A estratégia de Guilherme Boulos

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Por LUIS FELIPE MIGUEL*

Talvez o que deva preocupar Guilherme Boulos é que a rejeição está baixa demais, sinal de que ele está incomodando menos do que devia

O “idiota da objetividade”, de que Nelson Rodrigues falou numa crônica famosa, era o jornalista que recusava a emoção no seu texto. Que noticiava a iminência de uma guerra civil, por exemplo, como se estivesse falando de um chá da Academia Brasileira de Letras.

Mas existe uma idiotia da objetividade mais grave no jornalismo brasileiro – e a Folha de S. Paulo é campeã. É a ideia de pegar meia dúzia de dados e, a partir deles, traçar uma “lei” capaz de prever o futuro.

Quando convém, é claro.

Ontem, a Folha de S. Paulo vaticinou que a candidatura de Guilherme Boulos está fadada ao fracasso: “Só Maluf e Pitta ganharam com rejeição tão alta”.

A Folha de S. Paulo pega os dados de suas pesquisas para um total de oito eleições e, a partir disso, estabelece uma regra qualquer. Pronto, Guilherme Boulos está lascado.

Lembro que, em 2010, uma repórter da mesma Folha de S. Paulo me ligou. Ia começar o horário eleitoral e Dilma Rousseff estava atrás nas pesquisas. A pauta era: “nenhum candidato que começou o horário eleitoral atrás nas intenções de voto ganhou uma eleição presidencial”.

Eu pacientemente expliquei que não dava para generalizar a partir de apenas cinco eleições anteriores. Que Dilma Rousseff era uma candidata ainda pouco conhecida, mas que representava a continuidade de um governo muito popular. Que o horário eleitoral seria o momento em que ela se faria conhecida e reforçaria seu vínculo com Lula.

Expliquei, em especial, que análise de conjuntura ia muito além de pesquisa de intenção de voto e, portanto, não importava quais fossem os números do Datafolha, Dilma Rousseff era favorita para ganhar a presidência.

A reportagem saiu um ou dois dias depois. Não fui citado – nem eu nem qualquer um dos muitos cientistas políticos que, imagino, foram entrevistados até que a jornalista encontrasse quem se dispusesse a endossar a lei politológica inventada pelo jornal.

A candidatura de Guilherme Boulos enfrenta problemas? Sim, enfrenta. Mas a reportagem da Folha de S. Paulo é ridícula e capciosa.

Os números do Datafolha (a serem lidos com cuidado, como sempre em caso de pesquisas do tipo) não são bons para o líder do PSol.

A crer na pesquisa, a eleição já começa polarizada – a candidatura de Tabata Amaral, que não chega a dois dígitos, parece condenada à irrelevância. E aí Guilherme Boulos precisa modular sua estratégia.

Com as máquinas da prefeitura e do governo estadual trabalhando incessantemente a seu favor, Ricardo Nunes está se consolidando como nome da centro-direita, a despeito da rejeição a seu amigo Jair Bolsonaro entre o eleitorado paulistano. Tem espaço a crescer herdando os votos de Kim Kataguiri, factoide que dificilmente chegará às urnas. (Se bem que Guilherme Boulos deve ficar com uma parte dos votos que migrarão da candidata do Novo quando os eleitores se tocarem que a “Marina” candidata não é quem eles pensam.)

O problema é que o candidato do PSol tenta o velho caminho de candidatos à esquerda: ir mais para a direita. Colocou Marta Suplicy na vice, anda abraçado ao senador que assumiu a vaga do Major Olímpio, faz acenos ao gerencialismo, foge de temas “polêmicos”, tresanda “moderação”, incorpora o discurso da “frente ampla” em seu registro mais retrancado.

Se a campanha é despolitizada, lacradora, memética, apenas segue a cartilha desses tempos em que vivemos. Mas não dá pra esconder que o discurso de “uma cidade que valoriza a vida e a família” podia estar na boca de um candidato do União Brasil, do MDB, do Republicanos, do PL.

O fato é que esse caminho leva quase inevitavelmente à derrota. A insistência da esquerda brasileira em trilhá-lo, apesar dos resultados de sempre, é algo que foge à minha compreensão – é tema para um psiquiatra, não para um cientista político.

Talvez o que deva preocupar Guilherme Boulos é que a rejeição está baixa demais, sinal de que ele está incomodando menos do que devia.

*Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da UnB. Autor, entre outros livros, de Democracia na periferia capitalista: impasses do Brasil (Autêntica). [https://amzn.to/45NRwS2]

Publicado originalmente nas redes sociais do autor.


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