Toni Negri – II

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por MICHAEL LÖWY*

Comentário sobre o terceiro volume, recém-publicado, da autobiografia do filósofo italiano

Da Genova a domani

Da Genova a domani. Storia di un comunista é o terceiro volume da autobiografia de Toni Negri, o filósofo que pagou por suas ideias com longos anos na prisão. Dedicado a Judith (Revel), brilhante acadêmica e sua companheira desde os anos de prisão em Roma, este livro é o relato tanto de sua vida como de sua obra, de 1997 a 2000, ambas iluminadas pela tripla constelação de Spinoza, Comunismo e Operaísmo.

Nos dois primeiros volumes, o autor descreveu seus anos de formação nas fileiras do movimento operaísta na Itália, a ascensão das lutas sociais nos anos 70-80, o aparecimento do terrorismo – ao qual se oporia em vão – sua primeira prisão (quatro anos e meio!), sua eleição, ainda preso, como deputado, e seu exílio em Paris.

Este terceiro volume começa com sua decisão, em 1997, de regressar à Itália, apesar da pena de prisão que o aguardava em seu país, na esperança de que seu regresso suscitasse um debate que conduziria a uma anistia geral para os (milhares de) presos políticos italianos. Foi um ato de coragem e generosidade como raramente se vê… O filósofo foi recebido no aeroporto de Fiumicino por “uma quermesse de policiais, cães e jornalistas” e imediatamente encarcerado na Prisão de Rebbibia em Roma.

O escritor Erri de Luca irá prestar-lhe uma comovente homenagem pública nesta ocasião: “Caro Toni Negri, que preferiu a prisão na Itália às universidades da metade do mundo (…) quero agradecer-lhe antes de tudo pelo seu sacrifício. Você honra um país que se orgulha apenas de exercícios contábeis”.

O sonho de anistia do filósofo otimista revelou-se uma ilusão, e Negri acaba condenado a oito anos e meio de prisão… Mas não se deixa abater, e termina, atrás das grades, a redação do livro Império (Record), com seu amigo Michael Hardt. Conhecemos as teses principais – controversas – deste livro: o Império é o mercado capitalista global, que já não reconhece fronteiras nacionais; seu principal adversário não é mais o operário-massa da indústria, mas o trabalhador imaterial, cognitivo, muitas vezes precário, que tem vocação para se tornar hegemônico. O próprio Negri percebeu o otimismo excessivo desta obra, e até pensou em não publicá-la… De fato, teve um grande sucesso, transformando o filósofo encarcerado numa “estrela” internacional. Depois de dois anos, teve direito à liberdade condicional, sob constante vigilância policial, com buscas noturnas em sua casa.

Impedido de desenvolver uma atividade política observou com esperança os acontecimentos na Itália: o movimento “camisas brancas”, e a enorme manifestação antiglobalização em Gênova em 2001 – reprimida em sangue por uma verdadeira guerra de estado contra o movimento social. Apenas em 2003, ele foi finalmente libertado – é finita la galera! – após ter cumprido um total de onze anos de prisão. Decepcionado pelo recuo das lutas na Itália e em conflito com seus antigos seguidores decidiu voltar a Paris e estabelecer-se, com sua companheira Judith, na França.

Tendo finalmente recuperado seu passaporte, ele agora poderia viajar, um velho sonho que se realizava. Fará muitas viagens à América Latina, especialmente ao Brasil e à Venezuela, “mais para aprender do que para falar de mim”. Hugo Chavez prestou-lhe homenagem como um dos inspiradores, pelo seu livro sobre o poder constituinte, da Revolução Bolivariana. Também será convidado à China, onde terá uma (decepcionante) reunião com representantes do Comité Central do PCC. Embora admire o impressionante pós-modernismo de Xangai, ele não deixa de pensar que “o Termidor do PCC desenvolveu o capitalismo antes de desenvolver a democracia”…

Em 2004, é publicado seu segundo livro com Michael Hardt, Multidão (Record), que também provocará muitos debates e polêmicas. Francis Fukuyama apressa-se a proclamar que a multidão de que fala Negri é “uma horda bárbara que quer destruir o mundo civilizado”… O significado do conceito, de origem espinozista, não é fácil de apreender: ora é unicamente a categoria de trabalhadores cognitivos-precários, ora o conjunto dos trabalhadores, materiais e imateriais, mulheres, raças oprimidas. Aos olhos de Negri, a multidão é a nova forma que assume o operaísmo, é a universalização da Italian Theory dos anos 1960-70.

Hostil a todas as formas de nacionalismo, Negri afirma orgulhosamente: “eu nunca me desviei do internacionalismo na minha vida de comunista”. Isto levou-o a depositar muita esperança na Europa, ao ponto de se juntar ao “Sim” no referendo francês sobre a nova Constituição (neoliberal) da Europa, em 2005. Mas era necessário participar de um encontro pelo “Sim” na companhia de Julien Dray e Daniel Cohn-Bendit? “Isto é algo que os meus amigos da esquerda nunca me perdoaram”…

Commonwealth

Foi neste contexto que ele escreveu um panfleto, Adeus, Sr. Socialismo (Ambar), que ele próprio rejeitou, posteriormente, como “triste” – a crítica mais dura, em seu vocabulário espinozista… Mas em 2009 apareceu outra grande obra com Michel Hardt, Commonwealth [Bem-estar comum, Record], denunciada pelo Wall Street Journal como a dark, evil book. Esta teoria do comum é, para eles, uma “ontologia marxiana da revolução”, e um primeiro passo para um programa político da multidão. Ele vê no movimento italiano em defesa da água como um bem comum, um exemplo notável desta Commonwealth. Como os anteriores, este livro teria muito sucesso, mas o ano de 2010 é, para Negri, um annus horribilis: seus amigos e discípulos italianos, organizados no movimento Uninomade, decidem excluí-lo, e tentam uma aproximação “oportunista e cínica” com… Danny Cohn-Bendit e os Verdes alemães.

Em agosto de 2013, Negri comemora seu 80º aniversário. Este otimista obstinado reconhece que o comunismo ainda não conseguiu vencer, mas deseja que a geração mais jovem cumpra esta missão, e deseja-lhes buona fortuna!

De Senectute

A última parte do livro intitula-se De Senectute (Da velhice). É uma espécie de reflexão filosófica sobre sua experiência como comunista inspirada por Spinoza, Marx e os pós-estruturalistas franceses (Deleuze-Guattari, Foucault) e hostil a Rousseau, Hegel e à Escola de Frankfurt. Contra a melancolia e o pessimismo desta última – uma espécie de pólo negativo para Negri – ele proclama, com Espinoza, a força da Hilaritas, o poder libertador do riso e da espontaneidade, sem os quais a revolução não consegue respirar.

A idade avançada não impede Negri de pensar e escrever: seu mais recente livro com Michel Hardt, Assembly (2017), proclama a superioridade dos movimentos sociais sobre os partidos, e da democracia direta sobre a democracia representativa. A organização por excelência desta forma de exercício democrático é a assembleia. Para passar das organizações locais à escala regional, de um país ou de um continente, Negri e Hardt propõem estruturas federativas e “assembleias de assembleias”. Mas como constituir tais estruturas sem uma forma qualquer de representação?

Como partidário (crítico) da Escola de Frankfurt, estou longe de compartilhar as opções filosóficas de Toni Negri. Mas, na minha opinião, o principal problema do livro – e da maioria dos escritos deste grande pensador de nosso tempo – é a ausência de uma reflexão mais profunda sobre a crise ecológica. Ele a percebe como uma “dificuldade insuperável”, e faz alguns questionamentos: devo fazer ato de contrição por não ter compreendido que a crise ecológica estava levando a humanidade à catástrofe?

Ele se lembra de conversas com seu amigo Guattari sobre ecologia, e se pergunta se os jovens que o acusam – ele e sua geração de militantes marxistas – de serem prisioneiros de uma ideologia produtivista estão certos ou não. Estas perguntas (sem resposta) ocupam três das 432 páginas do livro… Felizmente, as questões ecológicas e as mudanças climáticas estão um pouco mais presentes neste seu último livro, Assembly.

Num post-scriptum bastante… melancólico, intitulado “Páscoa de 2020”, Negri conclui: fomos derrotados – il combustibile si è esaurito. Ele constata que os trabalhadores, como classe, estão divididos e relativamente impotentes. Contudo, ele não renuncia à resistência e à luta: na crise, devemos encerrar a era dos sectarismos e das divisões. A palavra de ordem do presente é: “Todos juntos”! Como horizonte, a Internacional dos Trabalhadores Comunistas. Estas são as últimas palavras desta obra fascinante.

*Michael Löwy é diretor de pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique (França), Autor, entre outros livros, de Walter Benjamin: aviso de incêndio(Boitempo).

Tradução: Fernando Lima das Neves.

Para ler o comentário do volume anterior acesse https://aterraeredonda.com.br/toni-negri/

 

Referência


Toni Negri. Da Genova a domani. Storia di un comunista. A cura di Girolamo de Michele. Milano, Ponte alle Grazie, 2020, 442 págs.

 

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Denilson Cordeiro João Carlos Salles Bernardo Ricupero Carla Teixeira João Lanari Bo Airton Paschoa Henry Burnett Ronald Rocha Caio Bugiato Priscila Figueiredo Celso Favaretto Ricardo Antunes Marcelo Módolo João Feres Júnior Bruno Fabricio Alcebino da Silva Maria Rita Kehl João Sette Whitaker Ferreira Samuel Kilsztajn Francisco de Oliveira Barros Júnior Paulo Fernandes Silveira Francisco Fernandes Ladeira Daniel Brazil Jorge Luiz Souto Maior Rafael R. Ioris Luiz Bernardo Pericás Andrés del Río Celso Frederico Leda Maria Paulani Tadeu Valadares José Micaelson Lacerda Morais Lincoln Secco Chico Whitaker Jean Marc Von Der Weid Igor Felippe Santos João Adolfo Hansen Chico Alencar Luiz Roberto Alves Eduardo Borges Luiz Eduardo Soares Bruno Machado Manuel Domingos Neto Eleutério F. S. Prado Heraldo Campos Alexandre de Freitas Barbosa João Paulo Ayub Fonseca Paulo Capel Narvai Valerio Arcary Yuri Martins-Fontes Paulo Sérgio Pinheiro Jean Pierre Chauvin Afrânio Catani Manchetômetro Marcos Silva Ladislau Dowbor Bento Prado Jr. Liszt Vieira Leonardo Avritzer Dennis Oliveira José Geraldo Couto Daniel Costa Flávio Aguiar Andrew Korybko Atilio A. Boron Carlos Tautz Marcus Ianoni Fábio Konder Comparato Érico Andrade Luis Felipe Miguel Tales Ab'Sáber Juarez Guimarães Julian Rodrigues Renato Dagnino Berenice Bento Michael Roberts Daniel Afonso da Silva Eliziário Andrade Luís Fernando Vitagliano Mário Maestri Rubens Pinto Lyra Michael Löwy Dênis de Moraes Paulo Martins Ricardo Abramovay Sandra Bitencourt Thomas Piketty Vinício Carrilho Martinez Luiz Carlos Bresser-Pereira Ricardo Musse Remy José Fontana Luiz Renato Martins Gilberto Maringoni Antônio Sales Rios Neto Gabriel Cohn Eleonora Albano Mariarosaria Fabris André Singer Lorenzo Vitral Annateresa Fabris Ricardo Fabbrini Sergio Amadeu da Silveira Vanderlei Tenório Marilena Chauí Plínio de Arruda Sampaio Jr. José Luís Fiori Kátia Gerab Baggio Eugênio Bucci Tarso Genro Flávio R. Kothe Alexandre Aragão de Albuquerque José Machado Moita Neto Ronald León Núñez Luiz Marques Leonardo Boff João Carlos Loebens Alexandre de Lima Castro Tranjan Rodrigo de Faria Valerio Arcary Michel Goulart da Silva Henri Acselrad Francisco Pereira de Farias Marcos Aurélio da Silva Ronaldo Tadeu de Souza Fernão Pessoa Ramos Alysson Leandro Mascaro Walnice Nogueira Galvão Osvaldo Coggiola Salem Nasser Ari Marcelo Solon Boaventura de Sousa Santos Luiz Werneck Vianna José Costa Júnior Paulo Nogueira Batista Jr Elias Jabbour José Dirceu Slavoj Žižek Marjorie C. Marona Gilberto Lopes José Raimundo Trindade Jorge Branco Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Milton Pinheiro Antonio Martins Luciano Nascimento Vladimir Safatle Leonardo Sacramento Eugênio Trivinho Benicio Viero Schmidt Marilia Pacheco Fiorillo Fernando Nogueira da Costa André Márcio Neves Soares Everaldo de Oliveira Andrade Marcelo Guimarães Lima Armando Boito Gerson Almeida Lucas Fiaschetti Estevez Antonino Infranca Claudio Katz Otaviano Helene Matheus Silveira de Souza Anselm Jappe

NOVAS PUBLICAÇÕES