Onde está a novidade da crise no Equador?

Imagem Elyeser Szturm
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por Francisco Hidalgo Flor*

A novidade está na recuperação do protagonismo social e político por parte do movimento indígena. Este, depois de cerca de uma década de um regime modernizador e estatista, e de um par de anos de regressão neoliberal, voltou a levantar-se e a colocar contra a parede um regime político débil, mantido com o apoio das grandes empresas e dos Estados Unidos.

A maior parte do movimento indígena confrontou Correa [presidente do Equador entre janeiro de 2007 e maio de 2017], precisamente no tocante a seus afãs modernizadores e extrativistas, chegando, inclusive, a apoiar inicialmente o governo de Lenín Moreno. Este, porém, perdeu rapidamente esse respaldo, na medida em que incrementava seu alinhamento com o Fundo Monetário Internacional [FMI] e com as elites econômicas do país, aprofundando o modelo extrativista.

Trata-se, sobretudo, de reação e rechaço a um programa econômico que intensifica o peso da crise econômica sobre os mais pobres, e que abandonou qualquer política agrária e no lugar dela entrega-se ao mercado. A mais importante das medidas adotadas, a elevação do preço da gasolina e do diesel, afeta fortemente as camadas populares.

A lógica destas medidas insere-se no contexto de aplicação de um programa econômico em acordo com o  Fundo Monetário Internacional, cujas principais arestas são: a redução do estado, a privatização das empresas públicas, a contra-reforma laboral e o incremento do orçamento nacional por meio do aumento do preço dos combustíveis. O diesel, por exemplo, teve o seu preço elevado de 1,35 dólares por galão [cerca de 3,78 litros] para 2,40 dólares por galão.

O rechaço a este pacote de medidas foi iniciado pelas associações de transportadores, mas rapidamente se estendeu a vários setores populares. Depois de 48 horas de mobilização, os motoristas suspenderam a paralisação. Em seguida, o movimento indígena organizou o levantamento nacional, que se alargou com enorme rapidez e profundidade.

Esta capacidade de emitir uma pronta reposta se deve a que se sentem atingidos pelo impacto inflacionário da medida, mas também à persistência de uma organização comunitária muito ampla, que, em poucos dias, foi capaz de mobilizar com força e contundência milhares de indígenas e camponeses nas regiões andina e amazônica e marchar rumo à capital, a ponto de obrigar o presidente Moreno a trasladar provisoriamente a sede do governo de Quito para a cidade de Guayaquil, em busca de respaldo das oligarquias importadoras e exportadoras.

A evolução dos acontecimentos nos próximos dias será decisiva, pois as classes dominantes estão decididas a fazer com que (agora sim!) a população aceite o programa neoliberal. Não haviam previsto, no entanto, uma capacidade de resposta como a que foi apresentada pelo movimento indígena e por setores populares. Estes buscam agora apresentar um programa alternativo ao neoliberal extrativista, atendendo demandas agrárias imediatas, como a redistribuição da terra e da água.

*Francisco Hidalgo Flor é decano da Facultad de Ciencias Sociales y Humanas da Universidad Central del Ecuador.

Tradução: Fernando Lima das Neves

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Umberto Eco – a biblioteca do mundo
Por CARLOS EDUARDO ARAÚJO: Considerações sobre o filme dirigido por Davide Ferrario.
O complexo de Arcádia da literatura brasileira
Por LUIS EUSTÁQUIO SOARES: Introdução do autor ao livro recém-publicado
A crônica de Machado de Assis sobre Tiradentes
Por FILIPE DE FREITAS GONÇALVES: Uma análise machadiana da elevação dos nomes e da significação republicana
O consenso neoliberal
Por GILBERTO MARINGONI: Há chances mínimas do governo Lula assumir bandeiras claramente de esquerda no que lhe resta de mandato, depois de quase 30 meses de opção neoliberal na economia
Dialética e valor em Marx e nos clássicos do marxismo
Por JADIR ANTUNES: Apresentação do livro recém-lançado de Zaira Vieira
Gilmar Mendes e a “pejotização”
Por JORGE LUIZ SOUTO MAIOR: O STF vai, efetivamente, determinar o fim do Direito do Trabalho e, por consequência, da Justiça do Trabalho?
O editorial do Estadão
Por CARLOS EDUARDO MARTINS: A grande razão do atoleiro ideológico em que vivemos não é a presença de uma direita brasileira reativa a mudanças nem a ascensão do fascismo, mas a decisão da socialdemocracia petista de se acomodar às estruturas de poder
Incel – corpo e capitalismo virtual
Por FÁTIMA VICENTE e TALES AB´SÁBER: Palestra de Fátima Vicente comentada por Tales Ab´Sáber
Brasil – último bastião da velha ordem?
Por CICERO ARAUJO: O neoliberalismo vai caducando, mas ainda parasita (e paralisa) o campo democrático
Os sentidos do trabalho – 25 anos
Por RICARDO ANTUNES: Introdução do autor à nova edição do livro, recém-lançada
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES