Ricardo Nunes

Imagem: Raphael Brasileiro
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Por LUÍS FERNANDO VITAGLIANO*

Um ilustre desconhecido que resume o pior de dois mundos

Toda paulista ou paulistano sabe que a pior aprovação da história dos prefeitos da cidade é de Celso Pitta – secretário e indicado por Paulo Maluf para sucedê-lo na prefeitura. Paulo Maluf deu início ao que vou chamar aqui das três “ondas de rebaixamento” da cidade de São Paulo, onde a administração local e dos problemas da cidade foram negociados por projetos mais amplos e gerais, colocando os problemas da cidade em segundo plano. Essa relação se estabelece com mandatos não terminados, trocas de cargos da prefeitura por governos estaduais e busca pela eleição presidencial e a tentativa de convencer os eleitores com estratégias de marketing e transferências de prestígio aos sucessores. A indicação de vices começa com Paulo Maluf, depois vem o José Serra e, na terceira onda: João Dória.

Celso Pitta sucedeu Paulo Maluf. Paulo Maluf apadrinhou seu secretário de governo na sucessão política quando ainda não havia reeleição para os prefeitos. Celso Pitta foi tão mal que, além de ter curta carreira política depois da desastrosa passagem pela Prefeitura, também tirou de Paulo Maluf qualquer possibilidade de se eleger a um cargo executivo. O próprio Paulo Maluf dizia: “Se Pitta não for um bom prefeito, nunca mais vote em mim”. E foi persuasivo o suficiente que parte dos seus eleitores seguiu sua orientação.

A segunda pior aprovação na prefeitura de São Paulo vem de outro vice, alçado a prefeito: Gilberto Kassab terminou o seu “segundo” mandato depois de ser indicado a vice de José Serra criando um partido político para ter influência nacional e deixando de lado a prefeitura e os problemas locais. Gilberto Kassab deixou a prefeitura com aprovação baixa; José Serra saiu da prefeitura para concorrer e se eleger governador do estado depois de assinar uma carta que não faria isso.

A terceira onda de maus agouros vem com João Dória. Vitorioso ainda em primeiro turno, se aproveitando bem do desgaste de Fernando Haddad com as manifestações de 2013 e as decisões ruins a respeito do preço das passagens de ônibus, João Dória se elege e ganha espaço entre o eleitorado, mas abandona o cargo ao vice para concorrer ao governo do estado. Bruno Covas, assim como aconteceu com Serra/Kassab, assume e governa pela maior parte do mandato.

Depois desses casos de abandono, Bruno Covas só não teve o peso do passado o condenando por dois motivos que não o deixaram em posição de desvantagem: primeiro, vinha de uma tradição política sendo neto do ex-governador e presidente do PSDB, Mário Covas – que desfrutava de muito capital político. Em segundo lugar, sua condição de saúde frágil despertava forte empatia durante até mesmo a campanha eleitoral.

Porque Bruno Covas não terminou seu segundo mandato e não começou o primeiro, a questão iniciada pela renúncia de João Dória alastra-se até hoje na prefeitura de São Paulo. Bruno Covas escolheu Ricardo Nunes para seu vice devido a composições locais e acordos que levavam em consideração que o vice poderia assumir o governo em algum momento. Mais uma vez, o eleito não entregou o cargo ou concorreu a reeleição, mas recebeu através de arranjos que correram em gabinetes que nada dizem respeito as eleições.

Ricardo Nunes que não nos deixa fugir da sina do vice preposto e das alianças espúrias. Porém, ao contrário de outras figuras de pretensa projeção estadual ou nacional parece ter consciência do seu reduzido tamanho político, inferior até mesmo ao que exige o cargo de prefeito de uma cidade do porte de São Paulo. Talvez aí resida aí sua sagacidade política: a autoconsciência de que não existem motivos que o sustentem no cargo. Porém, ambicioso, Ricardo Nunes pretende usar o que estiver ao seu alcance para se firmar politicamente.

Por questões de espaço e para não abusar da paciência do leitor, chamo a atenção de apenas três, dos vários movimentos que o atual prefeito faz para manter-se no cargo. Primeiro: sua relação com a imprensa local, especificamente a Folha de S. Paulo e o Estado de S. Paulo. Depois, com o governador Tarcísio de Freitas que lidera o bolsonarismo do estado; e, finalmente, com a ideologia da extrema direita que se apodera do poder público através de ONGs e de associações como igrejas e terceiro setor.

Comecemos com a reportagem de Paulo Motoryn para o site Intercept Brasil. Foram quase de 3 milhões em publicidade contratada pela prefeitura para o jornal Folha de S. Paulo. O conteúdo publicitário veiculado ao jornal, na internet e impulsionado nas redes sociais da Folha gerou polemica e o próprio ombudsman, José Henrique Mariante, publicou a coluna: “Isto não é um anúncio – Folha é acusada de não distinguir conteúdo patrocinado do produto editorial” para defender seu empregador e fazer uma versão honrosa da história. Comprar propaganda não é crime; as condições dos contratos cabem ao Ministério Público que fiscalize. Mas, posta como esta a relação entre Folha e Prefeitura é, não só imoral como compromete a idoneidade do veiculo de imprensa.

Há várias formas licitas de dar apoio político velado. Outra delas é a prospecção e divulgação de pesquisa eleitorais como, por exemplo, o ultima Datafolha. Dois macetes podem ser usados neste caso para maquiar resultados a favor do prefeito.  Primeiro, a seleção do Datafolha trabalha um único cenário que é totalmente favorável a candidatura do atual prefeito de São Paulo: sem um bolsonarista para concorrer com os votos da extrema direita e com Tabata Amaral para dividir os votos de centro (direita e esquerda) das áreas nobres da cidade. Mas, como garantir que o bolsonarismo (e, principalmente, o PL) possa manter nos próximos seis meses a negociação para não lançar candidatos? – é improvável, mas seria honesto discutir também esse cenário.

Como seria honesto apresentar um cenário sem a própria Tabata Amaral. Porque, sendo interesse e parte da estratégia do PT estar com Guilherme Boulos em São Paulo e fazer parte da sua administração. É razoável exigir que o apoio ao PSB para a prefeitura de João Campos em Recife também obedeça a coerência de, em troca pela parceria, abrir mão de uma candidatura não competitiva em São Paulo. É um cenário bastante razoável e provável, mas que não está na pesquisa divulgada pela Folha.

Assim, no cenário com Tabata Amaral e sem bolsonarismo raiz, o prefeito ganha espaço eleitoral. Cenário que permite inflar a posição do prefeito. Ao contrário de outros cenários que exporiam sua fragilidade eleitoral.

Assim como facilitar as escolhas, é possível fazer um desenho amostral onde a presença do atual prefeito é mais sentida. Não é preciso manipular os dados. Os dados dizem por si, mas eles também são reflexos do desenho que se faz da pesquisa. O Datafolha trabalha com levantamento de dados nas ruas, é fácil redesenhar o percurso sendo mais generoso com a presença maior da prefeitura e do conhecimento do atual prefeito.

Pesquisas eleitorais tão distantes das eleições avaliam potenciais. Colocar o prefeito em uma posição de potencial é fundamental para que, aquilo que se quer torne-se aquilo que de fato aconteça. Se eu quero colocar uma pessoa em destaque, aumento seu potencial e facilito seu caminho para que esse potencial se realize. Em sociologia, Robert Merton chamou isso de “profecia que se auto realiza”. Com o prefeito apresentado com potencial de vitória, facilita acordos, tira concorrentes do caminho e abre espaço para financiadores.

Além do apoio midiático que o prefeito tem buscado que conta com o apoio do Estadão desde a aliança liberal conservadora contra as esquerdas e a Folha na sua tradicional posição de quinta coluna, o prefeito costura com Milton Leite (seu mais forte escudeiro político) acordo com as diversas forças políticas e fissuras internas. Ao negociar com Tarcísio de Freitas a entrada do governo no apoio político, a SABESP têm sido facilitadas para o projeto de privatização do governo do estado.

Para tocar sua proposta de privatização da SABESP, grandes municípios devem apoiar a medida estadual. No atual sistema de fornecimento de água das grandes cidades há uma clausula que cancela o contrato de serviço caso o controle acionário da companhia seja transferido para a iniciativa privada. Só a cidade de São Paulo é responsável 44% das receitas da empresa. Se a cidade não alinhar com a privatização, a intenção do estado tem grandes chances de naufragar.

Certamente a sintonia e a aliança entre Ricardo Nunes e Tarcísio de Freitas passarão pela questão da água e o prefeito já está em vias de facilitar qualquer iniciativa do governo do estado em favor do apoio político à reeleição. Independentemente dos prejuízos que qualquer dessas iniciativas possa representar ao eleitor. Será uma verdadeira tragédia a gestão das águas e esgotos da cidade passarem às mãos da iniciativa privada. Serviços essenciais mais caros e duvidosamente executados. 

Outro elemento desse debate são os acordos do prefeito com a direita social. A Guarda Civil Metropolitana de São Paulo recebe treinamento em direitos humanos da Igreja Universal. Creches, berçários e escolas infantis que não precisam de regulamentação escolar muitas vezes são sustentados pela prefeitura via Organizações Sociais (OS’s) e estão diretamente relacionadas a igrejas na periferia da cidade. A prefeitura paga as igrejas para acolher crianças que os aparelhos públicos não têm vagas ou não chegam a atender. A estratégia para isso pode, muitas vezes diminuir a presença do público para aumentar a aliança com organizações religiosas e locais que têm interesses privados e ideológicos de manifestação.

Como vimos; o fato do prefeito não ter capital político próprio e anterior não faz com que ele seja menos articulado. De outro lado, seus movimentos consistem no que há de pior na aliança do Centrão com a direita. O prefeito e sua origem no centro fisiológico da política não tem nenhum pudor sobre os gastos para aumentar suas alianças com valores patrimonialistas à frente. De outro lado, soma-se a iniciativas de aparelhamento ideológico das iniciativas de segurança e educação para apoiadores da ideologia da extrema direita.

Ricardo Nunes é a síntese da aliança que faz do Brasil um risco de tornar-se fundamentalista religioso e empobrecido. E o mais perigoso é que muitos dos formadores de opinião, estudiosos e formuladores de políticas públicas estão submersos ao debate nacional, sem perceber que a próxima trincheira, municipal, é tão preocupante quanto a geral, e que em alguns dias, vai se tornar o debate da ordem do dia.

*Luís Fernando Vitagliano é cientista político e professor universitário.

Referências


“Ricardo Nunes já gastou quase R$ 3 milhões com propagandas disfarçadas de jornalismo na Folha” – Paulo Motoryn – https://www.intercept.com.br/2023/08/23/ricardo-nunes-propagandas-jornalismo-folha/

“Isto não é um anúncio – Folha é acusada de não distinguir conteúdo patrocinado do produto editorial” – por José Henrique Mariante.

“Veja os documentos que detalham os pagamentos milionários de Ricardo Nunes à Folha” – Tatiana Dias.

“Datafolha: Boulos tem 32%, e Nunes, 24% para Prefeitura de São Paulo” – Igor Gielow – https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/08/datafolha-boulos-tem-32-e-nunes-24-para-prefeitura-de-sao-paulo.shtml

 “Igreja Universal usa 20 mil pastores para doutrinar polícias no Brasil” – Chico Alves – https://www.pragmatismopolitico.com.br/2023/06/igreja-universal-usa-mil-pastores-doutrinar-policias-brasil.html

“Fardados e Consagrados: como a Igreja Universal está doutrinando as forças policiais do Brasil – e os governos fingem que não veem” – Giberto Nascimento e Tatiana Dias.

“Prefeitura de SP contrata por R$ 335 milhões ONG ligada a esquema de corrupção de Pastor Everaldo no RJ” – por Gilberto Nascimento – https://www.intercept.com.br/2022/10/24/prefeitura-de-sp-contrata-por-r-335-milhoes-ong-ligada-a-esquema-de-corrupcao-de-pastor-everaldo-no-rj/

“Prefeitura atrasa substituição de organizações suspeitas de fraudes e crianças ficam sem creche no extremo sul de SP” – por Gustavo Galvão e Laura Cassano.

PF faz operação contra organização suspeita de desviar verba da Prefeitura de SP destinada à educação infantil – G1 São Paulo.


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