Mudanças no modo de vida

Imagem: Alexandr Kudinov
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Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*

Os fenômenos de inovações disruptivas têm redesenhado o modo de vida da sociedade contemporânea

A urbanização é um dos fenômenos mais transformadores dos últimos séculos, acelerando-se nas últimas décadas. A migração em massa para áreas urbanas mudou drasticamente a organização social, econômica e ambiental.

Cidades tornaram-se centros de inovação, cultura, e economia, mas também se depararam com desigualdade, poluição e superpopulação. A urbanização alterou a forma como as pessoas vivem, trabalham e se relacionam, criando dinâmicas sociais e econômicas novas.

O Censo demográfico realizado no Brasil em 1970 registrou 93 milhões habitantes. Cantava-se “avante Brasil, 70 milhões em ação”, como hino da Copa do Mundo daquele ano (tricampeonato mundial), com base no Censo de 1960. Em 1970, constatou-se que a população urbana havia superado a rural – na China foi em 2010 e na Índia ainda predomina a rural. No Censo de 1940, com 41 milhões habitantes, apenas 31% eram urbanos. A população total no fim do século XX era 170 milhões.

“Crianças, eu vi!”.Criada na década de 1960, a pílula anticoncepcional teve um efeito profundo na sociedade, especialmente em termos de direitos e liberdade das mulheres. Ela permitiu o controle da fertilidade, contribuindo para a autonomia das mulheres em relação a suas carreiras e educação. Foi um catalisador para o movimento feminista. A pílula teve implicações econômicas e demográficas ao influenciar taxas de natalidade e padrões familiares.

O bônus demográfico ocorre quando a população em idade produtiva é maior diante a dependente (jovens e idosos). Com o fim do bônus demográfico, grosso modo em 2020, muitas sociedades enfrentam uma população envelhecida, demonstrando a falta sustentabilidade dos sistemas previdenciários, baseados no regime de repartição, porque a geração ativa jovem diminui relativamente à geração baby-boomer já idosa e inativa.

Impõe-se mudanças no mercado de trabalho e a necessidade de políticas para lidar com o envelhecimento. Este fenômeno está mudando a estrutura econômica e social, exigindo novas abordagens inclusive para o desenvolvimento sustentável.

Aumentos na longevidade humana, devido a avanços na Medicina (mas ainda sem tratamento da demência), nutrição e qualidade de vida, estão transformando a sociedade. A maior expectativa de vida está mudando a estrutura etária da população, criando desafios e oportunidades em áreas como saúde, aposentadoria e planejamento urbano. Altera as percepções sobre o ciclo de vida, com implicações para carreiras, educação e até mesmo a dinâmica familiar.

Esses fenômenos de inovações disruptivas têm redesenhado o modo de vida da sociedade contemporânea. Influenciam desde a organização urbana até as mudanças significativas nos mercados e nas interações sociais.

Por exemplo, enquanto a pílula anticoncepcional e a maior longevidade redefiniram as relações sociais e o ciclo de vida humano, a urbanização e o Airbnb modificaram a estrutura das cidades e o turismo. O Airbnb revolucionou a indústria de hospedagem e viagens ao introduzir o conceito de economia compartilhada.

Permitiu indivíduos alugarem suas propriedades diretamente a consumidores, enfrentando o modelo caro de hotéis e pousadas. Isso democratizou o acesso ao turismo, mudou a dinâmica imobiliária em muitas cidades turísticas e provocou regulamentação sobre impactos nas comunidades locais, como a “gentrificação”.

Nos últimos cinquenta anos, várias inovações tecnológicas e disruptivas no mundo do trabalho têm contribuído para uma transformação significativa da estrutura tradicional do antes chamado de proletariado por causa do tamanho de sua prole (filhos), alterando a maneira como as pessoas ganham e acumulam dinheiro. Essas inovações estão impulsionando a transição para novas formas de trabalho e acumulação de riqueza, adaptadas a uma vida mais longa e, muitas vezes, menos vinculadas ao emprego tradicional de fábrica ou chão de fábrica.

A automação e a robótica têm substituído muitas funções antes realizadas por trabalhadores operacionais e de manufatura. Máquinas inteligentes e robôs agora desempenham tarefas repetitivas, perigosas ou complexas com maior eficiência, reduzindo a demanda por trabalho manual. Isso impulsionou a transição de trabalhadores do setor industrial para o setor de serviços, seja em novas ocupações mais qualificadas, seja em subocupações.

A automação também criou oportunidades para investimentos em tecnologia e inovação, permitindo a geração de renda através da propriedade intelectual, patentes, e startups de tecnologia. A riqueza é acumulada pela “financeirização”.

A ascensão da economia digital, incluindo plataformas como Uber, Airbnb, Upwork, e outras, mudou fundamentalmente a forma como o trabalho é realizado e remunerado. A chamada Gig economy (abreviação de gigante) permite indivíduos trabalharem de forma independente, oferecendo serviços sob demanda, fora dos tradicionais contratos de trabalho formal.

Essa economia alternativa da Era digital favorece prestação de trabalhos temporários ou em curto prazo para diversas empresas. Assim, a Gig economy abrange os trabalhadores com decisões de abandono do ambiente estável dos escritórios para conduzir sua própria carreira.

A Gig economy proporciona flexibilidade e novas formas de ganhar dinheiro, mas também introduz a precariedade e a ausência de benefícios tradicionais. Mas, para muitos, oferece uma alternativa ao trabalho assalariado tradicional, com potencial de acumulação de capital por meio de múltiplas fontes de renda.

A pandemia de COVID-19 acelerou a adoção do teletrabalho (ou home office), mudando permanentemente a maneira como muitos empregos são realizados. O trabalho remoto eliminou a necessidade de presença física em locais de trabalho específicos, aumentando a flexibilidade e permitindo as pessoas trabalharem de qualquer lugar do mundo.

Isso tem permitido muitos profissionais acumularem riqueza financeira por meio de economias de tempo e custos associados ao deslocamento. Buscam oportunidades em mercados globais, muitas vezes com melhores remunerações.

A Inteligência Artificial (IA) e Aprendizado de Máquina estão transformando indústrias ao automatizar tarefas cognitivas e analíticas, anteriormente realizadas por trabalhadores qualificados. Substitui funções tanto de operários quanto de trabalhadores do conhecimento, ao mesmo tempo cria ocupações em áreas como ciência de dados, desenvolvimento de IA e engenharia de software.

Profissionais qualificados em Inteligência Artificial e TI ao trabalhar em grandes indústrias ou ao desenvolver soluções tecnológicas disruptivas ganham renda para o enriquecimento financeiro. Fazem reservas para aposentadoria por conta própria.

A proliferação de plataformas de educação e qualificação online, como Coursera, edX, e Khan Academy, tem democratizado o acesso à educação de alta qualidade, permitindo trabalhadores adquirirem novas habilidades e mudarem de carreira com mais facilidade com a educação contínua. Facilita a transição para ocupações mais qualificadas e lucrativas, além de fomentar o aprendizado ao longo da vida.

A propriedade e o comércio de criptomoedas, via tecnologias de blockchain, iludem com formas alternativas de acumulação de riqueza de maneira independente do sistema bancário tradicional e do trabalho assalariado. Especuladores buscam acumular riqueza através de investimentos em ativos digitais, mineração de criptomoedas e aplicativos descentralizados (dApps).

Plataformas de Financiamento Coletivo (crowdfunding) oferecem oportunidade a empreendedores financiarem seus projetos inovadores sem depender de investidores tradicionais ou empréstimos bancários. Em tese, “democratizou” o acesso ao capital para novos negócios e projetos criativos.

A digitalização do sistema financeiro e o surgimento de novas formas de investimentos, como criptomoedas, fintechs e plataformas de investimento automatizado (robo-advisors), permitiram maior acesso a mercados financeiros. Pessoas buscam acumular riqueza por meio de investimentos diversificados.

Essas inovações tecnológicas e disruptivas estão criando um cenário onde o modelo tradicional de trabalho assalariado está se transformando. As novas formas de ganhar e acumular dinheiro estão mais ligadas à flexibilidade, à digitalização e ao uso de tecnologias avançadas. Permite as pessoas terem maior controle (e flexibilidade) sobre suas trajetórias de carreira profissional, ampliando as oportunidades de acumulação de riqueza financeira e adaptando-se a uma vida mais longa, exigente de maior planejamento financeiro profissional.

*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP). [https://amzn.to/4dvKtBb]


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