Eleições à vista

Imagem: Elyeser Szturm
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

A situação no Oriente Médio fica extraordinariamente tensa, para a satisfação do regime neonazista que governa Israel, das monarquias bárbaras do Golfo Pérsico e dos dispersos gangsteres do derrotado Estado Islâmico

Por Atílio A. Boron*

Uma das primeiras lições que ensinam em todos os cursos sobre o sistema político nos Estados Unidos é que as guerras frequentemente revertem a popularidade em declínio dos presidentes. Com uma taxa de aprovação de Donald Trump de 45% em dezembro de 2019, os “déficits gêmeos” (comerciais e fiscais) crescendo descontroladamente, bem como a dívida pública e uma ameaça de julgamento político na Câmara, contra o qual os conselheiros e assessores da Casa Branca, certamente, recomendaram ao presidente que apele ao recurso tradicional e inicie uma guerra (ou uma operação militar de alto impacto) para reconstruir a sua popularidade e colocá-lo em uma posição melhor para enfrentar as próximas eleições de novembro desse ano.

Essa seria uma hipótese plausível para explicar o imoral e sangrento ataque que acabou com a vida de Qassem Soleimani, seguramente o general mais importante do Irã. Washington informou oficialmente que a operação foi explicitamente ordenada por Trump, com a covardia que peculiariza os ocupantes da Casa Branca – fãs de bombas sendo lançadas a milhares de quilômetros da Avenida da Pensilvânia, assim como da aniquilação de inimigos ou suspeitos de terrorismo por drones, manejados por alguns jovens moral e psicologicamente perturbados de algumas cavernas de Nevada. A imprensa encarregou-se de apresentar a vítima iraniana como um terrorista sem coração, que merecia morrer daquele torpe modo.

Com essa atitude criminosa a situação no Oriente Médio fica extraordinariamente tensa, para a satisfação do regime neonazista que governa Israel, das monarquias bárbaras do Golfo Pérsico e dos dispersos gangsteres do derrotado – graças à Rússia – Estado Islâmico. O cálculo perverso é que, nos próximos dias, a popularidade do magnata de Nova York começará a subir, quando o mecanismo de propaganda dos Estados Unidos for posto em marcha para embotar, pela enésima vez, a consciência da população. Como dissemos acima, esse apelo à guerra foi rotineiramente usado na história daquele país.

Como observado no ano passado pelo ex-presidente James Carter, os Estados Unidos estiveram em guerra por 222 anos dos seus 243 anos de vida independente. Isso não é coincidência, mas é devido à nefasta crença, profundamente enraizada após três séculos de lavagem cerebral, de que os Estados Unidos são a nação que Deus colocou na terra para levar as bandeiras da liberdade, justiça, democracia e dos direitos humanos para os cantos mais remotos do planeta. Não se trata de fazer um relato das guerras iniciadas para ajudar os presidentes em perigo eleitoral, mas convém trazer à baila um caso recente que também envolve o Iraque e cujo resultado foi diferente do esperado.

Com efeito, em 1990, o presidente George H. W. Bush (Bush pai) estava com problemas diante de sua reeleição. A operação “Causa Justa”, um nome adocicado para designar a invasão criminosa do Panamá, em dezembro de 1989, não teve o resultado desejado, pois não possuía o volume, a complexidade e a duração necessária para exercer um impacto decisivo na opinião pública.

Mais tarde, o Washington Post trouxe manchete na primeira página (16 de outubro de 1990) afirmando que a popularidade do presidente havia entrado em colapso, comentando que “alguns republicanos temem que o presidente se sinta forçado a iniciar hostilidades para impedir a erosão de sua popularidade”. Previsivelmente, os democratas triunfaram nas eleições intermediárias de novembro de 1990. Bush pai entendeu a mensagem e optou pelo antigo apelo: ele duplicou a presença militar dos EUA no Golfo Pérsico, mas sem declarar guerra.

Logo após a declaração de um dos principais conselheiros de Bush pai, John Sununu, dizendo, em palavras que caem como uma luva para entender a situação de hoje, que “uma guerra curta e bem-sucedida seria, politicamente falando, ouro em pó para o presidente e garantiria sua reeleição”. A invasão do Iraque no Kuwait ofereceu a Bush pai essa oportunidade: ir à guerra para “libertar” o pequeno Kuwait do jugo de seu vizinho arrogante. Em meados de janeiro de 1991, a Casa Branca lançou a operação “Tempestade no Deserto” contra o Iraque, um país já devastado por sanções econômicas e políticas e por sua longa guerra com o Irã, e contra um governante, Saddam Hussein, que já havia sido demonizado pela indigesta oligarquia da mídia mundial com a imperdoável complacência das “democracias ocidentais”.

Mas, ao contrário do esperado por seus conselheiros, Bush pai foi derrotado por Bill Clinton nas eleições de novembro de 1992. Quatro palavras resumiam a derrota: “É a economia, estúpido!”. Quem pode garantir que um resultado igual não possa se repetir desta vez? Isso, é claro, dito sem a menor esperança de que um eventual sucessor democrata do sátrapa de Nova York venha a ser mais favorável, ou menos terrível, para o futuro da humanidade. No entanto, temos certeza de que a “ordem internacional” construída pelos Estados Unidos e seus parceiros europeus exibe um estado avançado de putrefação.

Caso contrário, o silêncio cúmplice ou a condenação hipócrita, quando não a celebração aberta, dos aliados da Casa Branca e da chamada “imprensa livre”, em face de um crime perpetrado contra um alto chefe militar – não de um pretenso suspeito “terrorista” – de um país membro das Nações Unidas, sob as ordens do presidente dos Estados Unidos, em violação aberta da legalidade internacional e, inclusive, da Constituição e das leis dos EUA. Uma nova guerra aparece no horizonte, causada por Washington, invocando os pretextos habituais para encobrir suas insaciáveis ambições imperiais. O “complexo industrial militar” celebra com champanhe enquanto o mundo estremece com a tragédia que se avizinha.

*Atilio A. Boron é professor de Ciência Política da Universidade de Buenos Aires

Tradução: Roberto Bitencourt da Silva

Tradução publicada no site Jornal GGN

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Alexandre de Lima Castro Tranjan Atilio A. Boron João Feres Júnior Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Paulo Capel Narvai Michael Roberts Luiz Werneck Vianna Jean Marc Von Der Weid Daniel Brazil Milton Pinheiro João Sette Whitaker Ferreira Fábio Konder Comparato José Micaelson Lacerda Morais Armando Boito Eliziário Andrade Ricardo Musse Celso Favaretto Michael Löwy Eduardo Borges Anderson Alves Esteves Fernando Nogueira da Costa Matheus Silveira de Souza Lincoln Secco José Machado Moita Neto Marcelo Guimarães Lima Lucas Fiaschetti Estevez Marilia Pacheco Fiorillo Marjorie C. Marona Marcus Ianoni Manuel Domingos Neto Gilberto Maringoni Rubens Pinto Lyra Slavoj Žižek Paulo Fernandes Silveira Jorge Branco Maria Rita Kehl Plínio de Arruda Sampaio Jr. Valerio Arcary Marilena Chauí Rodrigo de Faria José Luís Fiori Claudio Katz Chico Whitaker Francisco Fernandes Ladeira Priscila Figueiredo Marcos Aurélio da Silva Henry Burnett Mário Maestri Tadeu Valadares Manchetômetro Julian Rodrigues Luis Felipe Miguel Eugênio Trivinho Ricardo Fabbrini Benicio Viero Schmidt Luiz Roberto Alves Eleonora Albano Andrew Korybko João Adolfo Hansen João Carlos Loebens Alysson Leandro Mascaro Luiz Bernardo Pericás Luiz Renato Martins Thomas Piketty Gilberto Lopes Ari Marcelo Solon Walnice Nogueira Galvão Samuel Kilsztajn Airton Paschoa Osvaldo Coggiola Yuri Martins-Fontes Michel Goulart da Silva Tales Ab'Sáber Ricardo Antunes Eleutério F. S. Prado Jorge Luiz Souto Maior Alexandre Aragão de Albuquerque Francisco de Oliveira Barros Júnior Flávio R. Kothe Otaviano Helene Juarez Guimarães Bernardo Ricupero João Lanari Bo Ronald Rocha Marcos Silva Andrés del Río Liszt Vieira Leonardo Boff Heraldo Campos Luís Fernando Vitagliano Renato Dagnino Anselm Jappe Leda Maria Paulani Antonio Martins Celso Frederico Gerson Almeida Everaldo de Oliveira Andrade Elias Jabbour Bruno Fabricio Alcebino da Silva Érico Andrade Fernão Pessoa Ramos Flávio Aguiar Ladislau Dowbor Afrânio Catani Chico Alencar Berenice Bento André Márcio Neves Soares João Carlos Salles José Raimundo Trindade José Dirceu Dennis Oliveira Lorenzo Vitral Paulo Martins Rafael R. Ioris Vanderlei Tenório Tarso Genro Henri Acselrad Jean Pierre Chauvin Alexandre de Freitas Barbosa Sergio Amadeu da Silveira José Costa Júnior Annateresa Fabris Vinício Carrilho Martinez Francisco Pereira de Farias Sandra Bitencourt Paulo Sérgio Pinheiro Denilson Cordeiro Marcelo Módolo Eugênio Bucci Carla Teixeira Bruno Machado Leonardo Avritzer Daniel Costa Carlos Tautz Kátia Gerab Baggio André Singer Luiz Carlos Bresser-Pereira José Geraldo Couto Boaventura de Sousa Santos Ricardo Abramovay Dênis de Moraes Luiz Marques João Paulo Ayub Fonseca Mariarosaria Fabris Luciano Nascimento Bento Prado Jr. Ronaldo Tadeu de Souza Gabriel Cohn Caio Bugiato Salem Nasser Vladimir Safatle Antônio Sales Rios Neto Paulo Nogueira Batista Jr Luiz Eduardo Soares Daniel Afonso da Silva Remy José Fontana Leonardo Sacramento Antonino Infranca Igor Felippe Santos Ronald León Núñez

NOVAS PUBLICAÇÕES