Por RODRIGO DE CARVALHO*
Qual sistema social e político pode oferecer as melhores condições para o brasileiro se desenvolver?
“O método democrático é um sistema institucional, para a tomada de decisões políticas, no qual o indivíduo adquire o poder de decidir mediante uma luta competitiva pelos votos do eleitor” (Joseph Schumpeter, Capitalismo, socialismo e democracia).
As eleições de 2022 reforçam o sistema político brasileiro, de caráter liberal democrático, com ampla participação popular. Temos um sistema de apuração de votos por meio de urnas eletrônicas, que, apesar do questionamento de um grupo político determinado, se demonstrou confiável, seguro e ágil.
As democracias têm por pressuposto fundamental o reconhecimento e a obediência por parte dos indivíduos, partidos e alianças ou grupos políticos organizados num determinado período histórico às regras estabelecidas, segundo as quais, mediante o pleito, são considerados vencedores os que arregimentam o maior número de votos.
Na literatura das ciências políticas e jurídicas, pensadores como Norberto Bobbio (2018), Robert Dahl (2001) e Joseph Schumpeter (1961), mesmo que constituídos de contribuições distintas sobre os sistemas democráticos, convergem para o princípio de que é preciso ter regras e normas bem estabelecidas e reconhecidas e o respeito ao processo de escolha das representações, em que se constitui maioria política para implementação de determinados programas, passando o grupo que obtém maior votação a exercer o poder político principal.
As urnas eletrônicas e o questionamento das regras eleitorais
O presidente Jair Bolsonaro (PL), eleito em 2018 através das urnas eletrônicas, foi o principal personagem a questionar essa metodologia. Para o presidente da República, as urnas eletrônicas não são confiáveis porque a forma de aferição do resultado eleitoral não conta com a impressão do voto. Jair Bolsonaro passou a defender como bandeira de reinvindicação “urnas eletrônicas auditáveis”. Essa proposta foi apresentada na Câmara Federal pela deputada Bia Kicis (PL/DF) através da PEC 135/19 em que “Acrescenta o § 12 ao art. 14, da Constituição Federal, dispondo que, na votação e apuração de eleições, plebiscitos e referendos, seja obrigatória a expedição de cédulas físicas, conferíveis pelo eleitor, a serem depositadas em urnas indevassáveis, para fins de auditoria”. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2019). A proposta foi rejeitada no Plenário da Câmara em agosto de 2021.
Em pesquisa o Datafolha acompanhou a opinião popular sobre a confiabilidade da urna eletrônica por intermédio de pesquisas realizadas entre dezembro de 2020 e julho de 2022. Por quatro ocasiões houve variações importantes, cada período influenciado pelo debate de momento. Em dezembro de 2020 os que consideravam a urna eletrônica muito confiável somaram 33%; os que consideravam um pouco confiável foram 36%; os que não confiam eram 29% e não souberam ficaram em 2%. Em março de 2022, muito confiável: 47%; um pouco confiável: 35%; não confiavam: 17% e não souberam: 1%. Em maio de 2022, muito confiável: 42%; um pouco confiável: 31%; não confiavam: 24%; e não souberam: 2%. Finalmente, na última rodada da pesquisa sobre as urnas eletrônicas, realizada em julho de 2022, os dados ficaram em: muito confiável: 47%; um pouco confiável: 32%; não confiavam: 20% e não souberam: 1% (DATAFOLHA, 2022). A seguir, na Tabela 1, apresentamos os dados de maior relevância, para este trabalho, sistematizados.
Tabela 1: Resumo da pesquisa Datafolha sobre pesquisa confiança nas urnas eletrônicas
Período | Confia | Não Confia | Não sabe |
DEZ 2020 | 69% | 29% | 2% |
MAR 2022 | 82% | 17% | 1% |
MAI 2022 | 73% | 24% | 2% |
JUL 2022 | 79% | 20% | 1% |
Fonte: DATAFOLHA, 2022, in: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/07/30/datafolha-confianca-dos-brasileiros-nas-urnas-eletronicas-cresce-de-73percent-para-79percent.ghtml
A confiança nas urnas eletrônicas foi expressa por ampla maioria da sociedade brasileira, como visto em pesquisa recente e, principalmente, na manifestação do voto e seu resultado.
Quando o presidente Jair Bolsonaro questiona a urna eletrônica, na verdade, ele confronta a lei eleitoral e isso criou durante todo o seu mandato certa instabilidade no regime democrático brasileiro.
O momento mais delicado desse questionamento se deu na comemoração do 7 de setembro de 2021, na cidade de São Paulo, o presidente Bolsonaro fez um discurso considerado desproporcional com a função que exerce. O presidente atacou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e colocou em dúvida o sistema eleitoral brasileiro.
Em uma parte de seu discurso o presidente Bolsonaro disse: “[…] temos um ministro do Supremo que ousa continuar fazendo aquilo que nós não admitimos. Ou esse ministro se enquadra ou ele pede para sair… dizer a esse indivíduo que ele tem tempo ainda para se redimir. Tem tempo ainda para arquivar seus inquéritos. Ou melhor, acabou o tempo dele. Sai, Alexandre de Moraes. Deixa de ser canalha… qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou” (PODER 360, 2021, online).
Ainda no discurso de 7 de setembro de 2021, o presidente Jair Bolsonaro fez um conjunto de ataques às urnas eletrônicas e ameaças ao processo eleitoral de 2022. Em determinado momento de seu discurso, Bolsonaro fez as seguintes afirmações: “Dizer mais a vocês, nós acreditamos e queremos a democracia, a alma da democracia é o voto. Não podemos admitir um sistema eleitoral que não oferece qualquer segurança por ocasião das eleições. Dizer também que não é uma pessoa do Tribunal Superior Eleitoral que vai nos dizer que esse processo é seguro e confiável porque não é”(PODER 360, 2021, online).
Essa instabilidade provocou dúvidas importantes causadas pelo presidente da República, mas a principal delas é a do real compromisso desse grupo político de extrema direita com a democracia.
Durante o mandato de Jair Bolsonaro não foram poucas as manifestações de desprezo para com as regras do sistema político e eleitoral brasileiro. O jornalista Merval Pereira lembrou em sua coluna Petista tem de virar o jogo do papel que o presidente desempenhou ao estimular manifestações diante dos quarteis do Exército e o estímulo à bandeira da intervenção militar. O jornalista registra: “[Bolsonaro] Não teve o apoio dos militares em nenhum dos momentos cruciais que provocou, cujos destaques foram as comemorações do 7 de setembro.” (PEREIRA, 2022, p. 2). Bolsonaro não foi adiante numa tentativa de ruptura institucional porque não teve correlação de forças na sociedade e nas instituições militares a seu favor.
O colunista do jornal O Globo, Pablo Ortellado foi além nas críticas ao governo e à extrema direita, no artigo “A estratégia golpista” afirma que houve uma tentativa de golpe após o resultado das urnas: “Sem nenhuma surpresa, Jair Bolsonaro reagiu à derrota com uma ardilosa trama golpista que, ao que tudo indica, está fracassada. A estratégia tem até agora três etapas. A primeira foram os bloqueios de estradas com o apoio dos caminhoneiros e conivência, quando não apoio, da Polícia Rodoviária Federal (PRF). A segunda foram as manifestações em frente aos quartéis pedindo “intervenção federal”. A terceira que se anuncia agora, é uma “greve” – na verdade um locaute” (ORTELLADO, 2022, p. 3).
A transição democrática através da formação dos grupos do governo cessante e o eleito é um marco político civilizatório importante, uma das boas heranças do governo Fernando Henrique Cardoso. A superação do ambiente eleitoral é fundamental para o bom funcionamento das instituições brasileiras. Não haver dúvidas sobre a legitimidade das leis que estabelecem o regime eleitoral é parte central de nossa democracia. E o papel das Forças Armadas em ambiente tão delicado demonstra maturidade e consolidação do Estado brasileiro.
Ainda sobre as urnas eletrônicas, o advento desse modelo valorizou a participação popular nas eleições. A partir de 1996 foram feitas as primeiras votações através desse sistema eletrônico que configurou como o mais capacitado para se evitar fraudes, ágil e prático. O modelo que foi capaz de qualificar o voto, pois, a partir de sua adoção o aproveitamento do voto válido saltou exponencialmente.
Em 1994, quando ainda não havia a urna eletrônica, tomando por parâmetro o estado de São Paulo, os votos para presidente da República somaram 84,56%, nulos 9,53%, brancos 5,91%. Para o governo do estado foram 76,22% dos votos válidos, 9,39% nulos e 14,38% brancos. O mais importante na mudança de padrão do aproveitamento do voto é a expressão dos votos proporcionais. Para deputados federais foram 57,86% de votos válidos, 30,16% para votos nulos e 11,98% votos em branco. Para deputados estaduais foram 58,79% dos votos válidos, 28,13% votos nulos e 13,08% de votos brancos. Nessa eleição a abstenção foi de 11,37% (CARVALHO; CHAIA; COELHO, 2015, p. 49).
Em 1998, a eleição em que a maioria dos eleitores já podia utilizar o voto eletrônico a mudança qualitativa foi sentida. Tomando por parâmetro o mesmo eleitorado do estado de São Paulo, pode-se considerar o advento da urna eletrônica como um sucesso. Os votos válidos para presidente da República ampliaram-se para 83,50%, nulos 10,18% e brancos 6,31%. Para o governo de estado foram 85,31% dos votos válidos, 7,15% de nulos e 7,52% brancos. Para deputados federais a mudança foi significativa, sendo 80,16% dos votos válidos, 9,88% nulos e 9,95% brancos. Deputados estaduais seguiram a mesma lógica com 80,89% votos válidos, 9,47% de votos nulos e 9,63% de votos em branco. A abstenção foi de 16,51%. (CARVALHO; CHAIA; COELHO, 2015, p. 49).
Em 2002, o salto qualitativo se ampliou e tivemos no estado de São Paulo 91,56% dos votos válidos para presidente da República, 5,10% nulos e 3,32% brancos. Para governador foram 90,90% dos votos válidos, 4,95% nulos e 4,13% em branco. Para deputados federais extraordinários 90,95% de votos válidos, 3,53% de nulos e 5,51% de votos brancos. Para deputados estaduais, seguiu-se a mesma linha com 90,68% dos votos válidos, 3,48% dos votos nulos e 5,83% dos votos em branco. A abstenção foi de 15,93% dos votos (CARVALHO; CHAIA; COELHO, p. 49).
Para finalizarmos esse método comparativo, tomemos por base a eleição de 2022, 20 anos após o início do completo processo de uso das urnas eletrônicas no Brasil. Novamente, como referência o recorte do estado de São Paulo. Para presidente da República tivemos 94,36% de votos válidos, somados a 3,54% de votos nulos e 2,10% de votos brancos. Para o governo estadual foram 86,02% de votos válidos, 7,92% de votos nulos e 6,06% de votos em branco. Para deputados federais foram 87,49% de votos válidos, 5,42% de votos nulos e 7,09% de votos em branco. Para deputados estaduais foram 85,82% de votos válidos, 5,92% de votos nulos e outros 8,26% de votos em branco. Os ausentes somaram 21,63% dos eleitores paulistas. (ELEIÇÕES 2022, 2022, online).
É muito importante evidenciarmos a eficiência do voto eletrônico como demonstração objetiva da vontade popular e a manifestação livre e democrática do povo e suas escolhas.
O comparecimento na urna e as abstenções do eleitorado
O cientista político Jairo Nicolau (2012) registra que o Brasil é a quarta maior democracia no mundo, perdendo apenas para a Índia, EUA e Indonésia. Se atualizarmos essa interpretação para os modelos culturais mais próximos, considerando nossa democracia como liberal, representativa e ocidental, somos a segunda maior democracia do mundo.
O brasileiro gosta de votar! No país do futebol, o debate acalorado compara-se ao de torcidas organizadas. O brasileiro gosta de dar opinião! Numa democracia ampla e imperfeita, expressam-se as mais variadas teses para justificarem suas decisões. O povo tem a percepção dos lados que estão em jogo, das ideias dos candidatos e candidatas, há certa consciência das escolhas que estão fazendo.
Diferente das opiniões propagadas por alguns cientistas políticos e juristas entre o 1º e o 2º turnos das eleições de 2022 sobre as abstenções como determinantes para o resultado eleitoral. Também não é possível definir que essas foram determinantes para um resultado nas urnas diferente de algumas pesquisas onde se identificava vitória do candidato Luís Inácio Lula da Silva no 1º turno.
O cientista político Antonio Lavareda faz o seguinte diagnóstico sobre as pesquisas eleitorais após o 2º turno: “(…).[As pesquisas] não lograram apreender a provável abstenção, que prejudicava notadamente o candidato Lula, pela grande concentração de seus eleitores na base da pirâmide social”. (LAVAREDA, 2022). Em seguida, Antonio Lavareda registra que aplicando um método adaptado ao de Perry-Gallup, em que são subtraídos os eleitores que podem não ir às urnas, identificou-se que a margem da vitória de Lula seria ainda mais estreita.
