Os beneficiários das criptomoedas

Imagem: Rūdolfs Klintsons
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Por JÃO CARLOS LOEBENS*

Criptomoedas praticamente não tem regulação, por quê?

Moeda privada, por definição, é uma moeda emitida por uma entidade privada. Falar em “moeda privada” é meio estranho, pois estamos acostumados a falar somente em “moedas públicas”, como o real, dólar, yuan chinês, rublo russo, iene japonês, euro, dentre outros. As moedas públicas são emitidas ou controladas pelos Bancos Centrais dos países.

Nos Estados Unidos, em boa parte do século XIX (em torno dos anos 1850) era permitida a emissão de moeda privada por empresas e igrejas. Se o emissor desaparecia, a moeda tornava-se inútil. Esses emissores de moeda privada foram chamados de “wildcat banks”, que significa “bancos gato-selvagem”, por sua baixa reputação após décadas de atuação. O nome de empresas/bancos gato-selvagem era decorrente do endereço muitas vezes ser o de um local remoto, que dizia-se ser habitado mais por gatos selvagens do que por pessoas. Nesse sentido, diria que poderíamos estabelecer uma boa relação entre as instituições gatos selvagens daquela época com nossos atuais países “esconderijos fisco-criminais”, generosamente denominados de “paraísos fiscais” pelo discurso dominante.

A criptomoeda é um meio de troca, emitida geralmente de forma descentralizada com a tecnologia blockchain e criptografia. Atualmente existem várias criptomoedas (Bitcoin, Ethereum, Tether, USD-Coin, Solana, etc). A primeira criptomoeda criada foi o Bitcoin em 2009, tendo atingido um ápice de valorização em 2021, com posteriores quedas expressivas e oscilações.

Apesar do volume expressivo e circulação mundial das criptomoedas, em termos de regulação se tem visto uma retumbante ausência do poder público nessa questão. A OCDE, que reúne os países ricos, fala sobre a falta de um marco regulatório para as criptomoedas, alegando sua natureza complexa e mutável. O Banco Central do Brasil, apesar de citar no Comunicado nº 31.379/2017 que essas moedas podem ser usadas em atividades ilícitas, faz vista grossa a uma possível (e necessária) regulamentação. E por óbvio, as Receitas (Federal, Estadual e Municipal) ficam praticamente impossibilitadas de cobrar os impostos relacionados.

Em termos de uso, as criptomoedas começaram a ser usadas, e são usadas principalmente pelo andar de cima em termos de riqueza – ou seja, pelos ultra ricos. Pobres não usam ou não tem acesso a criptomoedas. Por dedução lógica, se as criptomoedas são usadas principalmente por ultra ricos e prestam-se a atividades ilícitas, então são os ultra ricos trapaceiros os principais usuários e beneficiados das criptomoedas.

O sistema econômico predominante hoje em dia, especialmente no Ocidente, é o neoliberalismo, que tem como forte pilar a concentração ilimitada de renda e riqueza. O mercado (que na verdade tem nome e endereço – principalmente banqueiros) é na verdade o conjunto de ultra ricos da nação, que afirmam que o governo deve “atender o mercado”, trabalhando a favor do que leve à concentração da renda “do mercado” (os ultra ricos).

A Receita Federal dos Estados Unidos intimou a empresa de criptomoedas Sfox a revelar a identidade dos usuários com transações superiores a US$ 20.000. A solução está aí, e é simples. O fato de ser uma solução simples (transparência), não significa que seja fácil. O difícil é enfrentar os ultra ricos e suas trapaças ilícitas para enriquecer. No final, são os ultra ricos que financiam as campanhas eleitorais da maioria dos políticos, e são esses políticos que decidem.

Nesse sentido, para que os ultra ricos aumentem sua concentração de riqueza e renda com operações ocultas e ilícitas, utilizando criptomoedas, é necessário que não haja um marco regulatório. Essa é, a meu ver, a verdadeira razão que faz com que a OCDE e outros órgãos não consigam um marco regulatório. A OCDE & Cia, sem declarar claro, ou mesmo sem que os funcionários se deem conta, trabalham para manter aberta a lacuna ou ausência legal, para que os ultra ricos possam trapacear impunemente (fraudes, tráfico, roubo, sonegação …), ganhando e acumulando muito dinheiro (especialmente de origem não declarada ou suja), usando as “complicadas” (contém ironia) criptomoedas.

*João Carlos Loebens é doutorando em economia e auditor-fiscal da Receita Estadual do Rio Grande do Sul.

 

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