Educação para a obediência

Imagem: Oto Vale
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por ALEXANDRE ARAGÃO DE ALBUQUERQUE*

Na fala sofista de Bolsonaro em Sete de Setembro comprova-se toda propaganda ideológica com a qual ele está comprometido desde o primeiro dia do seu mandato

Tudo ainda é tal e qual ao passado não remoto dos tempos ditatoriais vividos nos 20 anos a partir de 1964. Temos uma elite que se arvora sobre o povo brasileiro, sugando-lhe sangue e suor, para obter lucros infinitamente, como apregoa o neoliberalismo. O dólar custa hoje R$5,40 no Brasil (cinco reais e quarenta centavos), fazendo a festa de exportadores e especuladores financeiros que têm posições em moeda estadunidense, forçando a alta dos preços da produção interna, dilacerando o bolso das famílias de trabalhadores e trabalhadoras brasileiras que veem o custo de vida disparar, principalmente os gêneros de primeira necessidade.

Nos dois últimos anos do primeiro governo Dilma Rousseff (2011-2014), período no qual ela teve condições efetivas de realizar seu plano administrativo federal, uma vez que em 2015 foi dada a largada do golpe híbrido pelas mãos de Eduardo Cunha, que a retirou do poder, a posição do dólar era a seguinte: em 31/12/2013 um dólar estadunidense custava R$2,34 (dois reais e trinta e quatro centavos); em 31/12/2014 o valor correspondia a R$2,65 (dois reais de sessenta e cinco centavos), uma variação anual da ordem de 13,24%. Essa variação foi suficiente o bastante para os articulares do Golpe deflagrarem uma orquestrada sequência de agitações sociais (também chamadas “primaveras” na literatura política especializada em golpes híbridos) de diversos protestos de rua reclamando da alta da cotação da moeda americana que estava impedindo a classe média de viajar a Miami (EUA). O salário mínimo em 2014 valia R$724,00 (setecentos e vinte e quatro reais), ou seja, algo em torno de $275 dólares.

Hoje, na pátria bolsonarista, o valor do salário mínimo é de R$1.045,00 (um mil e quarenta e cinco reais) e a moeda americana está cotada a R$5,40 (cinco reais e quarenta centavos). Consequentemente, um salário mínimo equivale a $193,00 (cento e noventa e três) dólares, mas, inexplicavelmente, não se vê ninguém na rua pedido a queda deste governo. Ou seja, seis anos depois, o trabalhador e a trabalhadora brasileira em vez de auferir um ganho no seu poder de compra, sofre uma enorme perda mensal da ordem $82 (oitenta e dois dólares) dólares representando $984 (novecentos e oitenta e quatro) dólares – a menos – em um ano, ou seja, R$5.313.60 (cinco mil, trezentos e treze reais e sessenta centavos) retirados dos bolsos de cada trabalhador para ir para os bolsos dos patrões. Por isso Guedes sorri tanto, o plano neoliberal dele de “ganhar dinheiro com os grandes”, como afirmou na reunião ministerial dos palavrões em 22 de abril, está dando certo.

Uma das centralidades do Estado hobbesiano, como vimos em nosso artigo passado, é conceber o Poder como a Força capaz de estabelecer o controle sobre os Preços de modo que sejam vantajosos para os detentores do Poder. Para manter essa condição (status quo), o Poder precisa constantemente adquirir mais Poder, ampliando constantemente sua autoridade sobre os governados. Dessa forma, o projeto de Estado hobbesiano desenvolve um estratagema para a contenção das liberdades humanas buscando limitar sua capacidade de pensamento crítico, político, filosófico, imaginativo e criativo por meio do desenvolvimento de um amplo mecanismo desenvolvedor de pedagogias para obediência. Ou seja, as ações dos súditos devem ser todas reguladas pelo Estado de modo que a conduta dos humanos sejam todas limitadas e previsíveis, a partir da concepção de uma liberdade considerada sempre em termos restritivos. Portanto, uma espécie de domesticação que desenvolva personalidades obedientes ao Estado e a Deus. O Estado hobbesiano é concebido pelo filósofo como uma grande reunião de poucas famílias patriarcais cujo pai tem o poder de vida e de morte sobre todos os familiares e servos. Sendo assim, Religião e Meios de Comunicação configuram-se como grandes armas de controle das paixões humanas para a implantação e manutenção deste tipo de Estado autoritário.