Se observarmos as abstenções de 2022, no 1º e 2º turnos, foram os mesmos 79,05%, com uma diferença total mínima. Portanto, historicamente o mesmo número significa uma diminuição de abstenções no 2º turno, sempre comparado com as eleições anteriores, onde o aumento de ausentes ficava entre 1% e 2% a mais de um turno para outro. E o resultado foi de uma eleição muito apertada com uma diferença de menos de 2% de Lula para Jair Bolsonaro. Os fatores da polarização política e o uso da máquina estatal oferecem elementos mais precisos para o resultado eleitoral.
Em levantamento mais amplo, desde a redemocratização nos anos 1980, com exceção da eleição de 1989, na qual o comparecimento foi extraordinário, a estabilidade do comparecimento do eleitorado fica em torno de 81% no 1º turno e 79% no 2º. A seguir, apresentamos a tabela comparativa de comparecimento às urnas, ano a ano, incluindo a eleição de 1989 e as eleições de 1994 e 1998, nas quais não houve 2º turno (Tabela 2).
Tabela 2: Histórico de votos válidos
Ano | 1º Turno | 2º Turno |
1989 | 88,08% | 85,61% |
1994 | 81,20% | – |
1998 | 81,30% | — |
2002 | 82,26% | 79,53% |
2006 | 83,25% | 81,06% |
2010 | 81,88% | 78,50% |
2014 | 80,61% | 78,90% |
2018 | 79,67% | 78,70% |
2022 | 79,05% | 79,05% |
Fonte: Wikipedia (2022, 2018; 2014; 2010; 2006; 2002; 1998; 1994; 1989). Elaboração do autor.
O comparecimento às urnas em 2022 foi o maior desde a eleição de 2006. Isso se deve a três fatores: (i) a polarização política e o interesse do eleitorado em participar da eleição; (ii) uma campanha intensa dos candidatos e do TSE para o eleitor votar; e (iii) a decisão nas principais capitais e cidades do país em oferecer transporte gratuito para a população se deslocar.
Uma explicação primeira para o índice de comparecimento ser tão elevado é a obrigatoriedade do voto. Contudo, essa não deve ser a única explicação, já que a multa para quem não vota ou justifica ausência varia entre R$ 1,05 e R$ 3,51, podendo ser paga por boleto bancário, cartão ou Pix, o que facilita muito para o cidadão estar em dia com suas obrigações cívicas.
A obrigatoriedade do voto é muito questionada nos meios políticos e jurídicos porque se considera que não há plena democracia sem considerar o direito de quem não quer votar.
Esse é um debate de longa data e com muitas variáveis, pois o voto obrigatório faz parte do conjunto de obrigações cívicas e ratificado pela Constituição de 1988. O principal argumento pela obrigatoriedade é o de que, ao contrário do argumento de ser facultativo, é esse modelo que, de fato, fortalece a democracia. Desde o fim da ditadura militar, a participação popular tem sido fundamental para a sustentação do regime democrático.
Para efeito comparativo em relação a outros países democráticos ocidentais onde o voto é facultativo, a diferença da participação popular é muito grande. Nos EUA, primeiro ocorre o registro para se votar, onde 21% da população apta a votar não se registrou, e dos registrados apenas 66,7% compareceram na eleição de 2020 na eleição de Joe Biden para presidente da República (CONJUR, 2020). Na eleição de 2022 na França, cujo vitorioso para primeiro-ministro foi Emmanuel Macron, apenas 63,23% de comparecimento popular (PODER 360, 2022). E na Itália, em recente eleição para primeiro ministro, 63,91% de comparecimento do eleitorado, elegendo a ultradireitista Giorgia Meloni (R7, 2022).
O Brasil teve o menor índice da participação em urna com 78,5% no 2º turno da eleição de 2010, ainda assim com número significativamente maior que o atingido pelos europeus e os EUA. Portanto, a participação popular brasileira é significativa, com amplitude e respeito às regras estabelecidas.
As eleições no Brasil
A democracia no Brasil passou por um período de provação importante iniciado em 2016, quando ocorreu o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), acusada de crime de responsabilidade fiscal. Com argumento jurídico frágil, o que justificou a ação política forte naquele momento de descenso e isolamento da esquerda e ascensão de novos grupos políticos, culminaria na eleição de Jair Messias Bolsonaro em 2018.
A vitória de Jair Bolsonaro foi uma conjunção de fatores a começar pela representação de uma parcela da sociedade que acredita no autoritarismo como sistema, defensores da ditadura militar e das medidas mais condenáveis desse sistema, somada a uma outra parcela conservadora que manifesta suas posições principalmente nos costumes, sentimentos que consolidaram nas bandeiras antipetista e anti-Lula.
Jair Bolsonaro encarnou a tese do antissistema, buscou desconstruir as instituições existentes, mirou no enfrentamento contra o STF e o Congresso Nacional. Seus seguidores, via redes sociais e manifestações públicas, atacam as instituições de modo virulento e recorrentemente.
No Brasil de 2022, passada a maior parte do mandato de Jair Bolsonaro, uma pandemia que matou centenas de milhares de brasileiros, causou grande infortúnio para nossas famílias, depressão econômica e falta de rumo para um desenvolvimento nacional, vivemos a experiência presidencial mais polarizada desde a redemocratização.
O maestro Tom Jobim já dizia “o Brasil não é para principiantes”, e depois de ser execrado pelos meios de comunicação tradicionais, acusado, julgado e condenado, o líder operário Luiz Inácio Lula da Silva teve sua condenação revertida e seu julgamento anulado pelo STF. Pode candidatar-se novamente e venceu as eleições por uma margem de 1,9% dos votos de diferença contra toda a máquina de poder estatal ao lado de seu adversário Jair Bolsonaro.
Breve finalização
A democracia brasileira demonstrou maturidade apesar do aumento de parcela da população que reivindica ruptura institucional e alternativa autoritária.
As instituições públicas funcionaram, particularmente houve a devida independência entre os poderes, com amplo funcionamento e cumprimento das leis, mesmo quando uma parte das forças políticas existentes ameaçou não respeitar as decisões impostas.
Há ampla participação política, livre manifestação e opinião, mas também se afunilou o enfrentamento às versões consideradas mentirosas, denominadas na atualidade como fake news. Esse enfrentamento levou grupos de mídia a se considerarem censurados. No entanto, com a clareza das decisões proferidas nas instâncias judiciais, não se pode promulgar outra decisão que não seja o do enfrentamento às versões inverídicas. Há quem defenda o direito de mentir. E há também os que consideram como legítimas as manifestações que reivindicam a intervenção militar, a prisão de autoridades públicas e o não reconhecimento do resultado eleitoral. Contudo, parece ser um conjunto minoritário de pessoas que se dedicam a tais pautas.
O brasileiro médio, trabalhador, responsável pelo bem-estar dos seus quer é uma melhoria de vida, uma condição melhor de renda e consumo, deseja levar uma vida capaz de se sustentar e aos seus, com alguma oportunidade de crescimento social ou ao menos a perspectiva de um futuro melhor. Esse é o mais importante desafio das autoridades públicas em relação ao povo brasileiro.
Qual sistema social e político pode oferecer as melhores condições para esse brasileiro se desenvolver? Em que condições haverá estabilidade suficiente para a atração de investimentos e a capacidade de girar a economia para uma rota virtuosa de crescimento? O autoritarismo tem a capacidade, através da violência de Estado e outros mecanismos de impedir insatisfações e gerar uma maior concentração de riqueza sem haver reclamos? Ou será a democracia, a mais sensata e imperfeita organização política capaz de oferecer as melhores condições de desenvolvimento econômico e social?
Como diria o dramaturgo e poeta Bertold Brecht: “tantas histórias, tantas questões”.
O futuro da democracia no Brasil depende de uma distensão política, na medida do possível, encerrar a polarização dada nas eleições de 2022. Há uma urgente necessidade em conquistar parcela do eleitorado crítico do atual sistema democrático e isolar os radicais que defendem o regime autoritário.
A vitória de Jair Bolsonaro em 2018 ascendeu uma visão ultraconservadora de sociedade e sua derrota em 2022 não encerra uma fase da história do Brasil de convivência com uma base consolidada que reivindica a ruptura institucional.
Como ganhar a parte do eleitorado simpática às bandeiras autoritárias? A economia será o instrumento mais importante a partir do momento que uma parcela do eleitorado considere e reconheça a conquista de ganhos reais em suas vidas.
Derrotar a ideologia autoritária no Brasil e revigorar nosso sistema democrático será o desafio mais importante para o presidente da República eleito no escrutínio desse ano.
*Rodrigo de Carvalho é doutor em ciências políticas pela PUC-SP. Autor, entre outros livros de O governo Lula e a mídia impressa – A construção de um pensamento hegemônico (Novas Edições Acadêmicas).
Publicado originalmente na revista Justiça Eleitoral em Debate – TER-RJ/FEV. 2023).
Referências
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