Transformações da arte no Brasil

Rubens Gerchman, Os Habitantes III , 1964, guache sobre papel, 55 cm x 75,2 cm
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por CELSO FAVARETTO*

Comentário sobre o livro de Paulo Sérgio Duarte.

A ambição de Anos 60 – Transformações da Arte no Brasil é unir reflexão e didatismo, crítica e história. Concebido como trabalho acessível para jovens desejosos de conhecer as transformações artísticas dos anos 1960, propõe-se como uma “introdução à história da arte” e “um estudo sobre as principais questões e linguagens que dominaram aquele momento”. Além disso, pretende oferecer aos especialistas uma oportunidade de refrescar a memória e aferir perspectivas sobre a arte do período.

Operando uma seleção de artistas e obras, de propostas e atividades, Paulo Sérgio articula um campo histórico-crítico, preciso nas referências e na orientação teórica. Embora a intenção não seja produzir um capítulo de história da arte no Brasil, o livro é mais que uma introdução ao período, pois tem no horizonte um entendimento das principais experiências daquele tempo como fundadoras da arte brasileira contemporânea.

A composição de texto reflexivo, informação histórica, biografia de artistas e reprodução de obras resulta em uma interpretação sobre a produção do período, com sentido inequívoco: a afirmação da especificidade da arte brasileira dos anos 1960 em confronto com as experiências americanas e europeias, mediante a crítica às aproximações fáceis que comumente são feitas entre a Nova Figuração brasileira e a Pop Art ou o Nouveau Réalisme. A defesa da autonomia da produção de Antonio Dias, Nelson Leirner, Wesley Duke Lee, Roberto Magalhães, Rubens Gerchman e Vergara, por exemplo, ancora-se nos modos de articular as inovações formais e a figuração da situação histórico-cultural.

Traçando as direções preponderantes das pesquisas dos artistas focalizados e analisando obras, Duarte ressalta a originalidade formal das propostas e o agenciamento surpreendente do imaginário. Entre o ponto de partida das atividades vanguardistas, com a mostra “Opinião 65”, e a explicitação do conjunto das variadas experiências, na exposição “Nova Objetividade Brasileira”, de 1967, delineia-se a “diferença brasileira”.

Os trabalhos dos artistas nacionais apresentavam-se como crítica dos impasses da abstração construtiva e do informalismo, assim como das ideias e realizações das tendências internacionais, Pop, Op, Nouveau Réalisme, Primary Structures, que eram as referências do momento. A ideia de “participação”, surgida das experiências neoconcretas, foi erigida em princípio da posição estética que foi se definindo entre 65 e 67. Nela não mais se distinguiam os modos de efetivação de programas estéticos e exigências ético-políticas. A significação social da arte deveria passar necessariamente pela renovação das formas, dos processos e da própria concepção de arte.

Visando à imbricação de inconformismo estético e social, às transformações estruturais e do comportamento criativo, a participação do espectador e a relação artista-público, no texto “Esquema Geral da Nova Objetividade”, Hélio Oiticica formula os seguintes objetivos das atividades que compunham o que ele denominou “vanguarda brasileira”: vontade construtiva geral; tendência para o objeto pela superação do quadro; participação do espectador; tomada de posição ético-política; ênfase nas proposições coletivas; novas formulações do conceito de antiarte.

As aspirações, os problemas, as ambiguidades e a destinação das experiências, cifradas nesses princípios norteadores das transformações da ideia e da significação da arte, apontavam a existência, naquele momento, de uma produção que estava efetivamente abrindo no Brasil o campo do trabalho contemporâneo. Arte de ruptura, era também arte de fundação. Hélio Oiticica tinha uma clara ideia dessa abertura; não é outra a posição que define com a proposição do experimental, entendido como “elemento construtivo”: “Os fios soltos do experimental são energias que brotam para um número aberto de possibilidades”.

Nessa direção, o autor insiste na relevância do “sentido de construção” propugnado por Oiticica como a marca distintiva e mais característica da arte brasileira até hoje. Compondo abertura estrutural e ação no ambiente, crítica da arte e significação cultural, o peculiar construtivismo desatado nos anos 60 pela vanguarda brasileira ressignificaria as experiências que desde o neoconcretismo vinham provocando mudanças na concepção do objeto e sentido da arte, assim como dos modos de efetivação dos projetos, obras e acontecimentos. Essa orientação construtiva permaneceria mesmo depois que, no início dos anos 70, o conceitualismo e o minimalismo diluíssem as experiências brasileiras específicas pela consonância com o campo experimental internacional.

Na última parte do texto, Paulo Sérgio Duarte aponta aquelas “investigações e experiências” que, “depois do construtivismo”, depois do fechamento das atividades da vanguarda brasileira, teriam fundado e consolidado uma arte brasileira contemporânea, consentânea aos rumos gerais da contemporaneidade. Estes artistas – Oiticica, Lygia Clark, Mira Schendel e Sérgio Camargo –, desenvolvendo um “trabalho de laboratório”, teriam gerado as condições para o enfrentamento, por parte de outros artistas, do desafio surgido na encruzilhada da crítica dos anos 60, das proposições conceituais e minimalistas e dos novos problemas colocados pela mídia. Os artistas surgidos dessas experiências fundadoras, tendo incorporado a herança construtivista, iriam substituir a “violência simbólica” pela constituição dos simbolismos próprios da arte, situando-os no “confronto entre obras de arte e instituições”.

*Celso Favaretto é crítico de arte, professor aposentado da Faculdade de Educação da USP e autor, entre outros livros, de A invenção de Helio Oiticica (Edusp).

Referência


Paulo Sérgio Duarte. Anos 60 – Transformações da Arte no Brasil. Campos Gerais, 324 págs.

 

 

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Jean Marc Von Der Weid Eugênio Bucci Valerio Arcary Ricardo Antunes Carla Teixeira Airton Paschoa Rodrigo de Faria Atilio A. Boron Andrew Korybko Marjorie C. Marona Eugênio Trivinho Michel Goulart da Silva José Micaelson Lacerda Morais Antônio Sales Rios Neto João Sette Whitaker Ferreira Manchetômetro Alexandre de Freitas Barbosa José Machado Moita Neto Chico Whitaker Armando Boito Chico Alencar Jorge Luiz Souto Maior Mariarosaria Fabris Luiz Werneck Vianna Juarez Guimarães Bruno Fabricio Alcebino da Silva Matheus Silveira de Souza Anselm Jappe Paulo Fernandes Silveira Antonio Martins Leonardo Sacramento Francisco Pereira de Farias Gabriel Cohn Osvaldo Coggiola Gilberto Maringoni Lorenzo Vitral Antonino Infranca Fábio Konder Comparato Maria Rita Kehl Manuel Domingos Neto Fernão Pessoa Ramos Priscila Figueiredo João Paulo Ayub Fonseca Jorge Branco Plínio de Arruda Sampaio Jr. Ladislau Dowbor Mário Maestri Fernando Nogueira da Costa Francisco Fernandes Ladeira Luciano Nascimento Ronald Rocha Paulo Capel Narvai André Singer Tadeu Valadares Daniel Afonso da Silva Jean Pierre Chauvin Ricardo Abramovay Paulo Martins Samuel Kilsztajn Tarso Genro Henri Acselrad Liszt Vieira Marcelo Módolo José Dirceu Michael Löwy Afrânio Catani João Adolfo Hansen Marcos Silva Leonardo Avritzer Renato Dagnino Celso Favaretto João Carlos Loebens Bento Prado Jr. Paulo Sérgio Pinheiro Dennis Oliveira Caio Bugiato Milton Pinheiro José Geraldo Couto Gerson Almeida Ari Marcelo Solon Ronaldo Tadeu de Souza Marcos Aurélio da Silva Alysson Leandro Mascaro Luiz Eduardo Soares Marilena Chauí Remy José Fontana André Márcio Neves Soares Heraldo Campos Celso Frederico Boaventura de Sousa Santos Thomas Piketty Julian Rodrigues Carlos Tautz Eleonora Albano Vanderlei Tenório João Feres Júnior Alexandre Aragão de Albuquerque Flávio R. Kothe João Carlos Salles Daniel Costa Leonardo Boff Valerio Arcary Annateresa Fabris Walnice Nogueira Galvão Bruno Machado Lincoln Secco Vinício Carrilho Martinez Luiz Renato Martins Érico Andrade Elias Jabbour Claudio Katz Luis Felipe Miguel Everaldo de Oliveira Andrade Slavoj Žižek Gilberto Lopes José Luís Fiori Lucas Fiaschetti Estevez Ricardo Musse Rafael R. Ioris Alexandre de Lima Castro Tranjan Daniel Brazil Luiz Bernardo Pericás Ricardo Fabbrini João Lanari Bo Francisco de Oliveira Barros Júnior Tales Ab'Sáber Ronald León Núñez Flávio Aguiar Vladimir Safatle Bernardo Ricupero Eleutério F. S. Prado Luís Fernando Vitagliano Leda Maria Paulani Sergio Amadeu da Silveira Berenice Bento Igor Felippe Santos Dênis de Moraes Yuri Martins-Fontes Rubens Pinto Lyra José Raimundo Trindade Eduardo Borges Luiz Roberto Alves Luiz Carlos Bresser-Pereira Michael Roberts Luiz Marques Otaviano Helene Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Denilson Cordeiro Marilia Pacheco Fiorillo Paulo Nogueira Batista Jr Andrés del Río Salem Nasser Marcelo Guimarães Lima Marcus Ianoni José Costa Júnior Sandra Bitencourt Henry Burnett Benicio Viero Schmidt Kátia Gerab Baggio Eliziário Andrade

NOVAS PUBLICAÇÕES