Salvo-conduto para o general Braga Netto

Imagem: Toni Cuenca
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Por CARLOS TAUTZ*

Mesmo sendo organizador da reunião com embaixadores, o TSE abriu a possibilidade de o militar de extrema direita sair candidato a prefeito ou governador do Rio nas próximas eleições

Jogando em tabelinha com as Forças Armadas, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmou a possibilidade do general Braga Netto se candidatar a prefeito do Rio de Janeiro em 2024, mesmo tendo ele organizado a tal reunião com embaixadores que motivou a decisão do Tribunal pela inegibilidade de Jair Bolsonaro até 2030.

Assim, com o aval judicial e já descartado o seu programa Bolsonaro, a caserna recebeu do TSE carta branca para continuar a fazer a única coisa que sabe: política.

A liberação de Braga Netto é uma contradição fulcral. Ao tomar a decisão de condenar Jair Bolsonaro, o Tribunal considerou o contexto golpista em que o ex-capitão sempre operou e até levou em conta o roteiro do golpe encontrado em posse do ex-Ministro da Justiça Anderson Torres. Mas, de outro lado, presenteou Braga Netto com a elegibilidade ilegítima, mesmo ele tendo participado de toda longa cadeia de ilegalidades pelas quais Jair Bolsonaro apenas começou a ser condenado.

Ao longo de todo mandato de Jair Bolsonaro, de quem foi vice na chapa de 2022, Braga Netto militou fartamente. Foi Ministro Chefe do Estado Maior do Exército, da Casa Civil, da Defesa e desfrutou da especialíssima bocarra de assessor especial da Presidência.

Agora, a se confirmar a candidatura a prefeito da capital ou a governador do Rio de Janeiro em 2026, estará livre para usar, de todas as formas que lhe convier, as informações privilegiadas que os arapongas fardados sempre levantaram junto ao sistema de segurança fluminense.

 

Informações militares à disposição

À falta de inimigos externos, a tropa desperdiça o tempo dela e o dinheiro nosso entre a diversão nos clubes militares e a permanente preparação para operar a tutela sobre a sociedade, conforme obriga o Artigo 142, que os próprios fardados fizeram constar da Constituição.

Entre as possibilidades derivadas desse Artigo está o emprego das Forças Armadas em missões de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). As GLO são uma excrecência jurídica elaborada para manter o controle militar sobre a vida civil, mesmo quando eles não comandam o governo, como fizeram ao longo do período de Jair Bolsonaro.

Usando de artifícios como as GLO, os militarem tratam como inimiga a própria sociedade que elas precisam defender de perigos internacionais. São acionadas pela Presidência da República em momentos supostamente de crise na segurança pública e colocam os militares armados até os dentes contra pais e mães de família a caminho do trabalho e crianças na direção da escola.

Deveriam ser exceção, mas se tornaram uma regra no Brasil. Entre 1992 e 2022, segundo o Ministério da Defesa, ocorreram 145 GLO – em média, uma a cada 2,5 meses. Mostram o controle real que os militares mantêm sobre a vida civil e demonstra que o Alto Comando das Forças Armadas são um verdadeiro Quarto Poder.

Como existe a possibilidade de as GLO serem convocadas a qualquer momento e imediatamente levar os militares às ruas, as Forças Armadas permanecem de prontidão e passam dias e noites recebendo das Polícias Militar e Civil de todo o País informações sobre organizações criminosas e a sociedade em geral. Incluem-se, aí, as informações sobre inimigos políticos e grupos milicianos operantes no Estado, inclusive aqueles muito próximos à família de Jair Bolsonaro.

Ou seja: a se confirmar a candidatura, oficiosamente estará à disposição de Braga Netto todo esse esse material, que será usado contra inimigos políticos. Também estará disponível aquels in formações levantadas pelo próprio Braga Netto e seu staff verde-oliva, que ocuparam por intervenção financeiro-militar o governo do RJ em 2018.

Ele foi durante quase todo o ano de 2018 governador biônico do Estado em que Marielle Franco foi assassinada. Conseguiu ser viabilizado no cargo de interventor fluminense pelo também general Sergio Etchegoyen.

Hoje na reserva e rico lobista de grupos econômicos privados, Sergio Etchegoyen é o mais novo membro do velho clã militar dos Etchegoyen, que desde o início do século XX participa de golpes de Estado e dos serviços de espionagem militar no Brasil. Sergio foi o fiador junto aos militares do então presidente golpista Michel Temer, de quem foi Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o GSI.

Este órgão é o mesmo que está no coração organizativo da tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro passado. É uma versão modernizada e superampliada do velho e famigerado Serviço Nacional de Informação (SNI), que tantos assassinatos, torturas e fraudes milionárias prestou à ditadura empresarial-militar-entreguista implantada no Brasil em 1964.

 

O fantasma de Marielle sobre Braga Netto

Todo o arsenal de informações amealhado pelos militares municiará Braga Netto, caso ele dispute a eleição municipal carioca, ou outro cargo eletivo qualquer. Mesmo que essa hipótese da candidatura já seja desmentida em “vazamentos” a uma certa imprensa especializada em vocalizar intenções difusas dos quartéis, o nome de Braga Netto já foi divulgado, de forma a ser testado nas pesquisas eleitorais.

Não à toa a cidade do Rio de Janeiro foi escolhida como plataforma para Braga Netto. No Rio, encontra-se o maior contigente (cerca de 600 mil) de militares na ativa e na reserva. Incluindo-se nessa contagem aposentados e pensionistas, esse número dobra a 1,2 milhões de eleitores e pode chegar a 2,4 milhões, caso se considere também parentes e pessoas próximas do núcleo original. Essa é a chamada “família militar”.

No Rio, Braga Netto encontrará uma esquerda fragilizada a ponto de ter perdido no primeiro turno o governo do Estado em 2018 para um quase desconhecido governador, que se apóia em alianças com a milícia na Baixada Fuminense e faz propaganda em cima de sucessivas mega-chacinas perpetradas pela PM do RJ sobre moradores de favelas.

Um possível senão a este projeto de Braga Netto é o fantasma de Marielle Franco, que continua vagando sem que, mais de cinco anos após o crime, sejam conhecidos publicamente os mandantes e as razões dos sicários (dois ex-PM que estão presos).

Interventor no Estado do Rio no ano em que a vereadora foi covarde e ainda inexplicavelmente assassinada, Braga Netto confessou cifradamente à Veja em janeiro de 2019: “Aquilo foi uma má avaliação deles, da intenção deles. (…)  Acharam que ela é um perigo maior do que era. (…) Eu poderia ter anunciado antes, mas ia bater nisso, de não ter provas suficientes. (…) Pelas informações que tenho, se houver continuidade, vai se chegar a um resultado”.

A cobrança sobre a omissão (cumplicidade?) de Braga Netto na resolução deste caso poderia até levá-lo às cordas e inviabilizar a sua candidatura, mas a esquerda carioca não parece ter forças nem disposição suficientes para fazer esse confronto. Também será necessário Braga Netto descolar seu nome do inelegível Jair Bolsonaro, que ainda enfrentará outros julgamentos até 2024.

Mas, desde já, o general, as Forças Armadas e a extrema direita podem agradecer o salvo-conduto que lhes foi presenteado pelo TSE.

*Carlos Tautz é jornalista e doutorando em história na Universidade Federal Fluminense (UFF).


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