Um presidente e os 100 mil mortos por Covid-19

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Por Kátia Gerab Baggio*

Bolsonaro não governa, não preside, apenas mente e engana os que se deixam enganar, por idolatria ou má fé

Se Jair Bolsonaro agisse, de fato, como presidente da República, ele teria falado à população brasileira, no sábado, 8 de agosto, em rede nacional, por meio das emissoras de televisão, rádio e internet.

Mas ele apenas ocupa o cargo, não atua como presidente, não governa. Por isso, não merece ser chamado de presidente, apesar de eleito (utilizando-se de métodos espúrios, como já foi comprovado). Por isso, não há governo, e sim desgoverno.

E o que falaria, em rede nacional, um presidente de fato, neste momento em que a pandemia matou 100.000 pessoas no Brasil (na verdade, muito mais, em razão da subnotificação nos atestados de óbito)?

Lamentaria, sim, e com sinceridade, as mortes, e daria condolências às famílias enlutadas.

Mas, acima de tudo, prestaria contas à população brasileira sobre todas as medidas já tomadas para combater o avanço da pandemia, melhorar o atendimento aos doentes (de covid-19 e de outras enfermidades) por meio da estrutura do SUS, e reativar a economia, em crise profunda.

Além disso, daria informações, da maneira mais clara possível, sobre as medidas que seriam adotadas nos próximos meses, tanto de políticas de saúde pública como econômicas e sociais.

Também daria entrevistas coletivas, com liberdade para os jornalistas fazerem perguntas.

Como nada disso acontece, e Jair não admite questionamentos — pelo contrário, agride, com ofensas e violência verbal, os(as) jornalistas (e todas as pessoas que façam quaisquer objeções aos seus métodos e modos grosseiros e autoritários) —, não há uma democracia de fato, hoje, no Brasil.

E o que faz Bolsonaro? Apenas lives na internet, com sua fala truncada e vocabulário desconexo, para fazer propaganda de um medicamento sem eficácia comprovada contra a covid-19. Em sua última live, na quinta, 6 de agosto — ao lado do ministro da Saúde, general da ativa Eduardo Pazuello (interino há quase três meses, que militarizou o ministério em meio à pandemia) —, disse apenas que “lamenta todas as mortes” e completou: “mas vamos tocar a vida e buscar uma maneira de se safar desse problema”.

Essa não é uma atitude de um presidente da República. É papo de botequim, conversa de esquina, sem nenhum compromisso com nada. E, muito menos, com a nação.

Bolsonaro não governa, não preside, apenas mente e engana os que se deixam enganar, por idolatria ou má fé.

Como explicar que milhões de brasileiros e brasileiras continuem apoiando “isso aí” — segundo várias pesquisas de opinião —, depois de mais de 19 meses de desgoverno de um desqualificado que jamais poderia ocupar o cargo de presidente da República? Um sujeito que debocha e desdenha dos problemas mais sérios da população?

Foram anos seguidos de criminalização da política e desconstrução dos valores democráticos, em que o ovo da serpente do neofascismo foi chocado. E são milhões a receberem o auxílio emergencial, em um momento de desespero e desalento.

Que não tenhamos ilusões. Reconstruir a democracia não será tarefa nada simples, nada fácil. Será longa e penosa.

Esse período ficará marcado, na história brasileira, pela tragédia e pela mais absoluta vergonha.

E, mais uma vez, os militares brasileiros, na sua grande maioria — por ação ou omissão —, serão corresponsáveis pela tragédia e pela vergonha.

* Kátia Gerab Baggio é professora de História das Américas na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG

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