Quatro mitos sobre Marx

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Por FELIPE TAUFER*

Uma polêmica e uma introdução de leitura às avessas

Introdução

Marx não era o dono da verdade. Talvez esse não seja um enunciado caro às interpretações próprias da tradição “ortodoxista” do marxismo clássico (e todas suas derradeiras ramificações), mesmo que muitas vezes suas disputas teóricas internas pretendam tensionar epistemologicamente os limites do assim chamado método do “materialismo histórico”. Por isso, quero aqui apresentar um Marx que possa ser criticado. Muitas vezes pode parecer, ao contrário, que quem tenta separar Marx do “marxismo” está buscando uma posição dogmática. Busco demonstrar aqui, em uma outra inversão, que quem necessariamente vincula Marx ao “marxismo”, muitas vezes sem o saber, não consegue encontrar outra saída a não ser compreendê-lo dogmaticamente e afastá-lo de toda possibilidade de crítica. Seu saldo resultante não são mais do que espantalhos. Por essa razão, reconstruir muitas das características de seu pensamento (diga-se de passagem: jamais unificado e, muito menos, unificante) seria tarefa útil mesmo para seus adversários. Ou seja, fazer com que sua crítica realmente tenha um alvo.

Apesar disso, meu o objetivo aqui é bem outro. Trata-se de mencionar mais ou menos em forma de tópicos alguns mitos naturalizados de leitura e colocá-los às avessas de suas próprias teses de leituras difundidas. Tudo se passando como se estivéssemos escavando em múltiplas direções biográficas, editorais e textuais, quase sempre de segunda mão, para tornar Marx um alvo de leitura. Para isso, tento apresentar quatro “aforismas” de desmistificação. Em dois deles, ao enfrentar teses de Axel Honneth e José Arthur Giannotti, caminhei por conta própria. Nos outros recorri à José Chasine Christopher Arthur. Espero que, ao final do quarto mito, o leitor e a leitora encontrem uma “introdução às avessas” para começar a ler Marx. Muito embora possa parecer uma discussão estéril, a motivação é simples: há um novo e crescente interesse por Marx na esfera pública e cultural do país. Haja vista o recente “debate” (realmente entre aspas, o que deixa ainda mais evidente a motivação do texto) no El País sobre os exageros ou não exageros da política soviética.  Por isso, além do que será apresentado aqui, longe das fugas hermenêuticas que regem as introduções ortodoxas, a melhor leitura de Marx é aquela às avessas: comece pela crítica da economia política. Quem sabe o resultado será descobrir um Marx muito atual. Ou mesmo se perguntar: será que estava certo em tudo que escreveu?

I – O pensamento de Marx não é uma colcha de retalhos

O primeiro mito que aqui considero pode ser chamado de “o mito das três fontes originárias”. De acordo com essa perspectiva, bastante difundida por textos de Vladimir Lenin e Karl Kautsky, o pensamento de Marx não passaria de uma “colcha de retalhos” feita com pedaços de economia política inglesa, alguns tecidos importados de idealismo alemão e costurada com linhas e agulhas de política revolucionária francesa. Gostaria por começar a explorar uma exposição de Karl Kautsky. No 25º aniversário da morte de Marx, em 1907, Kautsky lecionou uma conferência sob o título de “As Três Fontes do Marxismo”. Em 1908, essa mesma conferência foi transformada em texto e publicada. Já em 1933 houve uma nova edição revisada pelo próprio Kautsky. Esta última versão é a que aqui tenho em vista. A tese central dessa conferência é a de que na obra de Marx e Engels “[…] encontramos[…] a síntese das ciências naturais e das ciências do espírito, a síntese do pensamento inglês, francês e alemão, a do movimento operário e do socialismo e, por fim, a da teoria e da prática” (KAUTSKY, 1933, p. 3).

De acordo com Kautsky, essa unidade somente seria possível porque tanto Marx quanto Engels teriam colhido retalhos de várias ciências para desenvolver sua “concepção materialista da história”. Não é outro o conteúdo dessa sua nota pseudobiográfica: “o processo intelectual de Marx progrediu formidavelmente porque dominou a forma de pensamento alemã e a completou com o pensamento francês. De outra parte, Engels tinha mais familiaridade com o pensamento inglês […] nada mais errado do que considerar o marxismo algo puramente alemão. Desde seu começo foi internacional”. (KAUTSKY, 1933, p. 9).Ou seja, se olhássemos para o contexto de surgimento da obra desses dois autores, facilmente notaríamos que aquilo que se entende por “marxismo” não é uma construção teórica nacional. Aquela série de “sínteses” entre diversos tipos de “pensamentos” anunciadas na tese do texto só poderia ser entendida quando se buscasse as fontes originárias e contextuais dessa “colcha de retalhos”. E, nesse caso, as três fontes estavam em três países distintos.[i]O nó da explicação desse vértice formado por uma multiplicidade de sínteses, de um lado, e a internacionalidade biográfico-científica de outro serviria, nessa esteira, como uma introdução à leitura de Marx. A partir daqui tais “argumentos” são muito bem conhecidos, mas vale a pena lembrá-los.

Kautsky, na condição de historiador de sobrevoo do século XIX, observou astutamente que o capitalismo era mais bem desenvolvido na Inglaterra, concluiu daí que, em função disso, seria o laboratório perfeito para Marx estudar a sociedade civil moderna. Todavia, “a Inglaterra não oferecia nada mais para este fim do que o material de investigação, não oferecia o método” (KAUTSKY, 1933, p. 10). A situação economicamente atrasada da França, evidenciada pela falta de desenvolvimento industrial, não havia impedido a formação de uma população mais politicamente consciente que a inglesa. Afinal, mesmo antes da Revolução de 1789 os parisienses se distinguiam dos demais povos por arrancar concessões do poder institucionalizado mediante pressões e revoltas. “Se na Inglaterra as causas econômicas e antagonistas das lutas de classes eram apenas verificáveis, na França revolucionária, por outro lado, podia-se ver claramente que toda luta de classes é uma luta pelo poder político” (KAUTSKY, 1933, p. 11). A Alemanha, por sua vez, apesar de economicamente atrasada e politicamente conservadora, era o lar do mais revolucionário método de pensamento: a dialética. Por conseguinte, “o ideal alemão era muito mais sublime que o francês ou o inglês” (KAUTSKY, 1933, p. 12). Como se vê, uma rigorosa história internacional do pensamento europeu do século XIX.

