Uma situação dramática

Clara Figueiredo, a cúpula econômica do governo segue a passos firmes, fotomontagem digital, 2020
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por GUIDO MANTEGA

A economia brasileira terminou 2021 estagnada e vai continuar assim por todo o ano de 2022

No final de 2022 poderemos comemorar o enterro de um dos piores governos da história republicana brasileira. Se for feita uma autópsia no cadáver do bolsonarismo, serão descobertos fortes indícios de um neoliberalismo anacrônico, que não é mais praticado em nenhum país importante do mundo.

A economia brasileira terminou 2021 estagnada e vai continuar assim por todo o ano de 2022. De acordo com a pesquisa Focus do Banco Central (03/01/22), o crescimento do PIB de 2022 não deve passar de 0,36%.

Com esse crescimento pífio, o desemprego permanecerá alto e deverá repetir, em 2020, os 12% de 2021, enquanto a inflação estará recuando dos 10% de 2021, para algo em torno de 6%, às custas de uma feroz política monetária contracionista, que vai paralisar a economia brasileira.

A fome e a pobreza continuarão aumentando ao sabor do descaso do governo. O auxílio de R$ 400 no Bolsa Família vai beneficiar apenas uma pequena parcela dos necessitados.

Para agravar essa situação, há um avanço da pandemia da Covid-19 e de novas gripes, que podem reduzir o crescimento dos países ricos, afetando diretamente as exportações brasileiras. O banco central americano (Fed) anunciou um endurecimento da política monetária em 2022, com elevação dos juros, o que deverá causar a saída de capitais estrangeiros do país.

Entre 2019 e 2022 o PIB brasileiro terá um crescimento médio de 0,5% ao ano. Um pouco melhor do que o decréscimo médio de -0,13% ao ano do governo Temer, entre 2016 e 2018.

Em vez de colocar o Estado em campo para socorrer as vítimas da crise e estimular a retomada do investimento, como fizeram os países do G20, o governo Bolsonaro reduziu o auxílio emergencial de 2020 para 2021, e vem diminuindo o investimento público desde o início do seu governo.

Essa situação dramática, produzida pela política econômica do ministro Guedes, contrasta com o desempenho da política econômica social desenvolvimentista dos governos Lula e Dilma..

Entre 2003 e 2014 o PIB brasileiro teve um crescimento médio de 3,5% ao ano, enquanto o desemprego caiu para abaixo de 6% da população economicamente ativa. No final de 2014 o Brasil era um país pouco endividado, com uma dívida pública líquida igual a 32,5% do PIB, enquanto o Banco Central acumulava reservas de US$ 374 bilhões. Não à toa, a partir de 2008 o Brasil passou a receber avaliações positivas de grau de investimento, pelas principais empresas de classificação de risco.

Os governos Lula foram marcados pela elevação dos investimentos e por uma política fiscal responsável, que compatibilizou aumento de verbas sociais com os maiores superávits primários da economia brasileira.

A pobreza caiu de 26,7%, em 2002, para 8,4%, em 2014. Pela primeira vez, em 500 anos, a renda dos mais pobres cresceu mais do que a dos mais ricos e a desigualdade diminuiu no país. Foi assim que o Brasil saiu do mapa da fome e tornou-se o sexto maior PIB (Produto Interno Bruto) do mundo, em 2011.

Mas os governos neoliberais reverteram parte desses avanços sociais e econômicos. O governo Temer fez a reforma trabalhista que reduziu direitos e salários, e ainda aprovou a lei do teto de gastos, que produziu inúmeras distorções na gestão orçamentária. As gestões fiscais dos governos Temer e Bolsonaro foram um desastre que, desde 2016, só acumulou déficits primários.

Está claro que não existem saídas fáceis para consertar a situação dramática que será deixada pelos governos Temer e Bolsonaro. É uma herança maldita que fará com que o PIB de 2022 retroceda para os valores de 2013.

Para enfrentar essa situação desafiadora, as forças democráticas deverão elaborar um programa de desenvolvimento econômico e social para a reconstrução do país. Certamente esse programa deverá conter medidas emergenciais de combate à fome e à miséria, que propiciem condições de sobrevivência da população mais pobre.

O governo deve coordenar um ambicioso plano de investimentos públicos e privados, de modo a ampliar a infraestrutura e aumentar a produtividade, gerando muitos empregos. É necessário desenhar um programa de investimentos de longo prazo que dê sustentação ao crescimento e ao aumento da produtividade. É imprescindível realizar uma reforma tributária, que simplifique os impostos federais, estaduais e municipais. É importante também diminuir a taxação dos mais pobres, aumentando os tributos sobre a renda e patrimônio dos 1% mais ricos, de modo a reverter a regressividade da estrutura tributária brasileira.

A política monetária deve manter a inflação sob controle, sem exagerar na dose de juros, para preservar o crescimento e, ao mesmo tempo, evitar um serviço da dívida impagável. O novo governo deve retomar as políticas industriais e as de investimento tecnológico, que devolvam a competitividade da indústria brasileira. Claro, sem esquecer as questões climáticas e ambientais.

O que está em jogo nas próximas eleições é se continuaremos com a política econômica desastrosa do governo Bolsonaro e de outros candidatos neoliberais, ou se vamos retomar a via do social-desenvolvimentismo rumo ao Estado de bem-estar social.

*Guido Mantega é professor de economia na Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP). Foi ministro da Fazenda nos dois mandatos do governo Lula.

Publicado originalmente na Folha de São Paulo.

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • Um estudo do caso Ailton Krenak1974__Identidade ignorada 21/07/2024 Por MARIA SILVIA CINTRA MARTINS: Prefiro sonhar com Krenak o parentesco com a natureza e com as pedras do que embarcar na naturalização do genocídio
  • Clarice Lispector no cinemacultura a paixão segundo g.h. 22/07/2024 Por LUCIANA MOLINA: Comentário sobre três adaptações cinematográficas da obra de Clarice Lispector
  • O princípio de autodestruiçãoLeonardo Boff 25/07/2024 Por LEONARDO BOFF: Qual ciência é boa para a transformação mundial?
  • Filosofia da práxis como poiésiscultura lenora de barros 24/07/2024 Por GENILDO FERREIRA DA SILVA & JOSÉ CRISÓSTOMO DE SOUZA: Fazer filosofia é, para o Poética, fazer filosofia contemporânea, crítica e temática
  • Que horas são no relógio de guerra da OTAN?José Luís Fiori 17/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: Os ponteiros do “relógio da guerra mundial” estão se movendo de forma cada vez mais acelerada
  • Apagão digitalSergio Amadeu da Silveira 22/07/2024 Por SÉRGIO AMADEU DA SILVEIRA: A catástrofe algorítmica e a nuvem do “apagão”
  • A disputa de Taiwan e a inovação tecnológica na ChinaChina Flag 20/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: A China já é hoje a líder mundial em 37 das 44 tecnologias consideradas mais importantes para o desenvolvimento econômico e militar do futuro
  • A produção ensaística de Ailton Krenakcultura gotas transp 11/07/2024 Por FILIPE DE FREITAS GONÇALVES: Ao radicalizar sua crítica ao capitalismo, Krenak esquece de que o que está levando o mundo a seu fim é o sistema econômico e social em que vivemos e não nossa separação da natureza
  • A radicalidade da vida estéticacultura 04 20/07/2024 Por AMANDA DE ALMEIDA ROMÃO: O sentido da vida para Contardo Calligaris
  • A questão agrária no Brasil — segundo Octávio IanniJose-Raimundo-Trindade2 19/07/2024 Por JOSÉ RAIMUNDO TRINDADE: As contribuições de Ianni podem auxiliar a reformular o debate agrário brasileiro, sendo que as obras do autor nos apontam os eixos para se repensar a estrutura fundiária brasileira

PESQUISAR

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES