Nota sobre o construtivismo russo – II

Foto de Carmela Gross
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por LUIZ RENATO MARTINS*

Nikolai Tarabúkin e o debate artístico na Rússia revolucionária

 

Crítica do trabalho alienado

O construtivismo, a despeito inclusive da hostilidade manifesta de Lênin (1870-1924) e Krúpskaia (1869-1939), se apresentou como um produto direto e vetor de aprofundamento da Revolução de Outubro. Ao mesmo tempo, ele se constituiu, em contraste com seus sucedâneos ocidentais, a partir do questionamento e da reestruturação não apenas funcional, mas radical das práticas artísticas, quanto à inserção nas relações econômico-sociais. E por isso também é que o construtivismo virou fator indesejável diante da nova política econômica (NEP), que o levou à oposição. Similarmente, em seguida, o construtivismo foi erradicado ante o aprofundamento da reorganização taylorista[i] do trabalho que consolidou, em nome do imperativo da produtividade, o modelo capitalista-fordista do trabalho alienado e baseado na divisão intelectual versus corporal.

Em síntese, o ato estético conjugado a uma perspectiva crítica e radical, dialética e marxista, implicou a determinação recíproca dos momentos da produção e do consumo, momentos estes que no capitalismo se oferecem não só como distintos, mas isolados.

Exceção parcial nesse âmbito, fora da URSS, eram os artistas que operavam e intervinham também sobre a recepção de seus trabalhos; por exemplo, certos dadaístas e Marcel Duchamp (1887-1968). No construtivismo, entretanto, a integração teoria-prática era matéria de princípio.

Em última análise, para se precisar a contraposição entre os princípios do construtivismo revolucionário e aqueles de seus sucedâneos ocidentais, cumpre fixar a distinção na recusa crítica fundamental ao fetichismo inerente à contemplação e, é claro, à mercadoria. Uma vez distinguido e estabelecido isso, logo, ao invés de se pretextar a geometria como modelo, o decisivo, no caso revolucionário, vem a ser a consideração da determinação recíproca entre função, forma e estrutura da obra, afetando diretamente o tratamento dos materiais ou o processo de produção. Afinal, no quadro do construtivismo, a configuração da obra, embora compreendesse o efeito de estranhamento, [ii] preconizado por Viktor Chklóvski (1893-1984), era condicionada e moldada pela exigência de funcionalidade, ou seja, pela tarefa ética e política de reconstrução da vida cotidiana, combinada ao processo revolucionário.

A Alemanha funcionava então como caixa de ressonância principal dos debates soviéticos, difundindo-os para o restante da Europa. Alguns dos princípios e procedimentos construtivistas foram assim assimilados e difundidos por Bertolt Brecht (1898-1956) e Walter Benjamin (1892-1940), Erwin Piscator (1893-1966), John Heartfield (1891-1968) e Hannes Meyer (1889-1954), entre outros.

 

Da pintura-processo ao novo realismo

Para buscarmos, nas formulações de Tarabúkin, os marcos prévios indicativos do construtivismo, é preciso reabrir o exame da obra de Cézanne.

Por que Cézanne foi tido como uma das fontes decisivas do construtivismo? Porque, segundo Tarabúkin, “foi a partir de Cézanne que o pintor começou a lançar toda sua atenção sobre a estrutura material real da tela (…)”.[iii] Pode-se entender, no caso, tal estrutura como a ordenação própria dos materiais específicos, vale dizer, a textura, a cor, a pincelada e a sua organização.[iv]

Com efeito, é no trabalho de Cézanne que a estrutura da pintura obteve pleno destaque, sobressaindo ante a dimensão semântico-representacional, para se por explicitamente como motivo incontornável para o observador.

Sabe-se que no início dos anos 1870, Cézanne passou a pintar ao lado do amigo Pissarro (1830-1903) e começou a adotar por influência desse último o trabalho ao ar livre e a paleta clara. Porém, sem se deter em tais opções, características do impressionismo em geral, Cézanne elaborou – na contramão de tal movimento – um modo marcado pelo recurso explícito a pinceladas modulares, que eram dispostas em pequenos blocos ou séries. Evoluiu concomitantemente para a organização do tecido pictórico, marcada por intermitências não apenas quanto à orientação das pinceladas – uma vez que as séries ou blocos se dispunham cada vez mais ao longo de vetores com orientações diversas –, mas também por descontinuidades e lacunas quanto aos modelados e aos campos de cores. Em diversas ocasiões, para além das esgarçaduras na disposição dos elementos da composição, a própria ocupação da tela, ou seja, o tratamento elementar do suporte mostrava-se como descontínuo: porções não pintadas deixavam a tela aflorar.

Qual era a razão disso? De fato, observadores variados espantaram-se ante o modo de pintar de Cézanne. Assim, os críticos-artistas J.F. Schnerb (1879-1915)[v] e R.P. Rivière, bem como Émile Bernard (1868-1941) reportaram que o pintor começava a pintar sem qualquer esquema ou composição prévios e assim seguia, fazendo a sua pintura avançar mediante a ocupação sucessiva das regiões adjacentes, como se caminhando passo a passo, sem saltar mediante novos golpes de vista, de uma parte da tela para outra, como era então usual fazer a partir da composição. E assim fazendo, sua preocupação maior – tomada por ele como sinal de autenticidade e sinceridade no processo de trabalho – era a de nunca se corrigir.[vi]

O resultado bem conhecido foram as assimetrias e deformações (que se tornaram típicas da pintura de Cézanne); tanto quanto – e não obstante as deformações – a sua insistência representacional em torno de motivos e objetos recorrentes, como se nunca esgotados ou efetivamente concluídos.

Para aqueles que aspiravam, como os simbolistas Maurice Denis (1870-1943) e Émile Bernard e seus sucedâneos formalistas, à geometrização e à atualização da ordem clássica diante da tônica subjetivista do impressionismo, a dialética processual e o modo permanentemente inacabado de Cézanne apareceram como desconcertantes e paradoxais. O que pretendia, afinal?

Cézanne estava realizando algo que hoje se pode distinguir claramente – mas que então espantava mesmo os seus próximos e pseudoadeptos, como os simbolistas. De algum modo, Cézanne evitava sobrepor à prática e ao tratamento físico do material pictórico a hegemonia dos valores da composição, sua lógica e combinações.

 

Arte processual, realismo novo

Instituiu-se assim o que os construtivistas denominaram de arte processual; expôs-se às claras a prática artística em lugar do fetichismo do resultado precioso. Em síntese, a arte processual revelou a consciência superior de explicitar – como numa demonstração algébrica – a verdade de sua fabricação, os insumos e os nexos, priorizando-os sobre a função referencial de representar formas e aspectos estranhos a ela (fossem as formas da natureza, fossem aquelas referidas à subjetividade).

Desse modo, foi a radicalização da descoberta ou da guinada cézanniana que pavimentou a via para o construtivismo revolucionário; guinada que, antes de tudo, embutiu uma tomada de consciência materialista e política por parte de Cézanne que, após o massacre da Comuna em maio de 1871, e diante da guerra social da dita belle époque, passou a conferir soberania ao trabalho ante a forma ou o bem resultante.[vii]

É nesse sentido que se pode afirmar que foi a radicalização da dimensão processual da arte que nutriu o ciclo analítico ou dos objetos não utilitários, transcorrido de 1919 a 1921; ciclo que os construtivistas denominaram de “fase de laboratório”, concebida “em vista da futura produção”.[viii]

Foi então que se consolidaram e ganharam terreno as noções de objeto – operante nos debates russos desde 1915, em oposição àquela de obra de arte – e ainda aquela de arte não objetiva – que foi empregada por Maliêvitch e pelos construtivistas em resposta a Kandinsky –, e que não deve ser confundida com a noção deste último de arte abstrata, porque as concepções suprematistas e construtivistas se queriam antimetafísicas, materialistas e concretas. Em suma, para se emprestar de Chklóvski a formulação de tal distinção: “as obras de arte não são mais janelas abrindo-se para um outro mundo, mas são objetos”.[ix]

Em duas palavras, deu-se nesse limiar a superação da dimensão representacional da arte e a postulação de um objeto com valor em si, cujos nexos estavam  postos nele próprio e não em alguma instância externa. A tanto, Maliêvitch denominou de novo realismo pictórico. Forjou-se aí uma nova noção de realismo inteiramente distinta daquela ingênua, derivada do naturalismo.

Nas palavras de Tarabúkin, “o artista constitui nas formas de sua arte sua própria realidade e concebe o realismo como consciência do objeto autêntico, autônomo quanto à sua forma e quanto ao seu conteúdo”.[x]

 

Diante do “último quadro”

Tal era o terreno do qual brotou o debate lançado por Tarabúkin. A discussão construtivista avançou a partir daí rumo a duas questões decisivas para a transição produtivista: a da radicalização da oposição intrínseca entre as ideias de composição e de construção; e a do caráter utilitário dos objetos ou da construção construtivista – visto que aqui também logo se instalou uma oposição.

Data desse período, precisamente de 20 agosto de 1921, poucos dias antes da abertura da mostra 5 x 5 = 25 – na qual Ródtchenko apresentou três pinturas, Cor Vermelha Pura, Cor Azul Pura e Cor Amarela Pura –, a conferência de Tarabúkin no INKhUK, já referida, intitulada “Foi Pintado o Último Quadro [Le dernier tableau a été peint]”, que assinalou o clímax do construtivismo analítico e também a sua superação iminente, de acordo com Tarabúkin.

Deve-se ir aos próprios termos da conferência, acerca de uma das telas, por causa do calor insubstituível, expressivo e claro, com que reclamavam um novo curso para o construtivismo. Disse Tarabúkin a respeito do que chamou então de “último quadro”: “(…) uma pequena tela quase quadrada e inteiramente coberta de um só vermelho. Essa obra é extremamente significativa da evolução sofrida pelas formas artísticas no curso dos últimos dez anos. Não se trata agora de uma etapa que possa ser sucedida por outras, mais recentes, mas do último passo, o passo final efetuado na conclusão de um longo caminho, a última palavra depois da qual a pintura deverá se calar, o último ‘quadro’ executado por um pintor. Esta tela demonstra com eloquência que a pintura, enquanto arte da representatividade – o que ela sempre foi até o presente –, chegou ao fim do caminho. Se o Quadrado Negro sobre Fundo Branco, de Maliêvitch, continha, a despeito da pobreza do seu senso estético, uma certa ideia pictural que o autor tinha chamado de ‘economia’, ‘quinta dimensão’,[xi] a tela de Ródtchenko é, inversamente, despojada de todo conteúdo: é um muro cego, estúpido e sem voz.[xii] Mas enquanto elo de um processo de desenvolvimento histórico, ela ‘faz época’, se a considerarmos não como um valor em si (o que ela não é), mas como uma etapa numa cadeia evolutiva”. [xiii]

Em novembro do mesmo ano, 1921 – ano de muitas clivagens no processo revolucionário –, Ródtchenko, sua companheira Varvára Stepánova (1894-1958) e outros construtivistas declararam renunciar à “arte de cavalete; proclamaram o perecimento de tal linguagem, para se dedicarem à produção de objetos com caráter utilitário e assim aprofundarem o engajamento revolucionário.

Em consequência, abriu-se uma cisão no grupo construtivista, uma vez que o INKhUK aderiu em peso às teses produtivistas, enquanto os descontentes seguiram os passos de Kandinsky – que já tinha abandonado o Instituto no começo do ano – e rumaram para o exílio no exterior, como os irmãos Gabo e Pevsner, que já mantinham, há tempos, muitos contatos com o Ocidente.[xiv] Ambos apesar de se referirem recorrentemente às formas mecânicas e geométricas como sendo os elementos de uma arte nova, nunca abandonaram as concepções de composição e arte como contemplação.

Neste quadro histórico, o texto de Tarabúkin Do Cavalete à Máquina [Du Chevalet à la Machine], que apareceu em 1923 entre as publicações oriundas do Proletkult,[xv] constituiu uma arma central no processo de debates, marcando a nova inflexão do movimento. Nessa segunda fase, aqueles que reclamavam para si a trajetória construtivista e se proclamavam como os artistas de esquerda declararam então que havia chegado a hora do utilitarismo e da dissolução do objeto. Proclamou-se um novo patamar reflexivo e prático para o construtivismo: o programa produtivista.

Entrementes, também já se armava a reação conservadora que adiante ganharia pleno fôlego e poder com o stalinismo. Em 1921, formou-se uma nova associação de pintores, a Associação dos Artistas da Rússia Revolucionária (AKhRR), com o fim de defender uma pintura dita “realista e representativa [réaliste et représentative], de acordo com os valores assim chamados do “realismo heroico” (sic). Na sua mostra anual de 1922, a AKhRR convocou à luta contra “a arte especulativa dos produtivistas”. [xvi]

 

Construção contra composição

Quais os critérios e premissas, afinal, da discussão proposta por Tarabúkin no seio do grupo construtivista? No tocante ao cerne da oposição entre composição e construção, pode-se dizer que a noção de composição, quanto à esfera subjetiva, referia-se à contemplação passiva, enquanto que a construção se traduzia num modo de ação realizado mediante o material. Era a tal dinamismo, oposto à passividade contemplativa, pois, que se referia a conhecida definição da forma, formulada por Tátlin em termos materialistas, como “produto da força dinâmica resultante das suas relações”.[xvii]

Ao contrapor a construção à composição, Tarabúkin afirmou que a última dizia respeito ao momento da representação e englobava, portanto, elementos ilusórios na pintura, tal como os efeitos volumétricos de profundidade, de luminosidade ou cromáticos, temporais ou rítmicos etc.

Em contrapartida, a construção elaborava exclusivamente a organização dos elementos materiais, a saber, a textura, a cor, a massa e a pincelada ou a técnica de tratamento do material. Logo, ao se promover a passagem da superfície plana da pintura para o espaço real, no qual os artistas, como Tátlin e os membros da OBMOKhU passaram a lidar com materiais reais como ferro, vidro e madeira, ocorreu o sentimento de um ganho de autenticidade.

Desse modo, mais ainda do que no Contrarrelevo Angular, de Tátlin – que requeria, todavia, um ponto de vista único, conforme salientou Tarabúkin –, foi de fato nos seus contrarrelevos centrais e principalmente nas obras espaciais construtivistas, da terceira mostra da OBMOKhU, entre as quais figuravam algumas construções suspensas de Ródtchenko, que se mostrou plenamente evidenciada a noção de construção, potenciada na interação efetiva com o espaço real.

Em síntese, enquanto, por um lado, a composição compreendia operações ilusionistas, por seu turno, a construção lidava apenas com os materiais e os elementos reais e concretos da pintura. Isso posto, concluíam os construtivistas, cumpria estabelecer a superação da composição enquanto princípio estético puro, vinculado à bidimensionalidade e à tradição histórica de representação. Em contrapartida, no construtivismo, afirmava-se a verdade da construção, articulada à organização de elementos materiais e reais, ou seja, emancipada do ilusionismo da representação.

 

Após a morte da arte

Considerando-se o advento desse estágio superior de autenticidade e verdade, é que se pode entender o entusiasmo do comentário de Tarabúkin a propósito de um relatório apresentado por Óssip Brik numa sessão do Instituto da Cultura Artística, em 24.11.1921, e que foi endossado por vinte e cinco artistas construtivistas-produtivistas. O documento preconizava a transferência do Instituto, o INKhUK, que pertencia ao Comissariado para a Educação (Narkompros), para o Conselho Superior da Economia Nacional.

Em tal ocasião, Tarabúkin assinalou a respeito da nova concepção da arte como atividade produtiva a ser realocada numa pasta econômica: “Mas a morte da pintura, a morte da arte de cavalete não significa por isso a morte da arte em geral. A arte continua a viver, não como forma determinada, mas como substância criadora. Melhor: ao mesmo tempo em que suas formas típicas foram sepultadas e acabamos de acompanhar suas exéquias na explanação precedente, a arte vê se abrir diante de si horizontes de uma amplitude excepcional (…)”.[xviii]

O primeiro número da revista Lef, em 1923, ecoou exigência análoga, propondo novas funções para a arte, mediante a proclamação de Maiakóvski: “O construtivismo deve se tornar a forma superior da ‘engenharia’ das formas da vida inteira”.[xix]

Em consequência, para os artistas, doravante engajados em campos antes vedados, pôs-se a tarefa maior de revolucionar a percepção e a consciência da maioria. Para tanto, os artistas-produtivistas buscaram abandonar os ateliês a fim de atuar e intervir nas fábricas.

Nesse ponto, a intervenção de Tarabúkin buscou a radicalização reflexiva do debate. O foco de sua crítica mirou então seus pares construtivistas, todavia dedicados à “arte analítica”: “A pintura ou a escultura de ateliê – quer sua representatividade seja naturalista (…), alegórica e simbolista (…), quer ela tome um caráter não objetivo como na maioria dos jovens artistas russos contemporâneos – é sempre uma arte de museu, e o museu permanece um elemento formo-criador (que dita a forma), ao mesmo tempo que a causa e a finalidade da criação. Eu incluo também dentro dos objetos de museu, cuja destinação não é a atividade prática vital, a pintura espacial e os contrarrelevos. Tudo aquilo que foi criado pela ala ‘de esquerda’ da arte contemporânea não encontrará sua justificação senão nas paredes do museu, e toda a tempestade revolucionária encontrará seu apaziguamento no silêncio desse cemitério”.[xx]

Questionando a posição da arte “não objetiva [non-objectif]”, nutrida por pesquisas do primeiro construtivismo, e antes disso, por formalistas, e suprematistas Tarabúkin proclamou, em favor do desenvolvimento produtivista do construtivismo: “O mundo atual apresenta ao artista exigências inteiramente novas: ele espera dele não ‘quadros’ ou ‘esculturas’ de museus, mas objetos socialmente justificados por sua forma e destinação”.[xxi]

Importa notar que a crítica de Tarabúkin não se deteve aí e lançou-se também contra atitudes só aparentemente produtivistas, como as de Maliêvitch e Tátlin. O pintor optara pela aplicação à porcelana de formas suprematistas, projetando bules e apetrechos de chá; enquanto o escultor, após renegar os seus “contrarrelevos inúteis” (nas suas próprias palavras), optara pelo design de objetos como “caçarolas úteis”.