Na fala sofista de Bolsonaro em Sete de Setembro comprova-se toda propaganda ideológica com a qual ele está comprometido desde o primeiro dia do seu mandato, apresentando um quadro não-histórico e não conceitual, voltado apenas para provocar o equívoco, como bem lembra Platão em sua obra Fedro. Bolsonaro afirmou que com a Independência o Brasil passou a ser um país de iguais. Esqueceu de dizer, entre tantos fatos, que era no mundo a pátria que mais realizava o comércio de homens e mulheres pretas no sistema escravista ocidental.

Entre outras imagens sua fala conteve categorias da ideologia do verde amarelismo a qual não admite a existência do conflito na sociedade brasileira. Um país ideal e ruralista. Uma nação, segundo ele, “temente a Deus (temor, portanto), que respeita a família (patriarcal) e ama a Pátria (como nos tempos de Médici: Brasil ame-o ou deixe-o)”. Como se sabe, Pátria tem origem no vocábulo Pater. É um termo que evoca fidelidade, uma forte e afetiva carga sacro-familiar bem ao modo de Hobbes, para quem a obrigação de mulher, filhos e filhas para com o Pater (pai) deriva do direito deste não tê-los matado no nascimento. Ou seja, o Pater tem o Poder de vida e de morte sobre sua família. Esse discurso de Bolsonaro fez lembrar também “a vara” o vídeo do ministro-pastor da educação ensinando seus fiéis – pais e mães – a usarem a vara na educação de seus filhos e filhas. Tudo ainda é tal e qual.

*Alexandre Aragão de Albuquerque é mestre em Políticas Públicas e Sociedade pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • Um estudo do caso Ailton Krenak1974__Identidade ignorada 21/07/2024 Por MARIA SILVIA CINTRA MARTINS: Prefiro sonhar com Krenak o parentesco com a natureza e com as pedras do que embarcar na naturalização do genocídio
  • Clarice Lispector no cinemacultura a paixão segundo g.h. 22/07/2024 Por LUCIANA MOLINA: Comentário sobre três adaptações cinematográficas da obra de Clarice Lispector
  • O princípio de autodestruiçãoLeonardo Boff 25/07/2024 Por LEONARDO BOFF: Qual ciência é boa para a transformação mundial?
  • Filosofia da práxis como poiésiscultura lenora de barros 24/07/2024 Por GENILDO FERREIRA DA SILVA & JOSÉ CRISÓSTOMO DE SOUZA: Fazer filosofia é, para o Poética, fazer filosofia contemporânea, crítica e temática
  • Que horas são no relógio de guerra da OTAN?José Luís Fiori 17/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: Os ponteiros do “relógio da guerra mundial” estão se movendo de forma cada vez mais acelerada
  • Apagão digitalSergio Amadeu da Silveira 22/07/2024 Por SÉRGIO AMADEU DA SILVEIRA: A catástrofe algorítmica e a nuvem do “apagão”
  • A disputa de Taiwan e a inovação tecnológica na ChinaChina Flag 20/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: A China já é hoje a líder mundial em 37 das 44 tecnologias consideradas mais importantes para o desenvolvimento econômico e militar do futuro
  • A produção ensaística de Ailton Krenakcultura gotas transp 11/07/2024 Por FILIPE DE FREITAS GONÇALVES: Ao radicalizar sua crítica ao capitalismo, Krenak esquece de que o que está levando o mundo a seu fim é o sistema econômico e social em que vivemos e não nossa separação da natureza
  • A radicalidade da vida estéticacultura 04 20/07/2024 Por AMANDA DE ALMEIDA ROMÃO: O sentido da vida para Contardo Calligaris
  • A questão agrária no Brasil — segundo Octávio IanniJose-Raimundo-Trindade2 19/07/2024 Por JOSÉ RAIMUNDO TRINDADE: As contribuições de Ianni podem auxiliar a reformular o debate agrário brasileiro, sendo que as obras do autor nos apontam os eixos para se repensar a estrutura fundiária brasileira

PESQUISAR

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES