Por WAGNER ROMÃO*
Sobre a revogação do título de “doutor honoris causa”, concedido pela Unicamp a Jarbas Passarinho em 1973
Na próxima terça-feira, 28 de setembro, o Conselho Universitário da Unicamp terá a chance de reparar uma decisão contrária à formação científica e cidadã que nossa Universidade tem a missão de transmitir a nossas e nossos estudantes e à sociedade.
Em 1973, no período mais violento da ditadura militar, a Unicamp concedeu ao então ministro da Educação, o coronel Jarbas Passarinho, o título de Doutor Honoris Causa.
O Estatuto da Unicamp, no capítulo “Dignidades Universitárias” prevê que sejam agraciadas com esse título “pessoas que tenham contribuído, de maneira notável, para o progresso das ciências, das letras ou das artes” e, ainda, “aos que tenham beneficiado, de forma excepcional, a humanidade ou tenham prestado relevantes serviços à Universidade”.
Além do coronel Passarinho, a Unicamp já agraciou com o Doutor Honoris Causa homens como os físicos Gleb Wataghin e Cesar Lattes, o professor Antonio Cândido de Mello e Souza, os escritores Mário Quintana e Ernesto Sábato, o político André Franco Montoro, o arquiteto Oscar Niemeyer, os bispos Dom Paulo Evaristo Arns e Dom Pedro Casaldáliga, o químico Otto Gottlieb, o médico Willy Jean Malaisse, o engenheiro Cristiano Amon, o marechal-do-ar Casimiro Montenegro Filho.
Apenas no mês passado, a demógrafa Elza Berquó se tornou a primeira mulher a receber o título, o que também deve nos causar revolta, tantas são as cientistas, artistas e literatas dignas deste título em nosso país e fora dele.
Todas essas pessoas são lembradas por sua dedicação às ciências, às artes, à universidade e à humanidade de modo mais geral. Não é o caso do coronel Passarinho.
Passarinho é lembrado por ter sido um dos artífices do Ato Institucional número 5, o “golpe dentro do golpe”, que escancarou o autoritarismo e a perseguição aos opositores da ditadura militar. Professores, técnicos-administrativos e estudantes foram perseguidos, aposentados compulsoriamente, exilados, torturados, assassinados. A universidade brasileira foi um dos principais alvos do AI-5.
O título foi proposto pelo reitor Zeferino Vaz na primeira sessão extraordinária do Conselho Diretor da Unicamp – ainda não existia o Conselho Universitário com sua diversidade de representações – no dia 30 de novembro de 1973. Cinco dias depois, Passarinho participaria de uma formatura na Unicamp como paraninfo de turma e lhe seria entregue o título.
Quem lê a ata da sessão acima citada, percebe como aquela homenagem “de ocasião” – feita às pressas, no contexto de um regime de exceção e numa universidade ainda frágil – era parte da estratégia de Zeferino Vaz para proteger a Unicamp, que ele estava construindo.
A concessão deste título a um herói da ditadura – que mandou “às favas os escrúpulos de consciência” na edição do AI-5 – marca um período de sombras na história da Universidade no Brasil, em que dirigentes das universidades concediam honrarias aos seus próprios algozes como estratégia de sobrevivência política.
É para que essa mácula não mais nos pese, para honrar as outras pessoas que já receberam o Doutor Honoris Causa pela Unicamp e pela afirmação da autonomia da Universidade pública brasileira – nestes tempos em que a democracia novamente é ameaçada por integrantes do poder central – que votarei a favor da revogação deste título.
*Wagner Romão é professor de ciência política e representante docente no Conselho Universitário da Unicamp.