A sequência do texto de Kautsky mostra como o “marxismo” seria sempre uma síntese de elementos distintos e unilaterais em cada esfera de sua elaboração. Política, economia, filosofia etc. Paradoxalmente, o ponto central dessa multiplicidade de sínteses fundida em um contexto internacionalista, para Kautsky, era o de que não haveria originalidade instauradora no pensamento de Marx e Engels. Estes homens não teriam feito mais do que tirar a economia política de sua unilateralidade inglesa para combiná-la com a política francesa e, após isso, acabariam por superar ambas as unilateralidades com a ajuda do método filosófico alemão. Uma tríade costurada “dialeticamente”! Terra firme para o famoso disparate: o motivo de alguém não entender tal miscelânea é o do “ponto de vista burguês”… Mas, voltando ao que importa, caberia assim ao marxismo unir investigação do capitalismo e economia política inglesas, socialismo político e materialismo franceses e método de filosofar alemão com o objetivo de instaurar uma cosmovisão revolucionária. Cosmovisão distinta, é claro, do “ponto de vista burguês”.

Por ocasião do 30º aniversário da morte de Marx, Lenin (1977 [1913], p. 23) encontrou uma oportunidade para concordar com Kautsky: “o gênio de Marx consiste precisamente em ele ter fornecido respostas a questões que já haviam emergido pelas principais mentes da humanidade. Sua doutrina surgiu como uma continuação direta e imediata das lições dos grandes representantes da filosofia, da economia política e do socialismo […] a doutrina marxista é onipotente porque é verdadeira”.

Além disso, para Lenin, “ela é a legítima sucessora daquilo que os grandes homens produziram no século XIX, produção representada pela filosofia alemã, economia política inglesa e socialismo francês” (LENIN, 1977 [1913], p. 24).

Como se vê, Marx forneceu respostas às “questões que já haviam emergido pelas principais mentes da humanidade”. Não haveria questão instauradora de uma obra, por exemplo, como O Capital. De acordo com Lenin, para estabelecer sua “doutrina” do mais-valor, Marx não teria mais do que aceito os axiomas centrais do suposto materialismo francês, com a mera ressalva de desenvolvê-lo à luz da dialética alemã. Curioso notar, então, que os processos de fetichismo da mercadoria e de determinação social específica do dinheiro e do valor, condições de possibilidade para Marx lançar mão da tese do mais-valor absoluto, já eram, para Lenin, questões colocadas pelas “principais mentes da humanidade”. No primeiro capítulo de O Capital, ao esclarecer que o principal objetivo de seu capítulo é desenvolver a “forma-dinheiro” a partir da “forma-mercadoria”, Marx afirma: “cabe, aqui, realizar o que jamais foi tentado pela economia burguesa” (MARX, 2017 [1890], p. 125). Mas, para Lenin, em oposição patente ao texto de Marx, as grandes mentes dos economistas políticos ingleses apenas não conseguiam elaborar a “doutrina do mais-valor” e, portanto, responder com uma doutrina onipotente e verdadeira tais questões somente porque permaneciam sem aceitar a internacionalidade dialética e materialista das teses francesas e alemãs. Por essa razão, “somente a teoria econômica de Marx explicou a verdadeira posição do proletariado no sistema geral do capitalismo” (LENIN, 1977 [1913], p. 28).

O que aqui interessa assinalar é que os argumentos de Lenin repetem de uma maneira, algo nova, a tese das três fontes elaboradas por Kautsky. Ou, para usar os termos de José Chasin, uma nova formulação da teoria do “amálgama originário”. Porém, teria mesmo Marx usado este “amálgama originário” como ponto de partida? Não é difícil dizer que as “três fontes” do marxismo, reivindicadas tanto por Lenin quanto por Kautsky, fizeram carreira na história teórica do marxismo. Muitos manuais introduziram Marx assim. Também não é difícil notar como ela bloqueia o acesso da leitura direta aos textos de Marx, uma vez que chama atenção do leitor para externalidades pseudobiográficas e para uma suposta concatenação de sínteses (sic) sem referência ao texto de Marx. Contudo, por mais evanescente que seja essa concepção para a qual o “ponto de partida” de Marx seria o de recolher pedaços desse “amálgama originário” e, depois, tirá-los de sua unilateralidade, ela toca numa questão fundamental: a questão da gênese do pensamento de Marx. Gostaria de colocar a questão da seguinte maneira: Qual a diferença específica da posição de Marx na história intelectual? Na sequência, retoricamente, perguntaria: seria ela uma mera “colcha de retalhos”?

Nessa ocasião, não quero apenas de mencionar que estas afirmações de Kautsky e Lenin carecem de evidência textual, mas sim mostrar como elas trazem sérias implicações práticas para compreender o que há de peculiar em Marx. Concordo aqui com José Chasin quando afirma que uma posição como essa inevitavelmente fornece, de fundo, uma resposta à questão da gênese da posição teórica de Marx. Sua resposta, é claro, é a de que essa posição “não passaria da habilidade para aglutinar ideias e procedimentos preexistentes” (CHASIN, 2009, p. 34). Disso se seguindo que o ônus assumido por tais posições é o de que elas pressupõem que, para reunir as “unilateralidades”, Marx teria herdado de Hegel um método universal de investigação aplicado instrumentalmente aos seus próprios fins. A despeito de que, para esses autores, Marx tivesse adaptado esse método universal aos materiais ingleses de investigação, toda a atividade intelectual de Marx não passaria da aplicação da “dialética hegeliana” à “economia política”. Tudo isso com o objetivo de extrair uma fundamentação universal para o “socialismo científico”.

Por fim, vale mencionar que desmistificar a tese do “amálgama originário” não é “mera erudição”. Como diz José Chasin, esse processo de desmistificação tem o poder de nos colocar diante dos textos de Marx sem pressuposições a respeito da gênese de sua posição teórica, porque dentro da história do pensamento ocidental “a nova posição formulada por Marx não é uma pura instauração endógena. Sua gênese, por isso, não é apenas uma questão para a história intelectual ou de mera erudição, mas problema condicionante do acesso ao entendimento efetivo de sua natureza teórica, bem como da qualidade do complexo categorial que integra sua fisionomia” (CHASIN, 2009, p. 29).

Por essa razão, essa desmistificação pode colocar o leitor de Marx, diante de seus textos, sem pressuposições genéricas acerca da natureza teórica de seu pensamento e sobre o conteúdo referencial do complexo categorial (conceitos) empregado por Marx.

II – Marx não era economicista

Um outro mito que vale a pena chamar atenção é o da tese muito difundida de acordo com a qual Marx teria sido um “economicista”. Alguém como Axel Honneth apresenta a “melhor versão dessa tese” ao afirmar que a teoria de Marx teria reduzido as possibilidades de emancipação ao espectro do trabalho.[ii]Em Luta por Reconhecimento, Honneth defende que o “jovem Marx” teria reduzido sua teoria da emancipação economicamente e, por isso, não teria sido capaz de considerar as demandas morais das lutas sociais (HONNETH, 2009, p. 228).[iii]Para Honneth, a principal razão teórica de porquê Marx ter sido incapaz de formular outros modelos alternativos de emancipação aos efeitos da alienação na sociabilidade capitalista é a de que Marx compreende o trabalho enquanto vínculo antropológico geral da sociedade. Isso porque, nos Manuscritos de 1844, Marx teria concebido a formação do vínculo social geral “somente na versão estreita que havia assumido na dialética do senhor e do servo; com isso […] sucumbiu já no começo de sua obra à tendência problemática de reduzir o espectro das exigências de reconhecimento ao trabalho” (2009, p. 230). O fato de que nesses manuscritos Marx nunca se refere à dialética do senhor e do servo hegeliana e, mais do que isso, não faz uso teórico algum dessa passagem do texto de Hegel já foi demonstrado em 1983 por Christopher Arthur em um artigo na New Left Review. No entanto, gostaria de analisar as implicações gerais da tese de Honneth segundo a qual Marx teria “reduzido o espectro das exigências de reconhecimento ao trabalho”. Talvez Honneth tenha como alvo a seguinte formulação do “jovem Marx”: “Da relação do trabalho estranhado com a propriedade privada depreende-se […] que a emancipação da sociedade da propriedade privada etc., da servidão, se manifesta na forma política da emancipação dos trabalhadores, não como se dissesse respeito somente à emancipação deles, mas porque na sua emancipação está encerrada a [emancipação] humana universal. Mas […] está aí encerrada porque a opressão humana inteira está envolvida na relação do trabalhador com a produção, e todas as relações de servidão são apenas modificações e consequências dessa relação (MARX, 2004, p. 88-89)”.

Vez que a “opressão humana inteira está envolvida na relação do trabalhador com a produção”, o jovem Marx só poderia sugerir que toda opressão humana particular (digamos de raça, de gênero etc.) seria mais ou menos uma modificação das relações de trabalho alienado. Isso porque na base de sua antropologia filosófica encontraríamos o trabalho como essência. Um “conceito de trabalho”, de acordo com Honneth (2009, p. 230), “tão fortemente carregado em termos normativos que Marx pôde construir o ato de produzir como um processo de reconhecimento intersubjetivo”. Fosse esse o caso, não seria difícil, então, perceber o “economicismo” da perspectiva política de Marx. Até porque, de acordo com essa perspectiva, outras lutas e demandas sociais seriam secundárias e não “momentos predominantes” de um complexo normativo de fundamentação da prática política. Será mesmo que é este o caso?

É digno de nota que essa crítica de Honneth tem como alvo a “Teoria da Emancipação” que, supostamente, se seguiria necessariamente de um “diagnóstico de época” proposto na “Teoria da Alienação” do “jovem Marx”. Como se sabe, o capítulo sobre o trabalho alienado, planejado como um dos textos centrais dos Manuscritos de 1844 (é preciso lembrar outra vez: incompletos e não publicados), analisa o fenômeno da objetificação do trabalho a partir de quatro pontos: (a) estranhamento em relação aos produtos do trabalho; (b) estranhamento em relação ao ato de trabalho; (c) estranhamento em relação ao gênero e (d) em relação aos outros seres humanos. Gostaria de sublinhar aspectos decisivos apenas do estranhamento em relação aos produtos do trabalho. Na economia discursiva da “Teoria da Alienação” trata-se do primeiro ponto analisado pelo “jovem Marx”.

Nesse ponto, Marx quer explicar um fato presente (presente histórico, isto é, com referência geral às dinâmicas de produção capitalista e não somente de um país) empiricamente verificável: “o trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz” (MARX, 2004, p. 80). Esse fato paradoxal será conceituado por meio daqueles quatro processos de estranhamento. Cada um deles consiste em uma “determinação” do fenômeno a ser explicado por Marx. Antes de analisar o ponto mencionado no parágrafo anterior não é desnecessário mencionar que o principal ganho conceitual (de autoesclarecimento), para Marx, neste capítulo é o seguinte: a propriedade privada não é um fato natural, trata-se antes do saldo geral de um comportamento social determinado e historicamente específico de um modo singular de produzir a vida em comum. Isso não significa que não exista propriedade privada em outas sociedades históricas, mas sim que ela só exerce um papel fundamental na apropriação generalizada dos produtos do trabalho no modo de sociabilidade capitalista. Daí que, em Marx, o conceito de propriedade privada deve ser derivado internamente das estruturas lógicas de funcionamento de uma dada realidade social (a sociabilidade capitalista). Portanto, não se trata de um pressuposto geral, se preferirmos, um universal, para analisar a economia de qualquer sociedade histórica. O ponto de polêmica se deve ao fato de que, para Marx, tal “pressuposição universal” era feita pela economia política em geral.

Voltando ao que importa, aquela primeira tese de Marx explica que na “produção de riqueza”, dentro dos marcos da sociabilidade capitalista, o trabalhador necessita objetivar seu trabalho e, ao fazer isso, necessita da natureza como meio de vida. Marx observa que o ser humano, no capitalismo, encontra-se diante da natureza antes de mais nada enquanto trabalhador e que este é um modo específico de se encontrar diante da natureza. É duplo o sentido em que a natureza é meio de vida para o trabalhador: (i) meio de atender suas necessidades físicas; e (ii) fornece meios para o trabalho. Nessa relação, (i) quanto mais trabalho se objetiva, tanto mais o trabalho se torna o meio do próprio trabalho; e (ii) quanto mais trabalha, tanto mais o trabalhador vê o trabalho objetificar-se como meio de vida (MARX, 2004, p. 81). Por conseguinte, “o auge desta servidão é que somente como trabalhador se pode se manter como sujeito físico” (MARX, 2004, p. 82). Na base destes fatos Marx explica uma relação social invisível às proposições empíricas ordinárias que analisam aquele fato paradoxal; relação essa que é fundamento antropológico da atitude do trabalhador (e isso somente na sociedade moderna, a saber, um fato presente). Para colocar de modo breve e direto: é assim que o trabalho se objetiva em sociedades capitalistas. O problema todo é que quando o trabalho vira elemento antropológico central da vida humana, outras possibilidades de relação entre “ser humano” e “natureza” são bloqueadas. Afinal, o trabalho é realmente tornado fundamento antropológico de uma prática social determinada. Por isso, quando o leitor está diante desses manuscritos, não encontra uma teoria geral antropológica sobre os traços fundamentais da sociabilidade do “homem” em geral. É dizer, uma vida baseada normativamente no trabalho e que procura nele a autorrealização é, para Marx, aquela em que quanto mais produzimos, menos temos. Ou seja, contrariamente às objeções de Honneth, para o próprio Marx, o trabalho não é fonte de autorrealização. Aliás, Marx está justamente dizendo que o trabalho enquanto meio de vida produz efeitos danosos à vida sensível dos indivíduos socialmente organizados. Mas parece que nem todo mundo prestou atenção.

Quero agora encarar aquela afirmação do jovem Marx de que “todas as relações de servidão são apenas modificações e consequências” (MARX, 2004, p. 87) do estranhamento do trabalho. Na ordem da exposição de sua “Teoria da Alienação”, a conclusão a qual Marx chega é a de que o trabalho tornado meio objetificado de vida na sociabilidade capitalista gera as seguintes consequências: (i) o trabalho só é passível de posse porque tem existência externa, objetiva, uma espécie sui generis de “objetividade social”; (ii) a propriedade privada é assim conceitualmente derivada dessa objetivação do trabalho, pois tal objetivação é condição de possibilidade da apropriação privada. Grosso modo: não me aproprio de existências subjetivas, mas de existências objetivas. Isso não apenas explica o desapossamento dos trabalhadores e o enriquecimento constante dos capitalistas, caros à observação empírica daquele fato paradoxal, mas também mostra, como diz Marx, que sua crítica juvenil à economia política não pode ser “do ponto de vista do trabalho” contra a “propriedade privada”: “A economia nacional parte do trabalho como sendo propriamente a alma da produção, e, apesar disso, nada concede ao trabalho e tudo à propriedade privada. Proudhon, a partir desta contradição, concluiu em favor do trabalho e contra a propriedade privada. Nós reconhecemos, porém, que esta aparente contradição é a contradição do trabalho estranhado consigo mesmo” (MARX, 2003, p. 88).

Por essa razão, Marx sugere que é preciso se emancipar do trabalho enquanto meio de vida e não “concluir em favor do trabalho”. Caso fosse a “favor do trabalho”, Marx pleitearia, junto de Proudhon, digamos, igualdade salarial. Mas a igualdade salarial pressupõe a existência da apropriação privada que, por sua vez, pressupõe o trabalho tornado objeto de apropriação. Ou seja, Honneth está certo ao dizer que a crítica de Marx não é uma crítica moral à desigualdade do capitalismo. Porém, não pelo fato de Marx reduzir teoricamente os espectros das exigências de reconhecimento ao “trabalho”. Ao contrário, ela não é uma crítica moral do capitalismo porque é uma crítica trabalho enquanto meio de vida. Ou, como um autor contemporâneo como Moishe Postone gostava de repetir, uma crítica do que acontece com trabalho no capitalismo. Com isso Marx não está dizendo que todas as opressões humanas sumirão com o fim do capitalismo. Está dizendo que para superar o sofrimento sensível da miséria presente é preciso se emancipar do trabalho enquanto meio de vida. Tudo o que se pode concluir daqui, em relação à uma situação posterior de emancipação do estágio alienado, é que tais opressões supostamente não dependeriam mais de seu caráter “econômico”.

Para terminar, um pouco me distanciando da desabilitação daquela crítica de Honneth, quero mencionar brevemente uma curiosidade sobre as análises de Marx acerca Guerra Civil Americana. Em 11 de Janeiro de 1861, ele escreveu em carta para Engels comemorando a eleição do presidente Abraham Lincoln: “Na minha visão, a coisa mais importante que está acontecendo hoje no mundo é o movimento dos escravos – por um lado, nos Estados Unidos da América, aqueles iniciados após a morte de John Brown e, de outra parte, na Rússia […]” (MARX, 1985 [1861] p. 4).

Muito embora Marx considerasse a escravidão uma “categoria econômica” cuja determinação conceitual era tal que não necessariamente conectada à cor da pele ou à etnia, estava bem ciente do problema concreto estadunidense onde o discurso e as atitudes dos dominantes escravizavam de fato por causa da cor da pele. Em um texto para o Die Presse, ele diz o seguinte: “Nos estados nortistas, onde a escravidão negra é, de modo geral, impraticável, a classe trabalhadora branca seria rebaixada à condição de hilotas. [Dizer] isso corresponderia por completo ao princípio proclamado em alto e bom som de que apenas certas raças são aptas à liberdade [….]” (MARX, 2020, p. 64).

Ou seja, o discurso economicista segundo o qual os brancos trabalhadores são tão escravos quanto escravos negros é um discurso que, para Marx, desconsidera a situação do negro e, portanto, racista por excelência. Só porque nos estados nortistas, diferentemente, dos sulistas a escravidão negra estava sendo aos poucos abolida, isso não significava, para Marx, que havia uma situação de igualdade. Isto é, não existe uma igualdade das opressões por conta de seu fator econômico. Ao contrário, considerar que a cor da pele não cumpriu nenhum papel na dominação dos brancos sobre os negros seria uma atitude visivelmente racista. Ou, no mínimo, de tentar tornar invisível o racismo existente. Marx, a todo custo, evitava reduzir economicistamente a análise das lutas contra a opressão. Tais considerações revelam também que a “crítica da economia política” não explica a totalidade das relações sociais, mas sim das relações de produção historicamente determinadas que as forças produtivas gerais assumem em uma determinada época histórica. Quando marxistas vulgares de toda sorte acusam movimentos políticos de grupos vulneráveis de “identitarismo” esquecem-se que o próprio Marx já denunciava o verdadeiro identitarismo: o identiarismo economicista e branco.

III – Marx não era marxista

É possível ler Marx sem ter o “marxismo” no horizonte? Sim. A tese mítica, às vezes somente escamoteosamente difundida, segundo a qual certas teses marxistas são teses de Marx é o terceiro mito que escolhi para apresentar objeções. Em um livro de introdução à vida e à obra de Marx, José Arthur Giannotti assinala o seguinte: “Importa lembrar que as ideias de Marx se transformaram em verdadeiras forças sociais, na medida em que os partidos comunistas e suas organizações paralelas foram focos de divulgação do materialismo dialético, cuja propaganda visava objetivos políticos explícitos. Assim como as ideias religiosas cristalizadas na pessoa de Jesus Cristo tiveram na Igreja Católica, fundada pelos apóstolos e universalizada por Paulo, seu braço organizacional, as ideias sociais e políticas de Marx e de Engels, costuradas num manual de materialismo dialético (Diamat), encontraram nos partidos comunistas, pautados pelo apóstolo Lenin, seus instrumentos de divulgação e controle” (GIANNOTTI, 2000, p. 10-11)

Logo depois, arremata: “Este não é então o melhor momento para considerar sua obra no contexto dos marcos mais importantes do pensamento ocidental?” (a saber, o momento da derrocada do “socialismo real”) “[…]Mas esse retorno a Marx ainda conteria um traço religioso se continuasse pretendendo regenerar o pensamento marxiano contra as falsificações da vulgata marxista, reencontrar num corpus sua verdade originária, o verdadeiro e autêntico pensamento de seu autor. Somente quem toma a Bíblia Sagrada como a revelação da palavra divina pode aderir às investidas de Lutero e de Calvino contra as interpretações degeneradas que lhe dera uma Igreja em estado de pecado.” (GIANNOTTI, 2000, p. 13).

Ainda que no curso de sua exposição Giannotti reconheça a necessidade de separar aquilo que é “marxiano” daquilo que é “marxista”, como eixos diferentes de análise, este autor evita responder à pergunta sobre a possibilidade ou impossibilidade de ler Marx sem ter o “marxismo” no horizonte. Porém, essa esquiva da resposta em seu texto Marx: Vida & Obra, serve como fonte de apoio para, em muitas passagens, afirmar que é impossível tirar o “marxismo” do horizonte de leitura. De fato, Giannotti passa, ao longo da economia de discurso de seu texto, a assumir esta leitura. Não é à toa que alerta: “a separação é meramente didática, pois, assim como não se pode distanciar as teses de Aristóteles do aristotelismo, pois este as vai esclarecendo conforme elas mesmas se desdobram e se contorcem, também o pensamento de Marx esfolha seus sentidos, tendo no horizonte as vicissitudes do próprio marxismo” (GIANNOTTI, 2000, p. 13-14).

Para fazer um primeiro ponto e tensionar a formulação de Giannotti, quero notar como ele se esquece de que não preciso acreditar na Bíblia para entender o que a Bíblia realmente diz. E que, ao fazer isso, posso, sem problemas, valorizar o potencial de explicação presente do que a “Bíblia realmente diz”, sem assumir qualquer perspectiva de fé em suas palavras. Tudo isso sem compromissos dogmáticos de antemão. Aliás, dizer que somente quem toma a palavra da Bíblia “como a revelação da palavra divina pode aderir às investidas de Lutero e de Calvino” é, em verdade, análogo a dizer que somente quem toma a palavra, se quisermos, de O Capital “como a revelação da palavra divina pode aderir às investidas de Lenin e de Stalin”. O próprio texto de Giannotti contradiz as suas intenções. Além disso, parece que nos deixa na embaraçosa posição de dizer que nem Lutero e nem Calvino escreveram a Bíblia Sagrada. O que dizer de Lenin e Stalin a respeito de O Capital? Ou mesmo sobre qualquer outro marxista que viria a ocupar esse lugar.

Um outro ponto é o seguinte: Giannotti se compromete com uma tese de leitura algo hermenêutica cuja pressuposição central é a de que as ideias de um autor são necessariamente esclarecidas historicamente “conforme elas mesmas se desdobram e se contorcem”. Mas há alguma garantia disso? De qualquer forma, se já tivermos lido um autor e quisermos criticá-lo, não devemos antes criticá-lo internamente ao invés de expor teses externas e meramente contrapô-las? Ou seja, não devemos criticá-lo de acordo com os seus próprios pressupostos antes de avaliá-lo de acordo com os nossos? Do mesmo modo que tais objeções retóricas podem ser acusadas ad infinitum de que elas também fazem essa pressuposição, a saber, que “isso também é um princípio de leitura”, a boa vontade hermenêutica de Giannotti não é isenta. Pois suponha por um momento que Giannotti esteja certo em todos seus princípios hermenêuticos de leitura: ainda assim, é melhor começar a ler O Capital através de O Capital ou considerando-o através do “marxismo”?

Por fim, uma mera uma curiosidade: entre os anos de 1879 e 1880 Marx glosou um livro escrito por um professor alemão chamado Adolph Wagner. Marx sublinhou reiteradamente passagens desse professor de economia que distorciam o conteúdo de seu livro (O Capital) e lhe visavam imputar uma fundamentação geral sobre a teoria econômica do valor. Entre outras passagens, hoje trata-se de um texto célebre por conta de duas afirmações icônicas de Marx nas quais se diz que: (i) não analisa conceitos, mas formas sociais; (ii) nunca parte do homem em geral, mas de um período social economicamente dado.[iv] A última afirmação é interessante porque o termo “período social” já delimita historicamente o objeto de investigação e a segunda parte, a saber, aquela que diz “economicamente dado” demonstra que Marx está preocupado com as “relações de produção” segundo a qual um conteúdo social historicamente determinado aparece ou, se quisermos, por meio do qual é apresentado aos próprios agentes desse processo. Informação importante de mencionar contra aqueles que enxergam no marxismo um fundamento para uma nova filosofia em geral. Entretanto, aqui gostaria de chamar atenção para um parágrafo deste texto útil para opor à Giannotti porque é possível ler Marx sem o marxismo no horizonte.

Creio que esse parágrafo pode revelar algumas características diferentes da, se quisermos assim chamar, “Teoria da Exploração” de Marx e da “Teoria da Exploração” marxista: “[…] em minha apresentação o ganho de capital não é ‘apenas uma subtração ou ‘roubo’ ao trabalhador’. Apresentado, ao contrário, o capitalista como funcionário da produção capitalista e demonstro, muito minuciosamente, que ele não apenas ‘subtrai’ ou ‘rouba’, mas compele a produção de mais-valor, portanto, o que subtrai primeiro ajuda a criar. Mostro detalhadamente, além disso, que dentro da troca de mercadorias, mesmo se apenas equivalentes fossem trocados, o capitalista – assim que paga ao trabalhador o valor efetivo de sua força de trabalho -, com todo o direito, isto é, o direito correspondente a esse modo de produção, ganharia o mais-valor […]” (MARX, 2020, p. 44).

Pode-se mesmo dizer que uma tese marxista padrão a respeito da produção capitalista, além de bater na tecla reiteradamente a anunciar que o principal problema da contemporaneidade se deve ao interesse lucrativo do capitalista, afirma que que “subtração” ao trabalhador é feita por meio do trabalho excedente não-pago. O direito não passaria de uma forma ideológica que ocultaria essa exploração que ocorreria na “base material” do processo de produção capitalista. Mas as coisas não se reduzem a isso. Com efeito, o que se vê nessa passagem de Marx é que o capitalista também é um “funcionário da produção capitalista”. Processo de produção que se passa através das costas dos sujeitos humano como se fosse um sujeito automático. Tema maior das análises de Marx a respeito do fetichismo da forma-valor, no primeiro capítulo de O Capital, nas quais Marx mostra em mais detalhes o que aqui simplesmente diz sob a frase de que aquilo que o capitalista “subtrai antes ajuda a criar”. Esse ajuda a criar mostra como a exploração não é uma simples subtração de trabalho não pago, mas subtração de uma “substância social” que é criada somente em uma sociedade histórica na qual o capitalista assume um papel fundamenta enquanto “funcionário da produção”. Não é lugar aqui para examinar isso com mais detalhes. Um breve comentário sobre isso é suficiente para afastar o caráter moral de teorias da exploração com base em uma noção de posse originária do trabalhador. Aqui também aquela passagem nos Manuscritos de 1844 onde Marx fala que não “conclui em favor do trabalho” é útil. Esse caráter moral não está em Marx. Talvez não seja tão impossível assim ler Marx sem o marxismo no horizonte.

IV– Não existe “produção simples de mercadorias”

Como se sabe, O Capital de Marx não é uma obra finalizada. Os manuscritos planejados para os volumes II e III restaram incompletos e longe do final da redação. No entanto, Friedrich Engels assumiu para si a nobre tarefa do empreendimento editorial desses volumes. Ele tentou se manter o máximo fiel ao manuscrito original e deixar sem alterações. No entanto, muitas das seções, especialmente do livro III, exigiram reconstruções e às vezes até a redação de Engels de capítulos inteiros. Por exemplo, esse é o caso do capítulo 11 da seção I do livro III. A despeito da nobreza de seu empreendimento e da dedicação incessante à edição da obra de seu amigo Marx, os Prefácio escrito por Engels ao volume três trouxe notáveis implicações de leitura ao texto do primeiro livro de O Capital. Uma dessas implicações de leitura foi denunciada como “mito” por Christopher Arthur. Em um artigo intitulado O mito da “produção simples de mercadorias, Arthur tenta desmistificar o mito que dá título ao texto. A tradução brasileira deste artigo é recente e data de 2020, feita pelo prof. Jadir Antunes. Até o final desse texto será minha tarefa expor o mito e a sua crítica feita por Arthur e tentar mostrar porque é muito importante deixar esse mito de lado para uma primeira leitura de O Capital.

Engels escreveu um Prefácio ao Livro III de O Capital onde deixa claro que muitas vezes tirou “conclusões próprias […] ainda que dentro do espírito marxiano” (ENGELS, 2016, p. 32) a respeito dos manuscritos originais de Marx. Dessa forma, alertou ao seu leitor que muitas das conclusões ali poderiam ser suas. Tanto é assim que, ao apresentar esse mito, não se trata de dizer que Engels deturpou Marx e desprezar o legado teórico desse autor. Longe disso, quero apenas mostrar um “mito” acerca do modo de leitura de O Capital que surgiu a partir de uma expressão empregada por Engels nesse Prefácio para falar a respeito da primeira seção do livro I de O Capital. Sem dúvidas a atividade editorial de Engels ajudou não só o movimento dos trabalhadores, mas a história da publicação das obras de Marx como um todo. Além disso, tal atividade editorial, ainda que limitada para os padrões atuais, estava muito à frente do que era disponível tecnicamente em seu tempo.

Antes disso, penso ser necessária uma breve contextualização para situar o local de gênese do “mito” em questão. Após falar das implicações editorais, tudo nesse Prefácio, Engels passa analisar alguns problemas relativos à compreensão do texto de O Capital. Ele menciona, então, uma tentativa de harmonização, feita por Conrad Schmidt, entre a teoria da formação do preço de mercado com a lei do valor exposta por Marx. O intuito de Engels é apresentar objeções a este economista. Vale dizer que, nesse sentido, Engels pensa estar defendendo Marx, pois tentativa de Schmidt era a de realizar uma objeção ao modo de exposição dessa lei no texto de Marx. Logo após isso, Engels cita uma objeção de Peter Fireman que também se dirige ao modo de exposição de Marx em O Capital. Engels diz que essas objeções têm por objetivo mostrar o “equívoco de Marx querer criar definições no momento mesmo em que argumenta e de que, em geral, seria necessário procurar em Marx definições fixas e prontas, válidas de uma vez por todas” (ENGELS, 2016, p. 39).

Note-se que esse problema já toca, por si só, em um problema fundamental na marxologia contemporânea: o método de exposição de Marx. Infelizmente aqui não será o lugar de tocar nessa querela. Porém, gostaria de começar apresentar esse mito assinalando a objeção de Engels a Peter Fireman nesse contexto: “É evidente que, quando as coisas e suas relações recíprocas não são concebidas como fixas, mas como mutáveis, também seus reflexos mentais, os conceitos, estão igualmente submetidos à modificação e renovação; que estes não se encontram enclausurados em definições rígidas, mas desenvolvidos em seu processo de formação histórico ou, a depender do caso, lógico.” (ENGELS, 2016, p. 39).

Até aqui Engels defende brilhantemente a necessária fluidez que é cara ao “estilo dialético” do método de exposição de Marx. No entanto, ele procede: “[…] de acordo com isso,[v]portanto, ficará claro por que Marx, no começo do Livro I – onde toma como ponto de partida a produção simples de mercadorias como seu pressuposto histórico para, então, avançar desde essa base até o capital -, parte precisamente da mercadoria simples, e não de uma forma conceitual e historicamente secundária, da mercadoria já modificada de maneira capitalista, o que, como é óbvio, Fireman não consegue compreender” (ENGELS, 2016, p. 39).

Gostaria de parar aqui para fazer alguns apontamentos. Como bem notou Christopher Arthur, através de estudos baseados nas novas edições da MEGA2 e com seu excelente trabalho filológico, o termo “produção simples de mercadorias” nunca foi empregado por Marx em qualquer um de seus manuscritos. A primeira vez que este termo apareceu foi através dessa introdução conceitual de Engels no Prefácio ao Livro III de O Capital e, depois disso, nos outros manuscritos de Marx que editou. Seja como for, muitos autores levaram a sério essa afirmação de Engels que, ao longo dos anos, sugeriu que a leitura de O Capital deveria tomar os primeiros capítulos, do Livro I, como se estivessem destinados a apresentar uma sucessiva distinção de modos de produção de mercadorias. Principalmente, mostrando a diferença entre um estágio inicial (simples) e o capitalista. Mas o que significa dizer que existe uma “produção simples de mercadorias”, supostamente pressuposta na economia discursiva do texto de Marx, em oposição à “produção capitalista de mercadorias”? Quais são as implicações disso? Em linhas muito gerais, pode-se dizer que marxistas, em geral, encontraram aqui uma chave de aplicação da “lógica dialética”, fora das coordenadas de exposição e constituição do que é específico do processo de produção capitalista, ao processo histórico em geral. Além disso, viram aí uma oportunidade de ver o momento “lógico-histórico” do método do “materialismo histórico” enquanto uma teoria da lógica da evolução econômica da história das sociedades.

No entanto, o complexo categorial de O Capital tem como referência exclusivamente o modo de produção capitalista e não uma teoria geral da sociedade. Isto é, Marx em vista a “diferença específica” das “relações de produção”, e a historicidade dessas (e não da sucessão histórica das “relações de produção” em geral), que constituem o modo de produção capitalista. É mérito de Chris Arthur ter demonstrado que a assunção do aspecto “lógico-histórico geral” do assim chamado “materialismo histórico” é também um dentre os mitos e lendas acerca das leituras de Marx. De acordo com Arthur, mesmo teóricos e economistas marxistas renomados como Karl Kautsky, Ernest Mandel, Paul Sweezy, Oskar Lange, R. L. Meek, teriam repetido esse mito e endossado um tal modo de leitura que distorceria, finalmente, por completo a análise de Marx. “Por completo” porque tiraria do centro das atenções justamente o que era mais caro a Marx: a historicidade que confere a “diferença específica” de um modo de produção.

Mas por que motivo a leitura de Engels estaria errada? Ora, de acordo com Arthur, i) Marx nunca usou a expressão “produção simples de mercadorias”[vi]; ii) além disso, e talvez ainda mais importante, Marx nunca se referiu a produção capitalista de mercadorias como algo “secundário e derivado”. A sentença de abertura, muitas vezes ignoradas em leituras que já assumem de fundo o horizonte de leitura do “materialismo histórico” marxista-leninista, já tem o poder de desmistificar esta questão. Como sempre, em Marx, algumas sentenças de ordem “metodológica” são centrais. A primeira frase de O Capital faz parte desse conjunto: “A riqueza das sociedades onde reina o modo de produção capitalista aparece como uma ‘enorme coleção de mercadorias’, e a mercadoria individual, por sua vez, aparece como sua forma elementar. Nossa investigação começa, por isso, com a análise da mercadoria” (MARX, 2017, p. 113, ênfases minhas).

O substrato mais importante dessa citação é o de que a mercadoria analisada por Marx é a mercadoria que aparece como forma elementar de um tipo de específico de riqueza: a riqueza capitalista. Contraste-se isso diretamente àquilo que Engels falou, em seu Prefácio, acerca do primeiro capítulo da primeira seção do livro I de O Capital: “[Marx] parte precisamente da mercadoria simples, e não de uma forma conceitual e historicamente secundária, da mercadoria já modificada de maneira capitalista”. Tal como antes já foi mencionado, no contexto em que Engels introduz o conceito de “produção simples de mercadorias”, seu objetivo maior é lidar com questões metodológicas. Engels introduziu esse conceito, de acordo com Arthur (2020, p. 177), “porque semeou a ideia de que no terceiro volume de O Capital Marx abandonara a lei do valor em favor de outro princípio de determinação dos preços”. Já que os valores não estavam mais “empiricamente presentes” no curso da exposição de Marx, Engels pensou que o primeiro capítulo do primeiro livro se revelava, ao final da leitura do manuscrito do Livro III, uma mera suposição histórica e factual de Marx. Como vimos, contra Peter Fireman, Engels postulou que as definições não são rígidas porque são desenvolvidas “em seu processo de formação histórico”, bem como disse que “dependendo do caso” são “lógicas”. O que importa é que Engels, aqui, dá primazia à lógica de formação do “histórico”. Disso se seguindo que deveríamos ler o texto de Marx, então, como se as definições fossem apresentadas e tornadas mais completas conforme certos estágios históricos fossem sendo apresentados de acordo com sua realização. Por essa razão, Marx teria suposto aquela “produção simples de mercadorias” e não a “mercadoria” enquanto “forma elementar” da “riqueza” somente “onde reina o modo de produção capitalista”.

Como bem notou Christopher Arthur, isso está em total desacordo, não só com o primeiro capítulo de O Capital e no escândalo flagrante de sua frase de abertura, mas também com o que é dito na Introdução que Marx havia preparado em 1858 para seu livro de 1859 e decidiu não publicar por não querer antecipar resultados metodológicos. Hoje em dia essa Introdução é conhecida como Introdução de 1857 ou Introdução aos Grundrisse. Pode ser que Engels não tivesse lido esse material. No entanto, foi através dele que Kautsky conseguiu o material e, após isso, o publicou. Antes de avançar, devo repetir o seguinte: Engels está absolutamente correto quando enuncia que Marx não trabalha com definições rígidas. A questão levantada à luz do texto de Arthur é a seguinte: as definições rígidas são evitadas, como diz Engels, por que são meramente “históricas”? Cito aqui uma das passagens dessa Introdução nas quais Marx fala algo a respeito de seu método de exposição: “Seria impraticável e falso, portanto, deixar as categorias econômicas sucederem-se umas às outras na sequência em que foram determinantes historicamente. A sua ordem é determinada, ao contrário, pela relação que têm entre si na moderna sociedade burguesa, e que é exatamente o inverso do que aparece como sua ordem natural ou da ordem que corresponde ao desenvolvimento histórico. Não se trata da relação que as relações econômicas assumiram historicamente na sucessão de diferentes formas de sociedade. Muito menos de sua ordem “na ideia” ([como em] Proudhon) (uma representação obscura do movimento histórico). Trata-se, ao contrário, de sua estruturação dentro da sociedade burguesa (MARX, 2011 [1857-8], p. 60).

Seja como for, transformar a especificidade histórica do complexo categorial de Marx em uma lógica de teorias gerais não é algo que apenas Engels acidentalmente contribuiu para. Alguém como György Lukács ao insistir, em sua obra tardia, no caráter decisivo de que, para Marx, categorias são “formas de ser, determinações da existência”, constantemente esqueceu de acrescentar que elas são “formas de ser, determinações da existência […] com frequência de uma sociedade específica”. (Para brevemente mencionar contra Lukács, as “determinações da existência” a que Marx se refere não são os complexos categoriais de todas as sociedades que fundamentariam uma teoria geral do ser social, mas formas de ser da sociabilidade capitalista. Por isso é que muito importa a Marx o fato de que as “formas sociais” concretizam e historicizam a análise e não o “conteúdo” dessas “formas” apartado delas).

Ainda no que diz respeito ao Prefácio do Livro III, Engels pôde, através daquela anotação metodológica, não só objetar Peter Fireman, mas também Conrad Schmidt. Para Chris Arthur (2020, p. 177), Engels pôde responder à objeção de Schmidt na qual a “lei do valor” era uma ficção necessária, apelando à essa noção do processo de formação histórica das categorias, deixando de lado, por sua vez, a especificidade histórica das categorias. As consequências disso para a leitura de O Capital são evidentes. Arthur (2020, p. 178) nota, com razão, que a concepção de Engels levaria à própria desistorização da “diferença específica” da lei do valor no modo de produção capitalista, pois passaria a se aplicar universalmente também àquela suposta “produção simples de mercadoria”. Essa aplicação universal contradiz não só o texto, mas o “espírito do texto” de Marx, pois adota um ponto de que vista que, segundo Marx, era o tradicional da economia política e que, nota bene, era justamente um dos alvos centrais da crítica de Marx.

Por isso, é necessário lembrar com Arthur, à luz de tudo isso, que “a economia de Marx tem sido ensinada a gerações de estudantes sobre a base de uma distinção entre produção capitalista e ‘produção simples de mercadorias’. Contudo, esta distinção vem de Engels, e não de Marx.” (ARTHUR, 2020, p. 178). O caráter histórico da exposição de Marx diz respeito ao fato de que “o capitalismo é uma formação social historicamente específica” e nada além disso. O que resta claro quando prestamos atenção à Introdução de 1857. Até porque esta é uma das críticas que Marx dirige à Hegel e aos economistas políticos britânicos, a saber, a de que sua investigação eternaliza e atemporaliza as leis de uma sociedade particular. É certo que também Marx estava em desacordo com estes sobre quais são as leis que vigem nessa formação histórica particular que é o capitalismo. Porém, o ponto aqui é mostrar como um método de exposição que tem por objetivo apresentar uma formação social historicamente específica não pode i) eternalizar as leis econômicas que vigem nessa sociedade; ii) nem apresentar suas categorias como se estivesse as desenvolvendo historicamente. Se há algo como “materialismo histórico” ele é uma teoria da sociedade capitalista e não um método de investigação universal.

*Felipe Taufer é doutorando em filosofia política no Programa de Pós-Graduação da Universidade de Caxias do Sul.

Referências


MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos. Trad. Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo, 2004.

MARX, Karl. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-58. Trad. Mário Duayer, Nélio Schneider. São Paulo/Rio de Janeiro: Boitempo, UNESP, 2011.

MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. 2. Ed. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2017.

MARX, Karl. Glosas Marginais ao Tratado de Economia Política de Adolph Wagner in: Últimos escritos econômicos: anotações de 1879-1882. Trad. Hyury Pinheiro. São Paulo: Boitempo, 2020, pp. 37-84.

MARX, Karl. A Guerra Civil nos Estados Unidos in: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Escritos sobre a Guerra Civil Americana. Trad. Felipe Vale da Silva e Muniz Ferreira. Londrina: Aetia Editorial 2020. pp. 58-66.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Collected Works. v. 41. Trans. Peter Ross and Betty Ross. New York: New York Publishers Inc., 1985. [Informação útil: Este volume publicou uma compilação das cartas trocadas entre Marx e Engels entre Janeiro de 1860 e Setembro de 1864. Por essa razão, muitas delas versam sobre as controvérsias com Vogt e sobre a Guerra Civil Americana].

ENGELS, Friedrich. Letter to Conrad Schmidt in Berlin. London, August 5th, 1890. Acesso em: https://www.marxists.org/archive/marx/works/1890/letters/90_08_05.htm

ENGELS, Friedrich. Prefácio in: MARX, Karl. O Capital: o processo global de produção capitalista. v. 3. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2016, pp. 31-46 [As citações dessa edição talvez não correspondam à do livro impresso, pois usei uma versão digital].

ARTHUR, Christopher J. O mito da “produção simples de mercadorias”. Trad. Jadir Antunes. Eleuthería, v. 4., n. 7., 2020, pp. 175-182.

CHASIN, José. Crítica do Amálgama Originário in: CHASIN, José. Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. São Paulo: Boitempo, 2009, pp. 29-38.

GIANNOTTI, José Arthur. Marx: vida & obra. Porto Alegre: L&PM, 2000.

HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. 2. ed. Trad. Luiz Repa. São Paulo: Editora 34, 2009.

KAUTSKY, Karl. Las tres fuentes del marxismo: la obra histórica de Marx. Acesso em: https://www.marxists.org/espanol/kautsky/1907/lastresfuentesmarxismo-kautsky-1907.pdf

LENIN, Vladimir Ilich. The three sources and three component parts of Marxism in: LENIN, Vladimir Ilich. Collected Works. v. 19., Moscow: ProgressPublishers, 1977. pp. 23-28.

Notas


[i] “No século XIX, três nações representavam a civilização moderna. Somente quem tivesse assimilado o espírito das três e estivesse equipado com todas as aquisições intelectuais de seu século poderia produzir o enorme trabalho que Marx realizou. A síntese do pensamento destas três nações, na qual cada uma das três perde eu aspecto unilateral, constitui o ponto de partida da contribuição história de Marx e Engels” (KAUTSKY, 1933, p. 9).

[ii] As objeções ordinárias contra um “Marx economicista” são dirigidas ao seu suposto determinismo econômico tardio. Há muita bibliografia básica a respeito da falsidade ineficaz dessa tese. No entanto, escolhi como objeto de atenção uma crítica ao “jovem Marx” porque às vezes acontece de muitos marxistas buscarem solução ao “economicismo tardio” de Marx na “filosofia” e na “antropologia” de seus escritos de juventude. Penso que essa não é uma maneira adequada de proceder: (i) estes manuscritos de juvenis de Marx não eram destinados à publicação; (ii) eles representam tentativas ainda frustradas de desenvolver a crítica da economia política; (iii) se não há economicismo no Marx tardio, não é preciso solucioná-lo com nenhuma outra obra. Afinal, simplesmente não há. Seja como for, esta crítica de Honneth apresentada aqui seria “mais forte” pois tenta enfraquecer mesmo aqueles marxistas que ao acreditar num “economicismo tardio” buscam solucioná-las com apelo à manuscritos juvenis.

[iii] Diga-se de passagem, os trabalhos de Honneth tem um caráter muito mais sério do que as objeções de “economicismo” ordinariamente levantadas contra Marx. No entanto, justamente por ser uma das mais elaboradas, ela é foco especial de nossa atenção. Um autor como Honneth reconhece a devida importância da obra de Marx para a história do conceito de “liberdade social”. Ocorre que, com o objetivo de criar uma teoria original com relação à fundamentação normativa das políticas de reconhecimento, este autor se viu obrigado a criticar autores da tradição moderna que teriam compreendido unilateralmente tal conceito. Segundo ele, este seria o caso de Marx. Não penso que esse seja o caso. Seja como for, a menção aqui é útil somente para desconstruir a ideia de um Marx “economicista”.

[iv]De prime abord, eu não parte nunca de ‘conceitos’, portanto, nem mesmo do ‘conceito de valor’, e, assim, de modo algum tenho também que o “dividir”. Parto da forma social mais simples na qual o produto do trabalho se apresenta dentro da sociedade atual, e essa forma é a ‘mercadoria’. Eu a analiso, em primeiro lugar, precisamente dentro da forma pela qual ela aparece[…] Por isso, diz também nosso vir obscurus, que nunca notou meu método analítico, o qual parte não do ser humano, mas do período da sociedade economicamente dado, nada tem em comum com o método germano-professoral de referir conceitos […]” (MARX, 2020 [1879-80], p. 59-61).

[v] É importante este “de acordo com isso” pois Engels quer mostrar que seu argumento seguinte se segue do fato de que no texto de Marx não há definições fixas e rígidas.

[vi] “A única ocorrência do termo ‘produção simples de mercadorias’ no conjunto dos três volumes de O Capital ocorre no volume III, mas isto está em uma passagem dada a nós subsequentemente ao trabalho editorial de Engels, como ele próprio nos diz numa nota. Isto agora é possível de ser verificado conferindo-se o próprio manuscrito, que tem sido publicado na Marx-Engel Gesamtausgabe (MEGA2). Ali fica claro que o parágrafo inteiro foi inserido por Engels […]” (ARTHUR, 2020, p. 176).

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