Praias indo pro beleléu

Imagem: Ron Lach
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por HERALDO CAMPOS*

O mar e as praias sofrem cada vez mais com toda sorte de abuso ambiental

“Curva de rio sujo só junta tranqueira” (provérbio popular).

É verdade o que diz esse provérbio, principalmente se estivermos falando de tranqueira produzida pelos seres humanos como garrafas pet, sacos plásticos, pneus, latas, embalagens tetra brik, pedaços de madeira, entre outras coisas, que vão sendo lançadas nos corpos d’água e acabam parando numa curva de rio. Além da conhecida contaminação das águas superficiais que esse tipo de “entulho” provoca, o seu acúmulo colabora com o aumento das enchentes em vários trechos das zonas rurais e urbanas.[1]

Mas, não nos esqueçamos, que os rios interiores não estão sozinhos nesse triste cenário. O mar e as praias também sofrem muito com esse tipo de “abuso”. Há pouco mais de duas décadas, os indicativos desse “abuso” vinham sendo alertados.

Por exemplo, o Guia de Praias Quatro Rodas, de 1998, informava ao leitor que as praias do Perequê Açu e da Barra Seca, localizadas em Ubatuba, “Ficam numa enseada de água mansa, rasa, com terminal turístico (para ônibus de excursões). Na temporada aumenta a poluição na desembocadura do Rio Indaiá. Barra Seca é um trecho selvagem depois do Rio Indaiá.”, em trecho citado no artigo “Praia largada”.[2]

Porém, mais de 20 anos depois, um pouco antes do inicio da pandemia do coronavírus em território brasileiro, “(…) na temporada do verão de 2020, durante os meses de janeiro e fevereiro, foram observados nessa faixa de areia: vários tipos de resíduos plásticos distribuídos de forma difusa; peixes mortos junto a restos de algas; depósitos de lixos a céu aberto próximo de quiosques; espuma de origem desconhecida acumulada na saída de galeria de águas pluviais; presença de cães na praia (com seus respectivos proprietários); espalhamento de objetos de oferenda religiosa, além da presença de frequentadores, utilizando bombas de sucção para a retirada do crustáceo corrupto (crustáceo cavador Callichirus major), geralmente utilizado como isca para peixes nas pescarias”.[3]

O quadro não é muito diferente nos dias de hoje. Observa-se com certa frequência, restos de folhas e de galhos de árvores associado aolixo urbano variado, composto de pneus, calotas de automóveis, garrafas pet, latas de cerveja, sacos plásticos, entre outros materiais, que podem ter sido muito bem lançados diretamente na praia pelas pessoas ou nas suas proximidades, ou jogados no Rio Grande, por exemplo, localizado na parte central da cidade de Ubatuba, e terminando com a “devolução” pelo próprio mar, para formar um cordão de resíduos, no decorrer das suas variações de níveis de marés.

Com as chuvas intensas de verão, o volume desse tipo de material tende a aumentar provocando o entulhamento das calhas dos rios sejam eles de pequeno porte ou de grande porte, aumentando, sensivelmente, o risco para as inundações e os alagamentos urbanos. Vários bairros de municípios do litoral norte do estado de São Paulo sofrem com esse tipo de transtorno há décadas. A impermeabilização do solo pelo asfalto viário, o avanço de condomínios residenciais em áreas da orla marítima que não deveriam ser ocupadas, a ausência de sistema de drenagem urbana compatível com o volume de água de chuvas excepcionais, são alguns dos fatores que colaboram com esse tipo de situação, fazendo com que muitas praias acabem indo para o beleléu.

A pergunta que fica é: será que estamos num ponto sem volta e o conformismo nos leva a ter que conviver com esse tipo problema recorrente, consolidando um triste retrato 3×4 de várias cidades litorâneas brasileiras?

*Heraldo Campos, geólogo, é pós-doutorado pelo Departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia de São Carlos-USP.

Notas


[1] “Tranqueira” artigo de 17/02/2021. http://cacamedeirosfilho.blogspot.com/2021/02/tranqueira.html?view=magazine

[2] “Praia largada” de 18/12/2022. http://cacamedeirosfilho.blogspot.com/2022/12/praia-largada.html?view=magazine

[3] “Praia sem coronavírus!” de 14/04/2020. http://cacamedeirosfilho.blogspot.com/2020/04/a-praia-semcoronavirus-cronica-de.html?view=magazine


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • Um estudo do caso Ailton Krenak1974__Identidade ignorada 21/07/2024 Por MARIA SILVIA CINTRA MARTINS: Prefiro sonhar com Krenak o parentesco com a natureza e com as pedras do que embarcar na naturalização do genocídio
  • Clarice Lispector no cinemacultura a paixão segundo g.h. 22/07/2024 Por LUCIANA MOLINA: Comentário sobre três adaptações cinematográficas da obra de Clarice Lispector
  • O princípio de autodestruiçãoLeonardo Boff 25/07/2024 Por LEONARDO BOFF: Qual ciência é boa para a transformação mundial?
  • Filosofia da práxis como poiésiscultura lenora de barros 24/07/2024 Por GENILDO FERREIRA DA SILVA & JOSÉ CRISÓSTOMO DE SOUZA: Fazer filosofia é, para o Poética, fazer filosofia contemporânea, crítica e temática
  • Que horas são no relógio de guerra da OTAN?José Luís Fiori 17/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: Os ponteiros do “relógio da guerra mundial” estão se movendo de forma cada vez mais acelerada
  • Apagão digitalSergio Amadeu da Silveira 22/07/2024 Por SÉRGIO AMADEU DA SILVEIRA: A catástrofe algorítmica e a nuvem do “apagão”
  • A disputa de Taiwan e a inovação tecnológica na ChinaChina Flag 20/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: A China já é hoje a líder mundial em 37 das 44 tecnologias consideradas mais importantes para o desenvolvimento econômico e militar do futuro
  • A produção ensaística de Ailton Krenakcultura gotas transp 11/07/2024 Por FILIPE DE FREITAS GONÇALVES: Ao radicalizar sua crítica ao capitalismo, Krenak esquece de que o que está levando o mundo a seu fim é o sistema econômico e social em que vivemos e não nossa separação da natureza
  • A radicalidade da vida estéticacultura 04 20/07/2024 Por AMANDA DE ALMEIDA ROMÃO: O sentido da vida para Contardo Calligaris
  • A questão agrária no Brasil — segundo Octávio IanniJose-Raimundo-Trindade2 19/07/2024 Por JOSÉ RAIMUNDO TRINDADE: As contribuições de Ianni podem auxiliar a reformular o debate agrário brasileiro, sendo que as obras do autor nos apontam os eixos para se repensar a estrutura fundiária brasileira

PESQUISAR

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES