Por FRIEDRICH ENGELS*
Trecho do livro recém editado “Esboço para uma crítica da economia política e outros textos de juventude”
Meus senhores!
Na nossa última reunião fui criticado por ter tomado meus exemplos e minhas provas quase só de países estrangeiros, principalmente da Inglaterra. Disseram que a França e a Inglaterra não têm nada a ver conosco, que vivemos na Alemanha e que é assunto nosso provar a necessidade e a excelência do comunismo para a Alemanha. Ao mesmo tempo, fomos criticados por não termos deixado suficientemente clara a necessidade histórica do comunismo.
Isso está totalmente correto e não pudemos proceder de outra maneira. Não é possível provar uma necessidade histórica em um tempo tão curto como o que se leva para demonstrar a congruência de dois triângulos; ela só pode ser provada mediante o estudo e o aprofundamento em pressupostos amplos. No entanto, hoje quero dar a minha contribuição para desfazer essas duas críticas; vou tentar provar que o comunismo – caso não seja uma necessidade histórica – é uma necessidade econômica para a Alemanha.
Examinemos primeiramente a atual situação social da Alemanha. É de conhecimento geral que há muita pobreza entre nós. A Silésia e a Boêmia falaram por si mesmas. A respeito da pobreza na região em torno do rio Mosela e na região montanhosa da Eifel, a Rheinische Zeitung já relatou alguma coisa. Nos Montes Metalíferos [Erzgebirge] reina grande miséria desde tempos imemoriais. A situação não é melhor na região do rio Senne e nos distritos produtores de linho da Vestfália. De todas as regiões da Alemanha vêm as queixas, e nem seria de se esperar outra coisa. Nosso proletariado é numeroso e tem de sê-lo, como necessariamente perceberemos já pela análise mais superficial de nossa situação social.
Reside na natureza da coisa que, nos distritos industriais, tem de haver um proletariado numeroso. A indústria não consegue subsistir sem um grande número de trabalhadores que estejam inteiramente a sua disposição, que trabalhem exclusivamente para ela e renunciem a todo e qualquer outro ganha-pão; em um estado de concorrência, a ocupação industrial impossibilita qualquer outra ocupação. É por isso que, em todos os distritos industriais, encontramos um proletariado numeroso demais, evidente demais para ser negado.
– Em contraposição, muita gente afirma que, nos distritos agrícolas, não existiria proletariado. Mas como isso é possível? Nas regiões em que predomina o latifúndio tal proletariado é necessário, as grandes economias necessitam de servos e servas, não conseguem subsistir sem proletários. Nas regiões em que a grande propriedade é dividida em parcelas, tampouco é possível evitar o surgimento de uma classe despossuída; parcelam-se as propriedades até certo ponto e, a partir daí, cessa o parcelamento; e como só um da família poderá assumir a propriedade, os demais se tornarão proletários, trabalhadores sem posses. Nesses casos, o parcelamento costuma avançar até o ponto em que a propriedade é pequena demais para alimentar uma família, formando-se, então, uma classe de pessoas que, como a classe média das cidades, constitui a transição entre a classe possuidora e a classe despossuída, impedida de assumir outra ocupação por sua posse e, não obstante, incapaz de viver dela. Também nessa classe reina grande miséria.
Esse proletariado necessariamente aumentará, o que nos é confirmado pelo empobrecimento crescente das classes médias, sobre o qual falei extensamente há oito dias, e pela tendência do capital de se concentrar em poucas mãos. Certamente não preciso retomar esses pontos hoje e observo somente que essas causas que continuamente geram e multiplicam o proletariado permanecerão as mesmas e trarão as mesmas consequências, enquanto houver concorrência.
Sob todas as circunstâncias o proletariado não só necessariamente continuará existindo, mas também se expandirá continuamente, tornando-se um poder cada vez mais ameaçador em nossa sociedade, enquanto continuarmos a produzir cada um por sua conta e em oposição aos demais. Porém, o proletariado alcançará um estágio de poder e compreensão em que não mais tolerará que o peso de todo o edifício social repouse permanentemente sobre seus ombros, em que exigirá uma repartição mais homogênea dos ônus e dos direitos sociais; e então – caso a natureza humana não se modifique até lá – não será mais possível evitar uma revolução social.
Essa questão ainda nem foi abordada pelos nossos economistas. Eles não se preocupam com a distribuição, mas só com a geração da riqueza nacional. No entanto, vamos abstrair por um momento do fato de que, como vimos, uma revolução social em si já é consequência da concorrência; vamos examinar as formas individuais em que ocorre a concorrência, as diferentes possibilidades econômicas para a Alemanha, e verificar qual é a consequência necessária de cada uma.
A Alemanha, ou melhor, a União Aduaneira Alemã tem no momento uma tarifa do tipo juste-milieu. Nossas tarifas alfandegárias são muito baixas para ser tarifas de proteção e altas demais para possibilitar a liberdade de comércio. Desse modo, apresentam-se três possibilidades: ou passamos a adotar a plena liberdade de comércio, ou protegemos nossa indústria com tarifas suficientes, ou mantemos o atual sistema. Verifiquemos cada um dos casos.
Se proclamarmos a liberdade de comércio e revogarmos nossas tarifas, toda a nossa indústria, com exceção de poucos ramos, estaria arruinada. Nesse caso, não haveria mais a nossa fiação de algodão, a tecelagem mecânica, a maior parte dos ramos da indústria do algodão e da lã, ramos importantes da indústria da seda, quase a totalidade da extração e do processamento de ferro. Os trabalhadores que subitamente perderiam seu ganha-pão em todos esses ramos se lançariam em massa sobre a agricultura e as ruínas da indústria, o pauperismo brotaria do chão em toda parte, a concentração da posse nas mãos de poucos seria acelerada por essa crise e, a julgar pelos eventos na Silésia, a consequência dessa crise seria uma revolução social.
Ou instituímos tarifas de proteção. Estas se tornaram recentemente o centro das atenções da maioria de nossos industriais e, por isso, merecem uma análise mais detida. O senhor List sistematizou os desejos de nossos capitalistas e vou me ater a esse sistema adotado como credo por quase todos eles. O senhor List propõe tarifas de proteção gradualmente crescentes que, por fim, atingem um patamar suficientemente alto para assegurar aos fabricantes o mercado interno; as tarifas deverão permanecer por um tempo nesse patamar elevado e depois, gradualmente, voltarão a ser reduzidas, de modo que, por fim, após uma série de anos, toda a proteção cessa. Suponhamos que esse plano seja executado, que as tarifas alfandegárias crescentes sejam decretadas.
A indústria se erguerá, o capital ocioso se lançará sobre os empreendimentos industriais, a demanda por trabalhadores crescerá e com ela o salário aumentará, os abrigos de pobres se esvaziarão e tudo indicará o início de uma situação de florescimento da economia. Isso durará até que a nossa indústria tenha se expandido o suficiente para suprir o mercado interno. Para além disso ela não poderá se expandir, pois como não consegue assegurar nem o mercado interno sem proteção, não conseguirá nada em mercados neutros contra a concorrência estrangeira. Esse é o momento, na opinião do senhor List, em que a indústria doméstica já estará forte o suficiente para poder tanta proteção, e a redução [de tarifas] poderia começar.
Concedamos isso por um momento. As tarifas são reduzidas. Caso não aconteça na primeira redução de tarifas, na segunda ou terceira a proteção certamente atingirá um nível tão baixo que a indústria estrangeira, vamos dizer logo a indústria inglesa, poderá concorrer com a nossa no mercado alemão. O senhor List deseja exatamente isso. Mas quais serão as consequências disso? A partir desse momento, a indústria alemã terá de aguentar todas as oscilações e crises da indústria inglesa.
Assim que os mercados de além-mar estiverem saturados de mercadorias inglesas, os ingleses farão o que estão fazendo agora, e que o senhor List descreve de maneira tão emocionante, ou seja, lançarão todos os seus estoques no mercado alemão por ser o mais acessível e, assim, voltarão a converter a União aduaneira em seu “armazém de quinquilharias”. A indústria inglesa logo se reerguerá, porque terá o mundo inteiro como mercado e porque o mundo inteiro não poderá prescindir dela, ao passo que a indústria alemã não será indispensável nem para o seu mercado e deverá temer a concorrência dos ingleses em sua própria casa, padecendo com o excesso de mercadorias inglesas oferecidas aos seus consumidores durante a crise.
Então a nossa indústria terá de sorver até a última gota todos os períodos ruins da indústria inglesa, ao passo que poderá participar apenas modestamente de seus períodos de glória – em suma, estaremos no mesmo ponto em que estamos agora. E, para chegar logo ao resultado final, haverá o mesmo estado deprimido em que agora se encontram os ramos semiprotegidos, em seguida um estabelecimento após o outro quebrará sem que novos surjam, nossas máquinas ficarão obsoletas sem que tenhamos condições de substituí-las por novas e melhores, a paralisação se converterá em retrocesso e, segundo a afirmação do próprio senhor List, um ramo industrial após o outro se deteriorará e, por fim, desaparecerá. Mas, então, teremos um proletariado numeroso criado pela indústria, um proletariado privado de seus meios de vida, de seu trabalho; e então, meus senhores, esse proletariado exigirá que a classe possuidora lhe proporcione trabalho e o alimente.
É isso que acontecerá se as tarifas de proteção forem reduzidas. Suponhamos que não sejam reduzidas, que permaneçam como estão, à espera de que a concorrência entre os fabricantes domésticos as torne ilusórias para que então diminuam. A consequência disso será esta: a indústria alemã estacionará assim que tiver condições de suprir completamente o mercado interno. Novos estabelecimentos não serão necessários, dado que os existentes serão suficientes para suprir o mercado, e novos mercados, como já foi dito, estão fora de cogitação enquanto se necessitar de proteção.
Porém, uma indústria que não se expande mais tampouco poderá se aperfeiçoar. Ela estacionará tanto para fora quanto para dentro. O melhoramento da maquinaria não existirá para ela. Não se poderá jogar fora as velhas máquinas e não se encontrarão estabelecimentos que possam fazer uso das novas. Enquanto isso, as outras nações avançarão e a paralisação de nossa indústria representará mais um retrocesso.
Logo os ingleses estarão capacitados por seu progresso a produzir tão barato que poderão concorrer em nosso mercado com a nossa indústria atrasada apesar das tarifas de proteção e, dado que, na guerra da concorrência, como em qualquer guerra, o mais forte vence, nossa derrota definitiva é certa. Então, a situação será a mesma que descrevi há pouco: o proletariado artificialmente gerado exigirá dos que têm posses algo que eles não poderão fazer, enquanto quiserem permanecer exclusivamente possuidores, e haverá a revolução social. Agora ainda há uma possibilidade, a saber, o caso muito improvável de que nós, alemães, consigamos, com a ajuda das tarifas de proteção, fazer com que a nossa indústria seja capaz de concorrer contra os ingleses sem proteção.
Suponhamos que isso ocorra; qual será a consequência disso? Assim que começarmos a concorrer com os ingleses em mercados estrangeiros, neutros, será deflagrada uma guerra de vida ou morte entre a nossa indústria e a indústria inglesa. Os ingleses farão o que estiver ao seu alcance para nos manter afastados dos mercados até agora supridos por eles; eles terão de fazer isso porque estarão sendo atacados em sua fonte de vida, no ponto mais vulnerável. E com todos os meios que têm à disposição, com todas as vantagens de uma indústria centenária, eles conseguirão nos derrotar.
Eles manterão a nossa indústria restrita ao nosso mercado e farão com que fique estacionada ali – então acontecerá o mesmo que foi explicitado há pouco: nós estacionaremos, os ingleses avançarão e a nossa indústria, na sua decadência inevitável, não será capaz de alimentar o proletariado artificialmente gerado; haverá a revolução social.
Supondo, porém, que consigamos vencer os ingleses em mercados neutros, apropriando-nos de seus canais de deságue, um a um; o que teríamos ganhado nesse caso praticamente impossível? Na melhor das hipóteses, faríamos o mesmo percurso industrial que a Inglaterra fez antes de nós e, cedo ou tarde, chegaríamos ao ponto em que a Inglaterra se encontra agora, a saber, às vésperas de uma revolução social. Mas é bem provável que nem demoraria tanto. As constantes vitórias da indústria alemã necessariamente arruinariam a indústria inglesa, o que só aceleraria o iminente levante maciço do proletariado contra as classes possuidoras inglesas.
