Por MÁRIO COUTINHO*
O discurso racional não tem funcionado bem na política, daí o sucesso da loucura de Marçal
Já faz dois meses que estou obcecado pelo Pablo Marçal, assisti todas as suas entrevistas, vi todos os vídeos publicados em seu Instagram até a plataforma ser derrubada, escutei todos os podcasts de análise; só não ousei ler seus 62 livros – meu hiperfoco tem limites.
Meus amigos insistem em dizer que ele é só um Bolsonaro 2.0, e eu teimo em dizer que não. Digo que Pablo Marçal é algo novo, um fenômeno em ascensão, e nós, que ainda não sabemos muito bem lidar com Jair Bolsonaro, temos que enfrentar esse enigma caleidoscópico.
Se de um lado o playbook é o mesmo de Silvio Berlusconi e Donald Trump, toda aquela baboseira de teologia da prosperidade, o populismo barato e a simplificação do slogan, de outro sua atuação é muito mais complexa do que aparenta ser. Diferente de Donald Trump, que começou com um mísero milhão de dólares emprestados do pai, Pablo Marçal realmente veio de uma família de classe média baixa, com pai funcionário público e mãe faxineira, apresenta a carteira de trabalho como prova irrefutável de seu trabalho e dignidade (especialmente quando acusado de integrar uma quadrilha que roubava aposentados).
Sim, ele cresceu na vida, mas não se esquece das origens humildes. No programa Roda Viva da TV Cultura cantou duas músicas do Racionais MCs. Mudando seu mindset, se tornou empresário de sucesso, orador, atleta de Ultraman (ele mesmo publicou um desenho em seu Instagram no qual ele era o Superman), na vida pessoal é de Jesus e pai de família. A mudança de mindset não só faz com que ele tivesse sucesso econômico, faz com que ele tenha sucesso em tudo na vida.
Se fosse cantor, seria maior que Frank Sinatra; fosse ator, seria maior que Marcelo Mastroianni; como escritor já superou Machado de Assis. É o perfect outsider porque é o perfect insider. Ele é você. E você também pode ser como ele, basta mudar a sua mentalidade. Ele está disposto a fazer tudo isso de graça; na verdade vai até perder dinheiro, mas sentiu em seu coração que precisava nos abençoar.
João Dória precisava se fantasiar de gari, marronzinho, pedreiro; Pablo Marçal não: ele foi e é tudo isso. Primeiro, leitor, tive certeza de que era uma estratégia de marketing; depois me convenci de que ele de fato acreditava em tudo isso, fui tomado pela dúvida e resolvi fazer um pequeno experimento: reassisti a entrevista no Roda Viva de mente aberta, visualizando São Paulo nas mãos de Pablo Marçal.
Insuflei-me de esperança e paz com a visão do maior arranha-céu do mundo na zona sul, com os teleféricos trazendo os milhões de trabalhadores que não moram em São Paulo, enquanto seus carros estacionados nos bolsões deixam o ar da cidade mais limpo, o céu já não é mais cinza, esta é a Dubai dos trópicos. Ele seria um prefeito técnico, esse Pablo hidrofóbico é apenas uma estratégia, afinal de contas ele está sozinho, contra o sistema e tudo que está aí.
A imagem dos parques limpos e bem cuidados me comoveu especialmente, vi famílias passeando com seus cachorros enquanto as crianças corriam e abraçavam tigres, como nos panfletos das Testemunhas de Jeová.
Quando soltei o ar senti uma onda de vergonha – senti simpatia pela Vera Magalhães, que parecia prestes a ter um colapso mental –, eu que me orgulho de ser cético e racional fui tomado por uma visão mística, que finalmente me fez entender o verdadeiro apelo do Pablo Marçal. Não é por ter sido periferia, da classe média e hoje bilionário. Não é gostar de rap e ser crente. Não é sua multiplicidade e talento político para se conectar com todos os eleitorados: é sua loucura.
O discurso é que o racional não tem funcionado muito bem, então apostemos no irracional, embarquemos juntos nesta grande aventura. E pode até funcionar, rezo de joelhos para que funcione, porque um chimpanzé com uma AK-47 me deixa apavorado.
*Mário Coutinho é mestrando em arqueologia no MAE-USP.
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