No radar geopolítico – Índia x Paquistão

Imagem: Lara Jameson
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Por RUBEN BAUER NAVEIRA*

A Índia pode ter resolvido rezar também pela cartilha dos EUA e partido para impor ao Paquistão a sua solução de força, a despeito de ser aquele também um país com armas nucleares

Que a Índia e o Paquistão têm andado às turras já é sabido. A questão é saber se haverá guerra – não porque se trate de qualquer novidade, Índia e Paquistão já travaram várias guerras no passado, mas porque, desde a última delas, ambos se converteram em potências nucleares, o que muda completamente o quadro de figura.

Até aqui, é a Índia quem tem agido, enquanto que o Paquistão tem a ela reagido. O que fez a Índia?

(i) Determinou o cancelamento dos vistos dos paquistaneses em solo indiano, dando-lhes 48 horas para deixar o país; o Paquistão a isso reagiu com medida recíproca, cancelando os vistos dos indianos no Paquistão e dando-lhes também 48 horas para regressar à Índia – tratam-se de milhões de pessoas de ambos os lados da fronteira;

(ii) Suspendeu o Tratado das Águas do (rio) Indo, pelo qual a Índia fornecia ao Paquistão 80% da água consumida no país; o Paquistão declarou que, se essa suspensão não for revogada, isto será considerado uma declaração de guerra;

(iii) Está demolindo mesquitas (vídeo abaixo), sendo que 10% dos indianos – 150 milhões de pessoas – são de religião muçulmana; ainda que sejam leais ao país, tudo sugere que acabarão sofrendo perseguições;

(iv) Permite ou mesmo promove provocações, como a pintura no piso de estações de trem de bandeiras paquistanesas, para que sejam pisoteadas pelos passageiros; no vídeo abaixo, cena de pisoteio de bandeiras do Paquistão, de Bangladesh e da… Palestina (a que ponto pode chegar o sentimento anti-muçulmano…);

(v) Na terça-feira dia 29 autorizou as Forças Armadas do país a retaliar militarmente o Paquistão pelo atentado, que atribui ao país vizinho, que matou mais de duas dúzias de turistas domésticos em Pahalgam, na região da Cachemira, no dia 22; o Paquistão declarou que responderá militarmente a qualquer ataque contra seu território.

O atentado de Pahalgam bem pode ter sido um justo motivo para ter a Índia respondido com esta escalada, ou pode também ter sido um mero pretexto, uma “false flag” plantada pelos próprios serviços de inteligência da Índia ou de um terceiro (o Mossad aparece como o suspeito de sempre) com a conivência dos indianos. A verdade? Jamais se saberá.

Mas até o The New York Times (por mais desprovido de credibilidade que esteja) levanta a suspeita de que a Índia esteja construindo a alegação para iniciar uma guerra contra o Paquistão.

Essa também é a minha conjectura:

(a) É possível que os militares indianos tenham convencido Nerandra Modi de que a Índia adquiriu supremacia militar sobre o Paquistão (por meio de fatores como o sistema de defesa antimísseis S‑400 que a Índia comprou da Rússia, que supostamente consistiria em um escudo efetivo contra os mísseis paquistaneses).

(b) A partir dessa autoconfiança, Nerandra Modi teria resolvido emparedar o Paquistão, para que este reconheça a totalidade da Cachemira como pertencente à Índia (o que para o Paquistão é anátema).

(c) O atentado aos turistas na Cachemira, tenha sido facilitado ou mesmo forjado, forneceu o pretexto, e os indianos cortaram a água do rio Indo, absolutamente vital para o Paquistão.

(d) Os paquistaneses podem agora escolher entre a guerra (e a aniquilação nuclear) e a capitulação (adeus Cachemira para sempre).

 Pergunta: qual atacante abre mão deliberadamente do elemento-surpresa, anunciando publicamente que atacará o seu oponente? Resposta: aquele que quer, e espera, que o oponente o ataque primeiro – legitimando assim a guerra.

Por que a Índia teria resolvido agir por esse modo arbitrário, abusivo e truculento? Pelos maus exemplos.

Após a supressão à bala dos aventureirismos imperialistas de Hitler, Mussolini e Hiroito seguiu-se uma era de oitenta anos de primado da lei internacional, contudo eis que o planeta agora retrocede para adentrar uma nova/velha era de primazia da Lei do Mais Forte. Israel não ataca impunemente o Líbano e a Síria, e não comete genocídio contra a população palestina, sem que o resto do mundo faça nada?

Os Estados Unidos não anunciam que incorporarão (quando o certo seria dizerem “invadirão”) a Groenlândia, o canal do Panamá e até mesmo o Canadá? Países até então democráticos como a França, a Romênia ou a Moldávia não perdem o pudor de transviar os seus ritos institucionais para reter no poder as suas castas dominantes? Os EUA não resolvem intimidar e subjugar o resto do mundo com as suas tarifas unilaterais?

Os maus exemplos abundam.

A Índia pode ter resolvido rezar também por essa cartilha e partido para impor ao Paquistão a sua solução de força, a despeito de ser aquele também um país com armas nucleares.

Resta torcer para que a guerra não comece, porque se começar seguramente descambará para guerra nuclear. Naquele que é o pedaço mais densamente povoado do planeta Terra, algo assim seria uma hecatombe de proporções inimagináveis – e um precedente terrível para a imposição de novas “soluções” extremas.

*Ruben Bauer Naveira é ativista político e pacifista. Autor do livro Uma Nova Utopia para o Brasil: Três guias para sairmos do caos.

Para ler o artigo anterior dessa série clique neste link.


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