Entretanto, Tarabúkin julgou tais atitudes ingênuas porque transportavam para a fábrica a perspectiva do ateliê, ou seja, a preocupação específica com a produção de objetos particulares.[xxii]

 

A questão do trabalho

Quais seriam então as novas formas da arte, aquelas que, nas palavras de Tarabúkin, eram portadoras de “horizontes de uma amplitude excepcional”, entrevistos após a “morte da arte de cavalete”?[xxiii]

Tarabúkin designou-as precisamente pelo termo russo masterstvó, acoplado à qualificação de produtivista. O tradutor inglês optou por “production skill”, algo como “habilidade de produzir”; já o tradutor francês converteu tal noção em “maîtrise productiviste”, algo como “mestria, soberania, domínio ou potência produtivista” …

O que supunha precisamente Tarabúkin, ao atribuir à noção a preservação do teor essencial da arte, o qual não desapareceria, mesmo com a morte dos modos artesanais ou de cavalete? De um modo ou de outro, o fato é que ele demonstrou nesses termos, o propósito de conceituar a arte como prática independente de qualquer situação dada no passado ou no presente: “O problema da mestria produtivista não pode ser resolvido por uma ligação superficial entre a arte e a produção, mas unicamente por sua relação orgânica, pela ligação do próprio processo de trabalho com a criação. A arte é uma atividade que supõe em primeiro lugar mestria e habilidade. A mestria é por natureza imanente à arte. Nem a ideologia, que pode tomar aspectos muito diversos, nem a forma em si mesma ou o material, que variam infinitamente, permitem designar concretamente a arte como uma categoria de criação sui generis. É unicamente no processo mesmo de trabalho, processo que tende para a perfeição maior de execução, que reside a marca reveladora da essência da arte. A arte é a atividade mais aperfeiçoada aplicada à conformação do material”.[xxiv]

Ou seja, nesses termos, a arte aparece como modo superior de trabalho, possível de ser traduzido em trabalho não alienado ou emancipado. O sentido da redefinição da arte como modo de trabalho, segundo proposto por Tarabúkin, explicitou-se a seguir: “Cultivando a ideia de mestria em cada gênero de atividade, nós contribuímos para aproximar a arte do trabalho. A noção de artista torna-se sinônimo daquela de mestre. Ao passar pelo cadinho da criação, que lhe comunica uma tendência à perfeição, o trabalho penoso e subordinado do operário torna-se mestria, arte. O que significa que todo homem que trabalha, qualquer que seja sua forma de atividade – material ou puramente intelectual – deixa, desde o momento em que animado pela vontade de fazer seu trabalho à perfeição, de ser um operário-artesão para se tornar um mestre-criador. Não existe para o mestre, artista em sua área, trabalho trivial, maquinal: sua atividade é uma atividade artística, criadora. Um tal trabalho é destituído dos aspectos humilhantes e destrutivos que caracterizam o trabalho subordinado. A ligação orgânica entre o trabalho e a liberdade, a criação e a mestria inerente à arte, pode ser realizada ao se integrar arte ao trabalho. Unindo a arte ao trabalho, o trabalho à produção e a produção à vida, à existência cotidiana, resolve-se no mesmo golpe um problema social extremamente difícil”.[xxv]

Uma vez, porém, que Tarabúkin recusava a aplicação à produção do mero saber artístico, conforme buscaram Maliêvitch e Tátlin ao visarem à confecção de produtos particulares, cabia a pergunta: como realizar seja factualmente, seja simbolicamente, tal propósito revolucionário?

De fato, não se tratava, para Tarabúkin, de modificar os produtos particulares, aperfeiçoando a sua excelência, como haveria de buscar exemplarmente a Bauhaus, dentro do capitalismo, mas, sim, de exercer a ação transformadora sobre o processo de trabalho e implicar, pois, diretamente mudanças nas relações de trabalho e no trabalhador. Afirmou neste sentido Tarabúkin: “A arte assim compreendida é realmente capaz de mudar a vida, porque ela transforma o trabalho, base de nossa vida, tornando-o mestria, criação, alegria. A arte do futuro não será um bem especial, mas trabalho transformado”.[xxvi]

 

Elefantes e borboletas

Entretanto, é preciso insistir na questão, pois, do ponto de vista das estratégias artísticas, como realizar tal programa? No concernente à concepção do trabalho artístico, era preciso desde logo constatar, ressaltava Tarabúkin, o desaparecimento do valor do objeto em geral como consequência direta da produção em série. Assim, o artista atento aos processos industriais de produção deveria notar que “a participação de muitas indústrias é necessária à fabricação de qualquer produto. O objeto perde toda individualidade no processo de produção”.

Em consequência, afirmava Tarabúkin: “Numerosos produtos atuais não se apresentam mais como objetos, mas como complexos de objetos indissoluvelmente ligados no processo de consumo e formando um sistema – ou então nem representam mais um trabalho materializado. Assim, por exemplo a utilização de energia elétrica, sistema complexo de instalações que fornece mercadorias sob a forma de luz, calor, força motriz etc. Viemos dar por aí num conceito novo, o de “instalação”,[xxvii] desconhecido nas condições de uma cultura material menos desenvolvida.[xxviii] Enfim, a produção em série apaga as fronteiras da noção de objeto ao conduzir a uma redução extrema do tempo de exploração do objeto, indo por vezes até uma única utilização deste./ O objeto perde sua razão de ser, deixando de ser concebido para um tempo de utilização importante e convertendo-se numa coisa que se consome de uma vez: não é mais um elefante, mas uma borboleta efêmera”.[xxix]

Para não concluir com essa anotação de perspicácia fulminante, capaz até de confundir, dada sua aparente atualidade – o que poderia induzir o incauto a crer que o programa produtivista teria sido implantado nas artes, independentemente de toda base política, econômica e ética condizente –, é decisivo, para situá-la precisamente, combiná-la a uma explicação sobre a natureza do construtivismo revolucionário, feita por Aleksei Gan, em Construtivismo (1922) – explicação que é, note-se, estritamente contemporânea aos comentários em questão, de Tarabúkin, e que corresponde portanto a uma discussão em andamento àquela altura.

Assim, em debate acerca da natureza do construtivismo com Iliá Erenburg (1891-1967) e El Lissitzky (1890-1941) – que, no caso, reclamavam-se também do movimento –, Gan recusou paralelos e aproximações (aceitos por seus companheiros) entre certos aspectos da arte de vanguarda ocidental, anunciados pela revista francesa L’Esprit Nouveau (“espírito de construção”, “estilo coletivo” etc.) e o construtivismo soviético. A diferença fundamental, sublinha Gan, não pode ser observada a partir de uma comparação limitada a traços estritamente artísticos. Muito pelo contrário, insiste ele, a distinção crucial, para a comparação entre as correntes artísticas, reside nas relações concretas e reais estabelecidas pelas formas artísticas com as “formas produtivas”, assim como com as “formas sociais” do seu contexto. As semelhanças, que podem existir à primeira vista, devem pois passar pelo crivo de parâmetros e critérios extra-estéticos, antes de serem aceitas.

Nesse sentido, afirma Gan: “O erro essencial do camarada Erenburg e do camarada Lissitzky é o não poder se desprender da arte. Eles batizam com o nome de construtivismo o que é meramente uma arte nova. Eles podem assim enfiar no mesmo saco o teatro de Taírov, Charlie Chaplin, Meyerhold, Mardjanov, os improvisos dos cômicos, os circos, Fernand Léger e muitos outros. Mas isso não significa que o construtivismo seja um fenômeno que pertença só a nós.[xxx]

Ele se desenvolve a partir de uma situação concreta da vida, que se apoia sobre o estado das forças produtivas. E ele adquire diferentes orientações segundo o estado das formas produtivas, quer dizer segundo as diferentes formas sociais.

O regime social e político da URSS e o regime da Europa e da América capitalistas são dois regimes diferentes. É natural que o construtivismo deles não seja o mesmo.

O nosso construtivismo declarou uma guerra intransigente à arte, porque os meios e as qualidades da arte não são mais capazes de refletir os sentimentos do meio revolucionário. Esse meio é aglutinado apenas pelos êxitos reais da revolução e os sentimentos expressos pela sua produção intelectual e material.

No Ocidente faz-se o construtivismo confraternizar com a arte (a doença crônica do Ocidente é a política de conciliação).

O nosso construtivismo colocou para si objetivos claros. Encontrar a expressão comunista das construções materiais.

 

No Ocidente o construtivismo flerta com a política declarando que a arte nova está fora da política, mas que ele tampouco é apolítico. Nosso construtivismo é um construtivismo combativo e intransigente: ele conduz uma luta severa contra os gotosos e os paralíticos, contra os pintores de direita e os pintores de esquerda, numa só palavra contra todos os que defendem, nem que seja um pouco, a atividade especulativa da arte.

O nosso construtivismo luta pela produção intelectual e material da cultura comunista” (Tver, 1922).[xxxi]

*Luiz Renato Martins é professor-orientador dos PPG em História Econômica (FFLCH-USP) e Artes Visuais (ECA-USP). É autor, entre outros livros, de The Conspiracy of Modern Art (Haymarket/ HMBS).

 

Extrato da segunda metade da versão original (em português) do cap. 10, «La transition du constructivisme au productivisme, selon Taraboukine», do livro La Conspiration de l’Art Moderne et Autres Essais, édition et introduction par François Albera, traduction par Baptiste Grasset, Lausanne, Infolio (2023, prim. semestre, proc. FAPESP 18/ 26469-9). Agradeço o trabalho de revisão e transliteração dos termos russos, realizado neste texto por Danilo Hora.

Para ler a primeira parte do artigo clique em https://aterraeredonda.com.br/nota-sobre-o-construtivismo-russo/

Notas


[i] Sobre a reorganização do trabalho em moldes tayloristas, promovida por Lênin, a partir de abril de 1918, ver “Lenine et Taylor”, segunda parte da obra de Robert LINHART, Lenine, les Paysans, Taylor, Paris, Seuil, [1976], 2010, pp. 101-219.

[ii] A propósito do efeito de estranhamento (ostranienie), ver Philippe IVERNEL, Passages de frontières: Circulation de l’image épique et dialectique chez Brecht et Benjamin, in revue Hors Cadre/ 6 – Contrebande, printemps 1988, Paris, PUV Saint-Denis, pp. 135-7.

[iii] [“C’est à partir de Cézanne que le peintre commence à faire porter toute son attention sur la structure matérielle de la toile »]. Cf. N. TARABOUKINE, «2. La peinture se libère de la littéralité et de l´illusionisme [2. A pintura se libera da literalidade e do ilusionismo]. In: idem, Du Chevalet…, op. cit., p. 34.

[iv] Ver idem, “8. Le sens pictural de la notion de construction [8. O sentido pictórico da noção de construção]”, in idem, Du Chevalet…, op. cit., p. 44.

[v] Para o artigo de Schnerb e Rivière, acerca de uma visita de ambos a Cézanne em janeiro de 1905, ver R. P. Rivière et J. F. Schnerb, “L´atelier de Cézanne” (La Grande Revue, 25.12.1907, pp. 811-7). in P. M. Doran (ed. critique et présentation), Conversations avec Cézanne, Paris, Macula, 1978, pp. 85-91. Desconhecem-se, à diferença do caso de Schnerb, outras informações sobre Rivière.

[vi] Ver Richard SHIFF, Cézanne and the End of Impressionism/ A Study of the Theory, Technique, and Critical Evaluation of Modern Art, Chicago, The University of Chicago Press, 1986, p. 116.

[vii] Sobre a mitologia simbolista criada em torno de Cézanne, ver, por exemplo, M. Denis, “Cézanne” (1907), in idem, Théories, 1890-1910: du Symbolisme et de Gauguin vers un Nouvel Ordre Classique (1912), pp. 251, 246, apud R. SHIFF, op. cit., p. 132; extratos do texto de Denis foram republicados in P. M. DORAN, op. cit., pp. 166-80. Ver também É. Bernard, “Réfutation de l’impressionisme [Refutação do impressionismo]”, in L’Esthétique Fondamentale et Traditionelle, pp. 138-9, apud R. SHIFF, op. cit., p. 132. Para um roteiro mais detalhado de tais afirmações resumidas por Shiff, algumas provenientes de cartas e outras de artigos, ver notas 37-41, à p. 271. Para um mergulho investigativo recente, agudo e vívido, em episódio exemplar da guerra social do período, ver Serge BIANCHI, Une Tragédie Sociale en 1908/ Les Grèves de Draveil-Vigneux et Villeneuve-Saint-Georges, préface de Michelle Perrot, Nérac, Comité de recherches historiques sur les révolutions en Essone/ Éditions d´Albret, 2014.

[viii] [en vue de la future production]. Apud Andrei Boris Nakov, “Introduction”, in N. TARABOUKINE, op. cit., p. 29.

[ix] [les oeuvres d’art ne sont plus des fenêtres ouvrant sur un autre monde, ce sont des objets] Cf. Victor CHKLOVSKI, Littérature et cinématographe [1923] dans Résurrection du mot et Littérature et cinématographe, trad. Andrée Robel, Paris, Gérard Lebovici, 1985.

[x] [“L´artiste constitue dans les formes de son art sa propre réalité et conçoit le réalisme comme conscience de l’objet authentique, autonome quant à sa forme et quant à son contenu »].Cf. N. TARABOUKINE, “3. La voie du réalisme [3. A via do realismo]”, in idem, Du Chevalet…, op. cit., p. 36.

[xi] “Cf. as brochuras de Maliêvitch: ‘Os novos sistemas na arte’, ‘De Cézanne ao suprematismo’, etc”. (Nota de Tarab.) [éd. francesa: K. Malévitch, Écrits Tome 1. De Cézanne au suprématisme, Lausanne, L’Âge d’Homme, 1993).

[xii] “Eu considero esta tela como uma obra de cavalete, e recuso ver nela um ‘modelo’ de pintura mural decorativa [Je considère cette toile comme une œuvre de chevalet, et refuse de voir en elle un ‘modèle’ de peinture décorative du mur]”. (Nota de Tarabúkin).

[xiii] [“C’était une petite toile presque carrée entièrement couverte d’une unique coleur rouge. Cette oeuvre est extrêmement significative de l’évolution subie par les formes artistiques au cours des dix derniéres années. Ce n’est plus une étape qui pourrait être suivie de nouvelles autres, mais le dernier pas, le pas final effectué au terme d’un long chemin, le dernier mot après lequel la peinture devra se taire, le dernier ‘tableau’ exécuté par un peintre. Cette toile démontre avec éloquence que la peinture en tant qu’art de la représentativité – ce qu’elle a toujours été jusqu’à présent – est arrivée au bout du chemin. Si le Carré Noir sur Fond Blanc de Malévitch contenait, en dépit de la pauvreté de son sens esthétique, une certaine idée picturale que l’auteur avait appelé ‘économie’, ‘cinquième dimension[xiii]’, la toile de Rodchenko est en revanche dépourvue de tout contenu : c’est un mur aveugle, stupide et sans voix’ [xiii]. Mais, en tant que maillon d’un processus de développement historique, elle ‘fait époque’, si on la considère non comme une valeur en soi (ce qu’elle n’est pas) mais comme une étape dans une châine d’évolution »]. Cf. N. TARABOUKINE, “7. Le dernier tableau [7. O último quadro]”, in idem, Du Chevalet…, op. cit., pp. 41-2.

[xiv] Ver B. BUCHLOCH, op. cit..

[xv] Fundado em 16-19 de outubro de 1917, em Petrogrado, por Bogdánov (1873-1928), Lunatchárski (1875-1933) e Górki (1868-1936), como uma organização cultural de trabalhadores, mas que reivindicava plena autonomia ante o governo e o Partido Bolchevique, o Proletkult  (movimento de cultura proletária) foi encarado pelo governo e pelo Partido Bolchevique como o embrião de um partido rival, conforme artigo no Pravda, n. 270, 1.12.1920. Foi então anexado ao Comissariado do Povo para a Educação (Narkompros), que era dirigido por Lunatchárski. Ver C. LODDER, op. cit., p. 75 e n. 9, à p. 278. Sobre as relações a seguir do INKhUK com o Proletkult, e a reorganização deste de acordo com o programa produtivista, ver idem, p. 93.

[xvi] [l´art spéculatif des productivistes]. Apud A. B. NAKOV, op. cit., p. 16; ver também C. LODDER, op. cit., pp. 184-5.

[xvii] [produit de la force dynamique résultant de ses relations]. Apud Camilla GRAY, L´Avant-Garde Russe dans l´Art Moderne (1863-1922), Lausanne, La Cité/ L´Âge d´Homme, 1968, pp. 239-41, apud  F. ALBERA, Eisenstein e…, op. cit. (São Paulo), p. 239; Eisenstein et…, op. cit. (Lausanne), p. 174.

[xviii] [« Mais la mort de la peinture, la mort de l’art de chevalet ne signifie pas pour autant la mort de l’art en général. L’art continue à vivre, non comme forme déterminée, mais comme substance créatrice. Mieux : alors que ses formes typiques sont enterrées et que nous venons d’en suivre les funérailles dans l’exposé qui précède, l’art voit s’ouvrir devant lui des horizons d’une ampleur exceptionelle (…)»]. Cf. N. TARABOUKINE, « 12. Le refus de l´art de chevalet et l´orientation sur la production [12. A recusa da arte de cavalete e a orientação para a produção] », in idem, Du chevalet…, op. cit., p. 49; ver também idem, « 23. La réfraction de l´idée de maîtrise productiviste dans les autres arts [23.A refração da ideia de mestria produtivista nas outras artes] », in idem, Du chevalet…, op. cit., p. 72.

[xix] [“le constructivisme doit devenir la forme supérieure de ‘l’ingénieurie’ des formes de la vie tout entière”]. Cf. V. MAIAKOVSKI, Lef, n. 1, 1923, apud A. KOPP, Changer la Vie, Changer la Ville, Paris, coll. 10/18 / UGE, 1975, p. 190 apud F. ALBERA, Eisenstein e…, op. cit. (São Paulo), p. 169; Eisenstein et…, op. cit. (Lausanne), p. 123.

[xx] [“La peinture ou la sculpture d’atelier – que sa représentativité soit naturaliste (…), allegorique et symboliste (…), ou qu’elle prenne un caract’ere non-objectif comme chez la majorité des jeunes artistes russes contemporains – est toujours un art de musée, et le musée demeure un élément formo-créateur (qui dicte la forme), en même temps que la cause et le but de la création. Je fais aussi entrer dans les objets de musée, dont la destination n’est pas l’activité vitale, la peinture spatiale et les contre-reliefs. Tout ce qui est crée par l’aile ‘gauche’ de l’art contemporain ne trouvera sa justification que dans les murs du musée, et toute la tempête révolutionnaire trouvera son apaisement dans le silence de ce cimetière »]. Cf. N. TARABOUKINE, «10.  L´art de chevalet est inévitablement un art muséal [10. A arte de cavalete é inevitavelmente uma arte museológica] », in idem, Du Chevalet …, op. cit., p. 47.

[xxi] [« Le monde actuel présente à l’artiste des exigences entièrement nouvelles: il attend de lui non pas des ‘tableaux’ ou des ‘sculptures’ de musée, mais des objets socialement justifiées par leur forme et leur destination »] Cf. idem, « 11. La traite présentée à notre époque [11. A obrigação e a quitação que se impõem em nossa época] », in idem, Du Chevalet …, op. cit., p. 48.

[xxii] Ver idem, «19. L´idée artisanale de l´objet [19. A ideia artesanal do objeto]. In: idem, Du Chevalet …, op. cit., p. 63.

[xxiii] [horizons d’une ampleur exceptionelle]; [la mort de l’art de chevalet].  Cf. idem, «12. Le refus de l´art de chevalet et l´orientation sur la production [12. A recusa da arte de cavalete …], op. cit., pp. 49-50.

[xxiv] [“Le problème de maîtrise productiviste ne peut être résolu par une liaison superficielle entre l’art et la production, mais uniquement par leur rapport organique, par la liaison du processus même du travail et de la création. L’art est une activité qui suppose en premier lieu maîtrise et habileté. La maîtrise est par nature immanente à l’art. Ni l’ideologie, qui peut prendre des aspects très divers, ni la forme elle même- ou le matériau, qui varient à l’infini, ne permettent de désigner concrètement l’art comme une catégorie de création sui generis. C’est uniquement dans le processus de travail lui-même, processus tendu vers la plus grande perfection d’exécution, que réside la marque qui découvre l’essence de l’art. L’art est l’activité la plus perfectionnée appliquée à la mise en forme du matériau »]Cf. idem, « 15. Le problème de la maîtrise [15. O problema da mestria] », in idem, Du Chevalet …, op. cit., p. 53.

[xxv] [“En cultivant l’idée de maîtrise dans chaque genre d’activité, nous contribuons à rapprocher l’art du travail. La notion d’artiste devient synonyme  de celle de maître.  En passant par le creuset de la création, qui lui communique une tendance à la perfection, le travail pénible et contraignant de l’ouvrier devient maîtrise, art. Ce qui signifie que tout homme qui travaille, quelle que soit sa forme d’activité – matérielle ou purement intellectuelle – cesse, du moment où il est animé par la volonté de faire son travail à la perfection, d’être un ouvrier-artisan pour devenir un maître-créateur. Il ne peut y avoir pour le maître, artiste en sa partie, de travaux triviaux, machinaux : son activité est une activité artistique, créatrice. Un tel travail est dépourvu des aspects humiliants et destructeurs qui caracterisent le travail contraint. La liaison organique entre le travail et la liberté, la création et la maîtrise inhérente à l’art, peut être réalisée en intégrant l’art au travail. En reliant l’art au travail, le travail à la production et la production à la vie, à l’existence quotidienne, on résout du même coup un problème social extrêmement ardu »]. Cf. idem, «16. Art – travail – production – vie [16. Arte – trabalho – produção – vida] », in idem, Du Chevalet …, op. cit., p. 54.

[xxvi] [« L’art ainsi compris est réellement capable de changer la vie, car il transforme le travail, base de notre vie, en le rendant maîtrisé, créateur, joyeux. L’art du futur ne sera pas une gourmandise, mais du travail transformé »]. Cf. idem, p. 56.

[xxvii] Andrei Nakov adota, na tradução francesa, o termo “appareillage”, próximo do português “aparelhagem”. Gough, por sua vez, adota no inglês “installation”, como correspondente ao termo original russo “ustanóvka”. Optarei pela segunda para traduzir as palavras de Tarabúkin, na nota a seguir (LRM). Ver M. GOUGH, op.cit., p. 105.

[xxviii] “A noção de ‘instalação’ e a ideia da desmaterialização da cultura contemporânea foram difundidas por Kuchner [1888-1937] numa série de conferências feitas no Instituto da Cultura Artística, bem como em conferências públicas às quais me refiro [“La notion d’ ‘appareillage’ et l’idée de la dématérialisation de la culture contemporaine ont été répandues par B. Kouchner dans une série de conférences faites à ‘ l’Institut de la culture artistique’ , ainsi que dans des conférences publiques auxquelles je me réfère »”. (Nota de N. Tarab.).

[xxix] [“De nombreux produits actuels ne se présentent plus comme des objets, mais comme des complexes d’objets indissolublement liés dans le processus de consommation et formant un système, ou bien ne représentent même plus du travail matérialisé. Ainsi par exemple l’utilisation de l’énergie életrique, système complexe d’installations qui dispense des ‘commodités’ sous forme de lumière, de chaleur, de force motrice, etc. Nous arrivons par là à un concept nouveau, celui d’ ‘appareillage’, inconnu dans les conditions d’une culture matérielle moins développée. Enfin, la production en série efface les frontières de la notion d’objet en ceci qu’elle conduit à une réduction extrême du temps d’exploitation de l’objet, allant parfois jusqu’à l’utilisation unique de celui-ci./ L’objet perd sa raison d’être en cessant d’être conçu pour un temps d’utilisation important et en devenant une chose qui se consomme en une fois : ce n’est plus un ‘élephant’ mais un ‘papillon éphémère’ »]. Cf. idem, “20. L’ ‘objet’ disparait de la grande industrie” in idem, Du Chevalet …, op. cit., p. 65.

[xxx] A seguir, itálicos, maiúsculas e espaçamentos, conforme apresentação do texto original.

[xxxi] [“(…) Mais cela ne signifie pas que le constructivisme soit un phénomène qui nous soit propre à nous seuls.

 Il se développe à partir d’une situation concrète de la vie, qui s’appuie sur l’état des forces productives. Et il prend différentes orientations selon l’état des formes productives, c’est-à-dire selon les différentes formes sociales.

Le régime social et politique de la R.S.F.S.R. et le régime de l’Europe et de l’Amérique capitalistes sont deux régimes différents. Il est naturel que leur constructivisme lui non plus ne soit pas le même.

Notre constructivisme a déclaré une guerre intransigeante à l’art, parce que les moyens et les propriétés de l’art ne sont plus capables de refléter les sentiments du milieu révolutionnaire. Ce milieu est cimenté seulement par les succès de la révolution et ses sentiments exprimés par la production intellectuelle et matérielle.

En Occident on fait fraterniser le constructivisme avec l’art (la maladie chronique de l’Occident est la politique de la conciliation).

Notre constructivisme s’est donné des objectifs clairs:

Trouver l’expression communiste des constructions matérielles.

En Occident le constructivisme flirte avec la politique en déclarant que l’art nouveau est hors de la politique, mais qu’il n’est pas non plus apolitique. Notre constructivisme est un constructivisme combatif et intransifeant: il mène une lutte sévère contre les goutteux et les paralytiques, contre les peintres de droite et les peintres de gauche, en un seul mot contre tous ceux qui défendent, ne fût-ce qu’un peu, l’activité spéculative de l’art.

NOTRE CONSTRUCTIVISME LUTTE POUR LA PRODUCTION INTELLECTUELLE ET MATÉRIELLE DE LA CULTURE COMMUNISTE »].

Cf. Alexis GAN, Le Constructivisme/ Tver – 1922, traduit par Larissa Yakoupova, apud Gérard CONIO, Le Constructivisme Russe, tome premier Le constructivisme dans les arts plastiques/ Textes théorique – manifestes – documents, reunis et présentés par Gérard Conio, Lausanne, Cahiers des avant-gardes/ Editions l’Age d’Homme, 1987, p. 444.

 

O site A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
Clique aqui e veja como

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Eleonora Albano Marcos Aurélio da Silva Luiz Eduardo Soares Luiz Renato Martins Ricardo Abramovay Daniel Afonso da Silva Slavoj Žižek Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Airton Paschoa Denilson Cordeiro Claudio Katz Paulo Fernandes Silveira Rodrigo de Faria Marcelo Módolo Leonardo Avritzer Michael Roberts Elias Jabbour Kátia Gerab Baggio Paulo Capel Narvai Dennis Oliveira Luis Felipe Miguel Sandra Bitencourt Marjorie C. Marona Eduardo Borges Juarez Guimarães Luiz Werneck Vianna Henri Acselrad Yuri Martins-Fontes Renato Dagnino Henry Burnett Alysson Leandro Mascaro Mariarosaria Fabris Anselm Jappe Gilberto Lopes Luiz Marques Armando Boito Igor Felippe Santos Flávio R. Kothe João Sette Whitaker Ferreira Everaldo de Oliveira Andrade Annateresa Fabris Tadeu Valadares Remy José Fontana Bruno Fabricio Alcebino da Silva Eliziário Andrade Fábio Konder Comparato Vladimir Safatle José Costa Júnior Daniel Brazil Chico Alencar Antonino Infranca José Geraldo Couto Luiz Bernardo Pericás Jean Marc Von Der Weid Ladislau Dowbor Manuel Domingos Neto José Raimundo Trindade Paulo Sérgio Pinheiro Atilio A. Boron Tarso Genro Paulo Nogueira Batista Jr Otaviano Helene Luiz Roberto Alves Rafael R. Ioris Carlos Tautz Berenice Bento Afrânio Catani Vinício Carrilho Martinez Valerio Arcary Alexandre de Freitas Barbosa Michael Löwy Milton Pinheiro Antônio Sales Rios Neto João Feres Júnior Alexandre Aragão de Albuquerque Samuel Kilsztajn João Carlos Loebens Jorge Branco Flávio Aguiar Ricardo Musse Rubens Pinto Lyra Ricardo Fabbrini Plínio de Arruda Sampaio Jr. Priscila Figueiredo Luís Fernando Vitagliano André Singer Vanderlei Tenório Francisco Pereira de Farias Eugênio Trivinho Osvaldo Coggiola Ronald Rocha Chico Whitaker Celso Frederico Bernardo Ricupero Gilberto Maringoni Thomas Piketty José Micaelson Lacerda Morais José Dirceu Lincoln Secco Ronaldo Tadeu de Souza Francisco de Oliveira Barros Júnior Bento Prado Jr. João Paulo Ayub Fonseca Manchetômetro Lucas Fiaschetti Estevez Érico Andrade Luiz Carlos Bresser-Pereira Paulo Martins Fernão Pessoa Ramos Ronald León Núñez Benicio Viero Schmidt Caio Bugiato Mário Maestri Leonardo Sacramento Marcelo Guimarães Lima Sergio Amadeu da Silveira João Adolfo Hansen Heraldo Campos Francisco Fernandes Ladeira Ricardo Antunes Tales Ab'Sáber Leda Maria Paulani Marcus Ianoni Daniel Costa Marilena Chauí Antonio Martins Walnice Nogueira Galvão Ari Marcelo Solon Jorge Luiz Souto Maior Leonardo Boff Liszt Vieira Carla Teixeira Andrés del Río Bruno Machado Salem Nasser José Luís Fiori Eugênio Bucci André Márcio Neves Soares Jean Pierre Chauvin Gerson Almeida Luciano Nascimento Fernando Nogueira da Costa Dênis de Moraes Matheus Silveira de Souza Julian Rodrigues Valerio Arcary Marcos Silva João Carlos Salles Boaventura de Sousa Santos Eleutério F. S. Prado Lorenzo Vitral Gabriel Cohn Maria Rita Kehl Celso Favaretto José Machado Moita Neto João Lanari Bo Andrew Korybko Marilia Pacheco Fiorillo Alexandre de Lima Castro Tranjan Michel Goulart da Silva

NOVAS PUBLICAÇÕES