Por ANDRÉ DA ROCHA SANTOS*
Foi um dos intelectuais mais influentes do Brasil e, na década de 1990, sua pesquisa se concentrou na crítica à globalização
Nascido em Itú no interior de São Paulo em 1926, Octavio Ianni provinha de família humilde e pela necessidade de conciliar estudos e trabalho ingressou apenas aos 23 anos na turma de 1949 do curso de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo (USP). Enfrentando dificuldades financeiras teve que interromper a graduação por dois anos, período no qual trabalhou como tipógrafo na gráfica da Companhia Editora Nacional.
Somente após a abertura do curso no período noturno conseguiu terminar a graduação, em 1954. Tal realidade, próxima da vivência da maioria da população brasileira, era minoritária entre alunos e professores da USP entre os anos 1940-1950.
Desse contexto de superação algumas marcas que irão compor a personalidade do sociólogo que iria se tornar: a perseverança em enfrentar os obstáculos (materiais e intelectuais) e a opção pelas classes subalternas.
Teve participação importante em diferentes momentos da consolidação da sociologia no Brasil. Logo após a formatura, integrou a chamada Escola Paulista de Sociologia, expressão pela qual ficou conhecido o grupo de docentes-assistentes que se vincularam à cadeira de Sociologia I, dirigida por Florestan Fernandes fortemente marcada pela luta em favor do reconhecimento da profissão de sociólogo, pela institucionalização da pesquisa e pelas ações intelectuais de natureza claramente intervencionista.
Foi 1º secretário da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) entre 1960-1962 quando da presidência da entidade por Florestan Fernandes. Em paralelo, outro fato marcante iria se destacar e influenciar fortemente o percurso de Octavio Ianni: sua participação, entre 1958 e 1964, na primeira geração do famoso seminário de O capital, ou simplesmente Seminário Marx.
O grupo multidisciplinar de recém-professores era formado inicialmente por José Arthur Giannotti (Filosofia), Fernando Novais (História), Ruth Cardoso (Antropologia), Paul Singer (Economia), Octavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso (Sociologia) e dele também fizeram parte, com “estatuto de aprendizes”, alguns estudantes como Roberto Schwarz (Crítica Literária), Bento Prado Júnior (Filosofia), Francisco Weffort (Ciência Política) e Michael Löwy (Sociologia).
A influência do Seminário não tardou a se fazer presente nas formulações intelectuais do cientista social Octavio Ianni que introduziu pioneiramente na USP cursos sobre Marx e iniciou ali um processo fecundo de análise da realidade social brasileira a partir da perspectiva marxista. Como poucos soube utilizar, de forma consistente e totalizante, o método dialético, o materialismo histórico e a análise das classes sociais para elucidar – sem qualquer dogmatismo – temas caros à nossa realidade social.
Da mesma forma, participou do Centro de Sociologia Industrial e do Trabalho (Cesit), no período entre 1961 e 1962, que formulou uma agenda específica de estudos na área de sociologia política sobre o subdesenvolvimento, o Estado e as classes sociais no Brasil.
Para Octavio Ianni, o resultado direto da experiência do projeto Cesit foram algumas obras da sua sociologia crítica marcada por intervenções escritas “no calor da hora”, como Política e revolução social no Brasil (1965), organizada em parceria com Gabriel Cohn, Paul Singer e Francisco Weffort, e sua tese de livre docência O Estado e o desenvolvimento econômico defendida em 1964, assim como o clássico O colapso do populismo no Brasil (1968), elaborado na conjuntura de endurecimento da ditadura.
Aposentado arbitrariamente por ato baseado no Ato Institucional nº 5 (AI-5), foi alijado de suas funções docentes e de pesquisador na USP. Mais tarde, chegou a ser preso pela operação Tarrafa em abril de 1970.
Fez parte da equipe de pesquisadores do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), fundado em maio 1969 e do qual se tornou membro no início da década de 1970.
No centro de estudos e pesquisas produziu obras de destaque como Imperialismo na América Latina (1974), A formação do Estado populista na América Latina (1975), Escravidão e racismo (1978), Ditadura e agricultura (1979), a organização do livro Marx: sociologia (1979) e O ABC da classe operária (1980). No seu último ano como pesquisador no Cebrap produziu ainda o notável A ditadura do grande capital (1981).
Nos anos 1970 foi professor visitante e conferencista em universidades no México, Estados Unidos, Inglaterra, Espanha e Itália. Durante o seu exílio, sua produção alçou voos internacionais, tendo publicado nas línguas espanhola, italiana e inglesa. No retorno ao Brasil voltou a lecionar em 1977 na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) que se distinguiu como espaço de resistência à ditadura e abrigou nomes como Florestan Fernandes, Maurício Tragtenberg, Paulo Freire e Paul Singer e, em 1986 voltou à universidade pública como professor do Departamento de Sociologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Tanto na USP como na Unicamp recebeu o título de Professor Emérito, além dos títulos de professor Honoris Causa da Universidade de Buenos Aires (UBA) e pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Foi um dos intelectuais mais influentes do Brasil e, na década de 1990, sua pesquisa se concentrou na crítica à globalização, enquanto nova face do capitalismo “como modo de produção e processo civilizatório”. Desta última fase ganhou, ainda, dois prêmios Jabuti na categoria Ensaios com o livro A sociedade global (1992) e na categoria Ciências Humanas com o livro Teorias da globalização (1996).
Com o livro Enigmas da modernidade-mundo (2000) recebeu o prêmio de Ensaio, Crítica e História Literária da Academia Brasileira de Letras, assim como o Prêmio Juca Pato, da União Brasileira de Escritores, como intelectual do ano em 2000.
Sua biblioteca particular foi doada em 2002 ao Câmpus de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (Unesp) pelo próprio sociólogo e em 2003 recebeu o 1º prêmio Florestan Fernandes instituído pela SBS neste mesmo ano. Sua partida se deu em 2004 em São Paulo aos 77 anos.
Exemplo da vitalidade intelectual em que se encontrava, de forma póstuma foram publicados ainda três obras do autor que estavam em preparação: Capitalismo, violência e terrorismo (2004), Pensamento social no Brasil (2004) e A sociologia e o mundo moderno (2011).
*André da Rocha Santos é professor de sociologia no Instituto Federal de São Paulo (IFSP), Campus Registro.
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