre a interação das cores. Seu impacto foi enorme no universo das artes visuais. Hoje em dia podemos ver um artista como Peter Halley ministrando cursos sobre a cor em Yale. Mas cabe voltar à pergunta inicial, como ensinar a utilizar a cor?

Não existe fórmula certa, apenas experimentos que podem auxiliar o aluno de arte a ver a cor de maneira mais apurada: suas variações de contraste, transparência, luminosidade e saturação. Ao contrário das pesquisas científicas em laboratórios, neste caso o sujeito se coloca como objeto de estudo: “Tendo em vista que partimos basicamente do material, da cor em si, de suas ações e interações conforme as registra nossa mente, nossa prática diz respeito, em primeiro lugar e principalmente, a um estudo de nós mesmos”.

Surge assim uma nova maneira de abordar as cores a partir do olhar do observador. A famosa polêmica de Goethe contra Newton se deve ao fato de o poeta recusar o expediente científico; ao olhar pelos prismas, ele não vê a refração da luz conforme a teoria newtoniana. Goethe, ao falar das cores, sempre oscilava entre duas linguagens, como se uma nunca fosse capaz de dar conta integralmente dos fenômenos cromáticos. Isto porque as cores podem ser vistas tanto sob a ótica física, como sob a artística e poética.

Um estudo restrito a procedimentos técnicos é decepcionante, pois fica na maioria das vezes aquém dos estudos teóricos sobre arte. As observações que surgem da prática da pintura não podem se resumir a uma cartilha escolar, principalmente em uma época onde a transmissão dos segredos dos antigos mestres perde o sentido. A arte moderna obrigou o artista depurar sua técnica de modo solitário, até mesmo quando assume declaradamente certas influências.

Na verdade, o uso de determinados materiais em detrimento de outros sempre revela uma escolha, uma postura do artista em relação ao mundo. As tabelas de cores presentes tanto nos livros de J. W. Goethe, Johannes Itten e Josef Albers são fascinantes à primeira vista. Mas logo após o impacto imediato, temos a sensação de um enorme vazio contido por trás de tão belos matizes. Por se pretenderem mais “objetivos”, de algum modo são também estéreis. Basta compará-los com as aquarelas de Paul Klee para notarmos como são desprovidos de vida.

Albers e Itten salientam na introdução de seus textos que o estudo da cor é apenas um instrumento que por si só não faz de um estudante um artista. Itten chega a dizer que “doutrinas e teorias são mais indicados para situações de fraqueza. Em situações de força os problemas são resolvidos intuitivamente”. Ou seja, embora úteis para os alunos, são de pouco uso para o artista. Itten nos diz que devemos utilizar seu estudo como uma carruagem, um meio de transporte para desenvolver o trabalho de cada um. Mas é fundamental poder se libertar deste jogo mecânico entre contrastes de cores.

O artista, que joga com a liberdade, pode usá-los como quiser, mas o estudante está sempre sujeito a se perder entre as nuanças cromáticas. As cores podem ser interpretadas das mais variadas maneiras, na verdade, quanto mais as estudamos, mais temos a sensação de nos distanciar delas. Elas permitem várias interpretações, muitas vezes antagônicas, e parecem resistir a uma abordagem unilateral. É muito difícil conceber o fenômeno cromático sem se reportar ao uso específico que cada artista faz no interior de sua obra.

Entretanto, a maneira de se utilizar as cores também está relacionada a um movimento estético de determinada época. As cores se infiltram de maneira sinuosa no nosso olhar, nas janelas, nos objetos, nos costumes. Entender a cor hoje em dia implica tomar pontos de vistas diversos. Não temos, efetivamente, um critério único para descrevê-las. Ao buscar na cor uma qualidade expressiva, é preciso antes de tudo aprender a se situar no tempo presente, acreditar que o artista ainda tem algo a dizer sobre sua experiência no mundo. Suas observações, portanto, não visam captar a cor como fenômeno em si mesmo e sim como um meio possível de expressão.

Albers sabia exatamente do alcance restrito seus experimentos, ao dizer que “nenhum sistema por si só é capaz de desenvolver a sensibilidade para a cor”. Embora suas experiências sirvam como uma introdução prática para nos familiarizarmos com as ambiguidades cromáticas, a interação entre as cores só se efetiva através do uso da nossa imaginação.

Entretanto, para Wittgenstein, os problemas fenomenológicos perduram à revelia de uma teoria fenomenológica. Em suas Observações sobre as cores o filósofo afirma que não é possível estabelecer uma teoria única sobre os fenômenos cromáticos.

Neste sentido, obras como A interação da cor de Albers permanece uma referência obrigatória nos estudos sobre a cor. Para compreender este livro é preciso de gosto e, sobretudo, de imaginação.

*Marco Giannotti, artista plástico, é professor do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicações e Artes da USP. Autor, entre outros livros, de Breve história da pintura moderna (Claridade)

Publicado originalmente no Jornal de Resenhas no. 3, julho de 2009.

Referência


Josef Albers. A interação da cor. WMF Martins Fontes, 192 págs (https://amzn.to/3YyXR10).

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
A rede de proteção do banco Master
28 Nov 2025 Por GERSON ALMEIDA: A fraude bilionária do banco Master expõe a rede de proteção nos bastidores do poder: do Banco Central ao Planalto, quem abriu caminho para o colapso?
2
A poesia de Manuel Bandeira
25 Nov 2025 Por ANDRÉ R. FERNANDES: Por trás do poeta da melancolia íntima, um agudo cronista da desigualdade brasileira. A sociologia escondida nos versos simples de Manuel Bandeira
3
O filho de mil homens
26 Nov 2025 Por DANIEL BRAZIL: Considerações sobre o filme de Daniel Rezende, em exibição nos cinemas
4
A arquitetura da dependência
30 Nov 2025 Por JOÃO DOS REIS SILVA JÚNIOR: A "arquitetura da dependência" é uma estrutura total que articula exploração econômica, razão dualista e colonialidade do saber, mostrando como o Estado brasileiro não apenas reproduz, mas administra e legitima essa subordinação histórica em todas as esferas, da economia à universidade
5
A disputa mar e terra pela geopolítica dos dados
01 Dec 2025 Por MARCIO POCHMANN: O novo mapa do poder não está nos continentes ou oceanos, mas nos cabos submarinos e nuvens de dados que redesenham a soberania na sombra
6
Colonização cultural e filosofia brasileira
30 Nov 2025 Por JOHN KARLEY DE SOUSA AQUINO: A filosofia brasileira sofre de uma colonização cultural profunda que a transformou num "departamento francês de ultramar", onde filósofos locais, com complexo de inferioridade, reproduzem ideias europeias como produtos acabados
7
Raduan Nassar, 90 anos
27 Nov 2025 Por SABRINA SEDLMAYER: Muito além de "Lavoura Arcaica": a trajetória de um escritor que fez da ética e da recusa aos pactos fáceis sua maior obra
8
A feitiçaria digital nas próximas eleições
27 Nov 2025 Por EUGÊNIO BUCCI: O maior risco para as eleições de 2026 não está nas alianças políticas tradicionais, mas no poder desregulado das big techs, que, abandonando qualquer pretensão de neutralidade, atuam abertamente como aparelhos de propaganda da extrema-direita global
9
O empreendedorismo e a economia solidária
02 Dec 2025 Por RENATO DAGNINO: Os filhos da classe média tiveram que abandonar seu ambicionado projeto de explorar os integrantes da classe trabalhadora e foram levados a desistir de tentar vender sua própria força de trabalho a empresas que cada vez mais dela prescindem
10
Totalitarismo tecnológico ou digital
27 Nov 2025 Por CLAUDINEI LUIZ CHITOLINA: A servidão voluntária na era digital: como a IA Generativa, a serviço do capital, nos vigia, controla e aliena com nosso próprio consentimento
11
Walter Benjamin, o marxista da nostalgia
21 Nov 2025 Por NICOLÁS GONÇALVES: A nostalgia que o capitalismo vende é anestesia; a que Benjamin propõe é arqueologia militante das ruínas onde dormem os futuros abortados
12
Biopoder e bolha: os dois fluxos inescapáveis da IA
02 Dec 2025 Por PAULO GHIRALDELLI: Se a inteligência artificial é a nova cenoura pendurada na varinha do capital, quem somos nós nessa corrida — o burro, a cenoura, ou apenas o terreno onde ambos pisam?
13
O arquivo György Lukács em Budapeste
27 Nov 2025 Por RÜDIGER DANNEMANN: A luta pela preservação do legado de György Lukács na Hungria de Viktor Orbán, desde o fechamento forçado de seu arquivo pela academia estatal até a recente e esperançosa retomada do apartamento do filósofo pela prefeitura de Budapeste
14
Argentina – a anorexia da oposição
29 Nov 2025 Por EMILIO CAFASSI: Por que nenhum "nós" consegue desafiar Milei? A crise de imaginação política que paralisa a oposição argentina
15
O parto do pós-bolsonarismo
01 Dec 2025 Por JALDES MENESES: Quando a cabeça da hidra cai, seu corpo se reorganiza em formas mais sutis e perigosas. A verdadeira batalha pelo regime político está apenas começando
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES