A comunicação ruim do governo Lula 3

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por ANGELITA MATOS SOUZA*

A comunicação ruim reflete a dificuldade para se competir com as forças da extrema-direita nas redes sociais

Aos 100 dias do governo Lula 3, publiquei [no GGN] um artigo intitulado “Cem dias de alegrias”. Seria possível agora escrever um texto intitulado 365 dias de alegrias?

Infelizmente, não. Na época, estávamos no auge da sensação de alívio com a retirada do bode da sala, sensação que já se dissipou. Além disso, o Brasil não é uma ilha, sem comunicação com o mundo exterior, e a tragédia em Gaza proíbe a palavra alegria para se abordar o ano de 2023. Para piorar, los hermanos elegeram El loco, sendo a Argentina aquele irmão que criticamos, mas não queremos perder, pois parte de nós. E poderia prosseguir com mais tristezas internacionais, porém nada se compara ao massacre em Gaza.

No entanto, considerando apenas o Brasil, concordo com Celso Rocha de Barros, não dá para classificar de ruim um ano que começou com uma tentativa de golpe e terminou com uma reforma tributária. Durante o qual foi possível dormir sem medo de acordar em uma ditadura, ou de passar alguma grande vergonha internacional (sim, eu me importo com os olhos do estrangeiro).

Como andam dizendo, “o Brasil voltou”, não é mais um pária no cenário internacional, em boa medida porque o governo “rompeu com a ruptura” do combate ao desmatamento da floresta amazônica, que arrefeceu, trazendo esperança à preservação do meio ambiente. Ademais, o presidente é uma liderança carismática, cuja biografia encanta o mundo.

Do ponto de vista político-institucional e econômico, as relações com o Legislativo fluíram, custosamente, mas a dita governabilidade compareceu. Assim como o crescimento da economia, contrariando todas as previsões do tal mercado, e o desemprego caiu. Provavelmente, poderia ter sido melhor, não fossem as previsões do mercado desestimulantes aos investimentos, sem falar nos juros altos.  Neste contexto, o novo arcabouço fiscal pareceu-me a resposta possível.

Muita gente escreveu sobre os aspectos positivos do primeiro ano do governo Lula 3, não serei repetitiva, e anotarei apenas um aspecto negativo sublinhado por vários analistas: a comunicação ruim, refletida na estabilidade dos índices de aprovação ao governo, apenas satisfatórios.

É provável que melhore quando os efeitos de várias iniciativas políticas, no campo socioeconômico, começarem a aparecer ao longo deste ano. Por enquanto, a polarização política segue intensa e a sensação de bem-estar material insuficiente para elevar os índices de aprovação ao governo.

A comunicação ruim reflete a dificuldade para se competir com as forças da extrema-direita nas redes sociais, uma vez que o instrumento principal utilizado por elas é a espetacularização baseada em mentiras deslavadas.  Um governo social-democrata deve combater esse submundo e não adentrar nele. Durante a campanha, certa concessão ao janonismo foi útil, mas basta. O fato é que nas redes sociais dificilmente o governo vencerá, mas certamente tem incompetência na condução da comunicação, sendo possível melhorar.

Por seu turno, a mídia tradicional atua com uma arma apontada para o governo Lula 3, qualquer desvio dos desejos do tal mercado, mandam chumbo.  Vejam como criticaram as declarações do presidente sobre os juros altos. Nesta guerra, até descobri uma vantagem na independência do Banco Central, não que vá defendê-la, contudo apreciei ouvir o presidente Lula criticar a política de juros altos ao longo de 2023. Algo impossível nos governos Lula 1 e 2.

Agora imagino que quando o presidente fala contra uma diretriz isso tenha peso, muito mais que a mesma crítica da parte de economistas heterodoxos. Aguardo ansiosamente o Banco Central pós-Bob, inclusive (ou sobretudo) porque estudo os limites estruturais impostos pelas situações de dependência, contrapostos à vontade política, e torço por esta (mas costumo perder).  

Por fim, se as previsões do mercado acertarem com relação a 2024 e o crescimento do PIB desapontar, acho que eleitoralmente não será muito grave, pois dois anos são suficientes para virar o jogo e ganhar as eleições com expansão dos gastos e a máquina do Estado em mãos. Bolsonaro perdeu porque seu governo foi muito ruim, em especial na condução da pandemia, e o adversário era o Lula. Também não teve o apoio do governo Biden para saídas golpistas

Já Lula é bem capaz de conquistar Trump (se ele voltar) e, internamente, creio que ajudaria se o PT renunciasse ao hegemonismo e compusesse uma chapa encabeçada por alguém de outro partido. Nem penso na reeleição porque acho que octogenários não devem carregar o peso de uma presidência. Mas se não tiver tu, vai tu mesmo.

*Angelita Matos Souza é cientista política e professora no Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Unesp. [https://amzn.to/47t2Gfg]

Publicado originalmente no GGN.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • A colonização da filosofiamar estacas 14/11/2024 Por ÉRICO ANDRADE: A filosofia que não reconhece o terreno onde pisa corrobora o alcance colonial dos seus conceitos
  • O entretenimento como religiãomóveis antigos máquina de escrever televisão 18/11/2024 Por EUGÊNIO BUCCI: Quando fala a língua do rádio, da TV ou da Internet, uma agremiação mística se converte à cosmogonia barata do rádio, da televisão e da internet
  • Antonio Candido, anotações subliminaresantonio candido 16/11/2024 Por VINÍCIUS MADUREIRA MAIA: Comentários sobre os mais de setenta cadernos de notas feitos por Antonio Candido
  • Balanço da esquerda no final de 2024Renato Janine Ribeiro 19/11/2024 Por RENATO JANINE RIBEIRO: A realidade impõe desde já entender que o campo da esquerda, especialmente o PT, não tem alternativa a não ser o nome de Luiz Inácio Lula da Silva para 2026
  • O veto à Venezuela nos BRICSMÁQUINAS FOTOGRÁFICAS 19/11/2024 Por GIOVANNI MESQUITA: Qual seria o maior desaforo ao imperialismo, colocar a Venezuela nos BRICS ou criar os BRICS?
  • Donald Trump e o sistema mundialJosé Luís Fiori 21/11/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: Se houver um acordo de paz na Ucrânia, o mais provável é que ele seja ponto de partida de uma nova corrida armamentista dentro da própria Europa e entre os EUA e a Rússia
  • Mudanças no modelo de pós-graduaçãobiblioteca universidade 21/11/2024 Por ANTÔNIO DAVID: O doutorado direto não é um demérito, e doutores que realizaram o doutorado direto não são doutores pela metade
  • A falácia das “metodologias ativas”sala de aula 23/10/2024 Por MÁRCIO ALESSANDRO DE OLIVEIRA: A pedagogia moderna, que é totalitária, não questiona nada, e trata com desdém e crueldade quem a questiona. Por isso mesmo deve ser combatida
  • Notas sobre a disputa em São Paulogilberto maringoni 18/11/2024 Por GILBERTO MARINGONI: É preciso recuperar a rebeldia da esquerda. Se alguém chegasse de Marte e fosse acompanhar um debate de TV, seria difícil dizer quem seria o candidato de esquerda, ou de oposição
  • Freud no século XXIcultura peça transversal 24/07/2024 Por GILSON IANNINI: Trecho do livro recém-lançado

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES