Por ROSA LUXEMBURGO*
“Faremos nossa voz ressoar alto, as massas nos entenderão, e aí elas se voltarão tanto mais impetuosamente contra esses fabricantes de boatos e provocadores de pogroms”
“Liebknecht assassinou 200 oficiais em Spandau. Liebknecht foi assassinado em Spandau. Os spartakistas tomaram de assalto o Marstall.[i]
Os spartakistas queriam invadir o Berliner Tageblatt[ii] armados de metralhadoras. Liebknecht saqueia as lojas. Liebknecht distribui dinheiro aos soldados para incitá-los à contrarrevolução”.
“Os spartakistas avançam contra o Parlamento”. A esta notícia, a bancada do Partido Popular Progressista ali reunida entrou em pânico e a digna assembleia se dispersou deixando atrás de si, sobre o palco onde horríveis delitos eram aguardados, chapéus, guarda-chuvas e outros objetos preciosos, quase insubstituíveis nos dias de hoje.
É assim que há uma semana circulam os boatos mais estúpidos sobre a nossa tendência. Que em algum lugar uma janela se estilhace na rua, que um pneu estoure na esquina com grande estrondo e logo algum idiota, olhando em volta com os cabelos eriçados e a espinha arrepiada, exclama: “Aha! são com certeza os spartakistas!”
Várias pessoas fizeram a Karl Liebknecht um tocante pedido pessoal: que por favor excluísse o marido, o sobrinho ou a tia do massacre planejado pelos spartakistas. Eis o que se passou, em verdade vos digo, no primeiro ano, no primeiro mês da gloriosa revolução alemã.
Vendo isso quem não pensa na cena da Flauta mágica em que o pequeno malandro Monostatos, apavorado com a sombra de Papageno, tremendo de medo, canta:
Acredito que seja o diabo,
Sim, sim, é o diabo,
Ah! se eu fosse um camundongo,
Como me esconderia,
Ah! se eu fosse um caracol,
Logo entraria em minha casa.[iii]
Mas por trás desses rumores confusos, dessas fantasias ridículas, dessas absurdas histórias de bandidos e dessas mentiras desavergonhadas acontece algo muito sério: há sistema nisso. A campanha é conduzida de maneira planejada. Os rumores são fabricados deliberadamente e lançados em público: essas histórias da carochinha servem para lançar os idiotas num clima de pânico, para confundir a opinião pública, intimidar e desorientar os trabalhadores e soldados, para criar uma atmosfera de pogrom e apunhalar politicamente a tendência spartakista, antes que ela tenha a possibilidade de levar sua política e seus objetivos ao conhecimento das grandes massas.
O jogo é antigo. Basta lembrar como há quatro anos, quando a guerra foi deflagrada, os promotores de guerra puseram em circulação, por meio de seus agentes, os boatos mais extravagantes: automóveis de ouro, aviadores franceses, fontes envenenadas, olhos furados – tudo isso para provocar um furor bélico cego e utilizar os trabalhadores como carne de canhão.[iv] Hoje procede-se da mesma maneira, visando a desorientar as massas populares, a semear entre elas o ódio cego para que se deixem utilizar, inconsciente e acriticamente, contra a tendência spartakista.
Nós conhecemos a melodia, conhecemos a letra e inclusive os autores. São os círculos dos social-democratas dependentes,[v] dos Scheidemann, Ebert, Otto Braun, dos Bauer, Legien e Baumeister[vi] que envenenam deliberadamente a opinião pública com mentiras desavergonhadas e instigam o povo contra nós porque temem nossa crítica e têm todas as razões para temê-la.
Essa gente, que ainda uma semana antes de a revolução eclodir denunciava como crime, “golpismo”, aventura qualquer ideia de revolução na Alemanha, que declarava que a democracia já estava realizada na Alemanha pois o príncipe Max[vii] era chanceler e Scheidemann e Erzberger andavam para lá e para cá de casaca de ministro, essa gente quer hoje persuadir o povo de que a revolução já está feita e que os objetivos principais já foram atingidos. “Eles querem retardar a continuidade da revolução, querem salvar a propriedade capitalista, a exploração capitalista!” Esta é a “ordem” e a “calma” que se quer proteger contra nós.
Aí é que está a dificuldade. E também a razão pela qual esses senhores alimentam contra nós um medo e um ódio mortais. Eles sabem perfeitamente que não saqueamos lojas, embora desejemos abolir a propriedade privada; que não nos lançamos ao assalto do Marstall nem do Parlamento, embora desejemos destruir a dominação de classe da burguesia; que não assassinamos ninguém, embora desejemos intransigentemente fazer avançar a revolução no interesse dos trabalhadores.
Com toda consciência e claras intenções eles desfiguram nossos objetivos socialistas em aventura lumpenproletária para desorientar as massas. Grita-se contra os golpes, os assassinatos e outros absurdos semelhantes, mas é o socialismo que se tem em mente. Procurando apunhalar a tendência spartakista, é o coração da própria revolução proletária que se quer atingir!
Mas o jogo não terá êxito. Não nos farão calar. Camadas pouco lúcidas de trabalhadores e soldados podem ainda momentaneamente deixar-se instigar contra nós. Um retorno momentâneo da vaga contrarrevolucionária pode levar-nos de volta a uma dessas prisões que acabamos de deixar – não se pode parar a marcha férrea da revolução. Faremos nossa voz ressoar alto, as massas nos entenderão, e aí elas se voltarão tanto mais impetuosamente contra esses fabricantes de boatos e provocadores de pogroms.
E então a tempestade destruirá, não o Marstall, as padarias ou os idiotas medrosos, mas ela varrerá vocês, vocês que ontem eram cúmplices da reação burguesa e do príncipe Max, vocês, tropas protetoras da exploração capitalista, vocês, patrulhas da contrarrevolução à espreita, vocês, lobos em pele de cordeiro!
*Rosa Luxemburgo (1871-1919), economista e filósofa, foi dirigente do SPD e líder do movimento espartaquista. Autora, entre outros livros, de Reforma ou revolução? (Expressão Popular).
Tradução: Isabel Loureiro.
Publicado originalmente em Die Rote Fahne, no. 3, 18 de novembro de 1918.
À medida que se aproxima o 15 de janeiro – dia em que, em 1919, foram assassinados Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht por policiais do governo social-democrata alemão –, publicamos textos que recuperam o legado desses importantes revolucionários.
Notas da tradutora
[i] Marstall: edifício militar onde fica acantonada uma unidade de marinheiros revolucionários.
[ii] Berliner Tageblatt: jornal da grande imprensa berlinense.
[iii] Ich glaub’, das ist der Teufel,/ Ja, ja, das ist der Teufel,/ Ach, wär’ ich eine Maus,/ Wie wollt’ ich mich verstecken,/ Ach, wär’ ich eine Schnecken,/ Gleich kröch’ ich in mein Haus.
[iv] Cf. o começo de A crise da social-democracia.
[v] Rosa Luxemburgo refere-se aos social-democratas majoritários, opondo-os aos independentes.
[vi] Albert Baumeister: dirigente sindical; em 1919 contribuiu para armar um regimento de voluntários para apoiar o partido e o governo social-democratas contra os revolucionários.
[vii] Max von Baden, primo do imperador Guilherme, foi nomeado chanceler do império alemão em 3 de outubro de 1918. Formou um gabinete com Erzberger, do partido do Centro, dois social-democratas, Scheidemann e Bauer, e os liberais. A Alemanha se tornou uma monarquia parlamentar, até que no dia 9 de novembro o imperador foi forçado a renunciar devido à onda revolucionária que tomou conta do país derrotado na guerra.
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