A falta de alimento que rapidamente se instalaria impeliria os trabalhadores ingleses à revolução e, no estado em que as coisas estão agora, tal revolução social teria uma tremenda repercussão nos países do continente, principalmente na França e na Alemanha, que seria ainda mais forte se tivesse sido gerado um proletariado artificial pela indústria intensificada na Alemanha. Tal revolução logo assumiria dimensões europeias e perturbaria indelicadamente os sonhos de nossos fabricantes a respeito de um monopólio industrial da Alemanha.
Mas a possibilidade de que a indústria inglesa e a alemã subsistam lado a lado já é interditada pelo princípio da concorrência. Repito que toda indústria tem de avançar para não ficar para trás e desaparecer; ela precisa se expandir, conquistar novos mercados, e, para poder avançar, precisa continuamente ser incrementada por meio de novos estabelecimentos. Porém, dado que, desde a abertura da China, não se conquistaram mais novos mercados, somente se explorou melhor os já existentes, ou seja, dado que no futuro a expansão da indústria será mais lenta do que até agora, de agora em diante a Inglaterra poderá tolerar muito menos um concorrente do que foi o caso até agora. Para proteger sua indústria do declínio, ela precisa refrear a indústria de todos os outros países; para a Inglaterra, assegurar o monopólio industrial deixou de ser uma questão de mais ou menos lucro e se tornou uma questão de sobrevivência.
De qualquer modo, a guerra da concorrência entre nações já é bem mais violenta, bem mais decisiva do que a guerra entre indivíduos, porque é uma guerra concentrada, uma guerra de massas, que só pode terminar com a vitória cabal de uma parte e a derrota cabal da outra. Por isso mesmo, uma guerra dessas entre nós e os ingleses, seja qual for o resultado, não seria vantajosa nem para os nossos industriais nem para os ingleses, mas, como explicitei há pouco, somente acarretaria uma revolução social.
Meus senhores, de acordo com isso, vimos o que a Alemanha pode esperar tanto da liberdade comercial quanto do sistema de proteção em todos os casos possíveis. Nós ainda teríamos uma possibilidade econômica, a saber, manter as tarifas alfandegárias do juste-milieu atualmente vigentes. Porém vimos anteriormente quais seriam as consequências disso. Nossa indústria fatalmente sucumbiria, ramo após ramo, os trabalhadores da indústria perderiam seu ganha-pão e, quando a falta de pão atingisse certo grau, se lançariam numa revolução contra as classes possuidoras.
Portanto, os senhores veem se confirmar, também no detalhe, o que explicitei no início, partindo da concorrência em geral, a saber, que a consequência inevitável das relações sociais vigentes entre nós, sob todas as condições e em todos os casos, será uma revolução social. Com a mesma certeza com que, a partir de princípios matemáticos estabelecidos, podemos desenvolver um novo teorema, podemos também deduzir das relações econômicas vigentes e dos princípios da economia política uma iminente revolução social.
No entanto, examinemos mais de perto essa revolução: de que forma ela ocorrerá, quais serão seus resultados, em que se diferenciará das revoluções violentas ocorridas até agora? Uma revolução social, meus senhores, é algo bem diferente das revoluções políticas que tivemos até agora; ela não se volta, como estas últimas, contra a propriedade do monopólio, mas contra o monopólio de propriedade; uma revolução social, meus senhores, é uma guerra franca dos pobres contra os ricos. E uma guerra como essa, na qual entram em ação franca e aberta todos os impulsos e todas as causas que, nos conflitos históricos que tivemos até agora, formavam obscura e dissimuladamente a sua base, uma guerra como essa de fato ameaça ser mais violenta e sangrenta do que todas as suas predecessoras.
O resultado dessa guerra pode ser duplo. Ou o partido que se rebela ataca apenas a aparência e não a essência, apenas a forma e não a coisa em si, ou ele visa a coisa em si e ataca o mal pela raiz. No primeiro caso, a propriedade privada continuará existindo e apenas será repartida de maneira diferente, de modo que continuarão existindo as causas que acarretaram o atual estado de coisas e, cedo ou tarde, necessariamente voltarão a acarretar um estado de coisas parecido e uma nova revolução. Mas, meus senhores, isso seria possível?
Onde se acha uma revolução que não tenha realmente imposto o princípio do qual partiu? A revolução inglesa impôs tanto os princípios religiosos quanto os políticos que levaram Carlos I a combatê-los; a burguesia francesa, em sua guerra contra a nobreza e a velha monarquia, conquistou tudo o que desejava, pôs fim a todos os abusos que a levaram à revolta. E a revolta dos pobres deveria cessar antes de abolir a pobreza e suas causas? Isso não é possível, meus senhores, pois supor algo assim contrariaria toda a experiência histórica. O nível de formação do trabalhador, especialmente na Inglaterra e na França, também não nos permite admitir essa possibilidade.
Não resta nada além da alternativa, a saber, que a futura revolução social também atacará as causas reais da necessidade e da pobreza, da insciência e do crime, e que ela, portanto, implementará uma reforma social real. E isso só poderá ocorrer mediante a proclamação do princípio comunista. Observem só, meus senhores, as ideias que movem o trabalhador em países nos quais o trabalhador também pensa; vejam na França as diferentes facções do movimento dos trabalhadores e me digam se não são todas comunistas; vão para a Inglaterra e ouçam as propostas que são feitas aos trabalhadores para melhorar sua situação e me digam se não estão todas baseadas no princípio da propriedade comunitária; estudem os diversos sistemas de reforma social e vejam quantos dos que encontrarem não são comunistas?
De todos os sistemas que hoje ainda têm alguma importância, o único não comunista é o de Fourier, que voltou sua atenção mais para a organização social da atividade humana do que para a distribuição de seus produtos. Todos esses fatos justificam a conclusão de que uma futura revolução social terminará na execução do princípio comunista e dificilmente admitirá outra possibilidade.
Se essas inferências estiverem corretas, meus senhores, a revolução social e o comunismo prático será o resultado necessário das relações vigentes –, assim sendo, teremos de nos ocupar, antes de tudo, das medidas que permitirão evitar uma revolução violenta e sangrenta das condições sociais. E há somente um meio para isso, a saber, a introdução pacífica ou, pelo menos, a preparação do comunismo. Portanto, se não quisermos a solução sangrenta do problema social, se não quisermos que a contradição cada dia maior entre a formação e a condição de vida dos nossos proletários atinja seu clímax, no qual, segundo todas as experiências que temos da natureza humana, o que resolverá esse contraste é a brutalidade, o desespero e a sede de vingança, então, meus senhores, temos de nos ocupar seriamente e sem preconceitos da questão social; então temos de encarar como assunto nosso contribuir para a humanização da situação dos hilotas modernos.
E se talvez, a alguns de vocês, possa parecer que a elevação da condição social das classes até agora humilhadas não poderia acontecer sem o rebaixamento de sua condição de vida, ponderem que se trata de criar essa condição de vida para todos os seres humanos, que todos possam desenvolver livremente sua natureza humana, viver com seu próximo em relações humanizadas, sem precisar temer um abalo violento de sua condição de vida; ponderem que aquilo que alguns indivíduos deverão sacrificar não é a fruição verdadeiramente humana da vida, mas apenas a aparência de fruição da vida gerada por nossas condições perversas, algo que contraria a própria razão e o próprio coração daqueles que agora se alegram com essas aparentes prerrogativas.
De modo nenhum queremos destruir a vida verdadeiramente humana com todos os seus condicionamentos e suas necessidades, tanto é que, pelo contrário, desejamos estabelecê-la como tal. E se os senhores, mesmo abstraindo disso, apenas quiserem ponderar no que forçosamente desembocará nosso atual estado de coisas, a que labirinto de contradições e desordens ele nos levará, então os senhores certamente considerarão que vale a pena estudar a questão social de maneira séria e profunda. E se eu puder motivá-los a fazer isso, o propósito da minha palestra terá sido inteiramente alcançado.
*Friedrich Engels (1820-1895), teórico e ativista socialista/comunista, é autor, entre outros livros de A origem da família, da propriedade privada e do Estado (Boitempo).
Referência
Friedrich Engels. Esboço para uma crítica da economia política e outros textos de juventude. Tradução: Nélio Schneider. São Paulo, Boitempo, 2021, 292 págs.