Os exercícios nucleares da França

Imagem: Aleksandr Makedonskiy
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Por ANDREW KORYBKO*

Uma nova arquitetura da segurança europeia está se formando e molda sua configuração final o relacionamento entre a França e a Polônia

Todos na Europa estão se perguntando que forma podem tomar os planos potenciais do presidente francês Emmanuel Macron para estender o guarda-chuva nuclear de seu país sobre o resto do continente, especialmente considerando os riscos que eles poderiam acarretar após a reação muito negativa de Moscou. Vladimir Putin sugeriu que Emmanuel Macron estava seguindo os passos de Napoleão, enquanto o Ministro das Relações Exteriores russo Serguei Lavrov foi muito mais direto ao descrever as palavras de Emmanuel Macron como uma ameaça e até mesmo compará-lo abertamente a Hitler.

O jornal The Economis publicou um artigo sobre as opções à sua disposição, a mais realista das quais é estacionar Rafales com capacidade nuclear na Europa Central e Oriental e incluir alguns desses países em seus exercícios trimestrais da força aérea nuclear com o codinome “Poker”. De acordo com uma de suas fontes, “Nos últimos dias, outros aliados (além da Itália, que participou uma vez em 2022) se ofereceram para participar.” O candidato mais óbvio é a Polônia, cujo primeiro-ministro declarou no início deste mês que quer armas nucleares.

Seu presidente apelou mais uma vez aos EUA, em sua última entrevista ao Financial Times na semana passada, para hospedar algumas de suas armas nucleares, mas recebeu uma pronta resposta negativa do vice-presidente norte-americano D. J. Vance. Ele disse que ficaria “chocado” se Donald Trump concordasse porque isso poderia levar a um “conflito nuclear”. Vendo como a França tem sido aliada da Polônia desde a era napoleônica, apesar de ter deixado a Polônia na mão contra os nazistas, a Polônia pode agora priorizar a opção francesa proposta pela The Economist.

Isso seria uma reviravolta, se é que já houve uma, já que o vice-ministro das Relações Exteriores Andrzej Szejna – da coalizão liberal-globalista governante, que se opõe ao presidente conservador de saída – respondeu ao pedido de armas nucleares dos EUA em maio passado com pontos consistentes que também são verdadeiros para os franceses. Em suas palavras, “a Polônia não se tornará uma potência nuclear (já que não obteria controle operacional sobre essas armas), e mísseis russos serão apontados para essas instalações (onde estão baseadas)”.

A Polônia pode, portanto, adiar a hospedagem dos Rafales nucleares franceses, o que, em qualquer caso, seria uma decisão importante que provavelmente exigiria muitas negociações e planejamento em vez de uma ação rápida de ambos, em favor da participação em seus exercícios “Poker” trimestrais. Nesse caso, eles se tornariam exercícios de construção de prestígio, mostrando a força renovada de sua aliança histórica, que provavelmente também teria como objetivo co-administrar a Europa central e oriental.

O elemento prestígio é importante, pois não há nenhuma “ameaça russa” crível à Polônia ou à França para justificar a inclusão da Polônia nos exercícios de “Poker” da França, muito menos basear possivelmente Rafales com armas nucleares lá, mas façanhas dramáticas como a descrita acima poderiam reunir alguns europeus. Em particular, essa é a elite liberal-globalista do bloco que passou a acreditar em sua própria propaganda sobre a Rússia e algumas pessoas da Europa central e oriental com medos patológicos dela, ambas as quais cairiam sob influência conjunta franco-polonesa.

A Polônia pode cair ainda mais sob a influência francesa também com o tempo, caso em que sua oposição à proposta liderada pela França para um “Exército Europeu” – que foi recentemente endossada por Volodynyr Zelensky, mas posteriormente rejeitada pelo Ministro das Relações Exteriores polonês Sikorski – pode gradualmente se desgastar. Isso, no entanto, dependeria em grande parte do resultado da eleição presidencial de maio na Polônia, já que o candidato liberal-globalista pode concordar com isso, enquanto os conservadores e populistas permaneceriam contra.

Se a coalizão governante conquistar a presidência, uma maior influência francesa sobre a Polônia ocorrerá no caso de ser convidada a participar dos exercícios “Poker” trimestrais da França e, possivelmente, um dia vir a sediar seus Rafales com armas nucleares. Poderíamos então ver a Polônia convidando mais forças militares estrangeiras para seu território. Isso se alinharia com a proposta de Tusk na semana passada para a União Europeia e a OTAN protegerem conjuntamente a fronteira oriental da Polônia. Em linha com suas preferências, ele e seu presidente provavelmente prefeririam forças da União Europeia às da OTAN/EUA.

A oposição conservadora e populista (que não são a mesma coisa) prefere o oposto, as forças da OTAN/EUA em vez das da União Europeia e, então, mais forças estrangeiras podem acabar se baseando na Polônia, independentemente. No entanto, o ponto é que qualquer “Exército Europeu” pode estabelecer uma grande presença militar na Polônia se o candidato liberal-globalista se tornar presidente, após o que a Polônia pode se voltar para o que pode ser uma União Europeia possivelmente liderada pela França em vez da Alemanha, às custas de sua aliança com a América.

Sobre isso, Tusk e Sikorski fizeram declarações irresponsáveis no passado sobre Donald Trump, como difamá-lo como um “agente russo”, e o Secretário de Estado Marco Rubio acabou de colocar Sikorski em seu lugar por dar falsa credibilidade aos rumores sobre Elon Musk cortando a Ucrânia da Starlink. Ou seja, os laços bilaterais não estão muito bons agora. Portanto eles provavelmente ficarão ainda piores se os liberais-globalistas assumirem o controle total sobre o governo ao ganhar a presidência e, em seguida, fizerem movimentos tangíveis para afastar a Polônia dos EUA.

Uma nova arquitetura de segurança europeia está se formando à medida que o conflito ucraniano aproxima-se de seu fim inevitável, e entre as variáveis mais significativas que moldam sua configuração final está o relacionamento entre a França e a Polônia, com o resultado da próxima eleição presidencial desta última influenciando esses laços.

A Polônia poderia hipoteticamente participar dos exercícios “Poker” da França sob um presidente conservador ou populista, enquanto ainda permanece mais próxima dos EUA, mas esse equilíbrio é improvável sob um liberal-globalista.

O alinhamento mais próximo da Polônia com a União Europeia (via França) ou com os EUA pode, portanto, ser o fator mais importante para determinar como será essa arquitetura de segurança devido ao imenso peso econômico e militar do país na fronteira ocidental da Rússia. Embora a expansão da influência francesa sobre a Polônia possa ser um dado adquirido se ela começar a participar dos exercícios “Poker”, o que faz sentido de sua perspectiva, a próxima eleição presidencial provavelmente decidirá se isso se transformará em um pivô completo.

*Andrew Korybko é mestre em Relações Internacionais pelo Instituto Estadual de Relações Internacionais de Moscou. Autor do livro Guerras híbridas: das revoluções coloridas aos golpes (Expressão Popular). [https://amzn.to/46lAD1d]

Tradução: Artur Scavone.


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