101 canções que tocaram o Brasil

Joan-Josep Tharrats, Quem olha, 1961
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Por AFRÂNIO CATANI*

Comentário sobre o livro de Nelson Motta em colaboração com Antônio Carlos Miguel

“O que incluir e o que excluir – eis a questão” (Karl Popper).

Após 13 meses morando com a família em Londres retornei ao Brasil em agosto de 2016. Ano difícil: impeachment da Dilma Rousseff, Libra Esterlina cotada a R$ 4,00 meses antes atingindo a R$ 6,60 – nesse momento em que escrevo, graças à política econômica colocada em prática por um governo genocida, atingiu o valor de R$ 7,61 –, greve nas universidades estaduais paulistas, desânimo geral, o “Fora Temer!” tendo pouca eficácia…

Assim, foi um bálsamo encontrar, um mês depois, o livro 101 canções que tocaram o Brasil, que Nelson Motta escreveu com a colaboração de Antônio Carlos Miguel.

No “Posfácio – Bônus Track” (p. 215-218) reconhece-se que “as 101 melhores, ou mais importantes canções brasileiras não existem”, listando bem mais de uma centena daquelas que não foram contempladas na obra, reconhecendo ainda que a seleção poderia chegar, sem problemas, a 1.001 músicas, “tal a criatividade e a diversidade dos compositores brasileiros no último século.” Seguramente, Motta e Miguel se depararam com o dilema enunciado pelo filósofo Karl Popper (1902-1994) em sua Autobiografia intelectual, que utilizei como epígrafe nesse artigo: “o que incluir e o que excluir – eis a questão”.

E essa maravilhosa lista, defende Motta, deveria (e deve) ser feita “por gênero, por época, por importância histórica ou sucesso popular, além da excelência melódica, harmônica, rítmica e poética.” Acrescenta, igualmente, que a música brasileira possui como uma de suas grandes qualidades a “variedade inigualável de gêneros, estilos, ritmos e misturas musicais, de Belém a Porto Alegre, em épocas distintas e sob múltiplas influências, que representam nossa diversidade étnica e cultural”, ponderando que “entre as inúmeras canções lindas, alegres, dramáticas, românticas, divertidas, trágicas, políticas, sociais, dos mais variados ritmos e estilos, que se tornaram populares e marcaram seu tempo, algumas tocaram especialmente o Brasil, nos nossos melhores e piores momentos, e se tornaram trilha sonora de nossa história pessoal e coletiva.”

Steve Turner, há alguns anos, escreveu um belo livro contando os pormenores da criação de cada uma das canções dos Beatles, constituindo-se em saboroso texto para quem se interessa por parte dos bastidores envolvendo o quarteto de Liverpool. Motta, coadjuvado por Miguel, vai contando tintim por tintim a respeito das 101 músicas escolhidas. Como em toda a seleção, evidentemente se pode discordar das eleitas. Afinal, somos mais de 210 milhões de apreciadores dos sons produzidos pelos compositores que executam seu ofício por aqui. Mas, reitero, se houver dúvida a respeito das “barradas no baile”, pode-se ir ao Posfácio e, certamente, lá aparecerá a injustiçada, mencionada, mas não incluída.

Pessoalmente, gostei de como a obra foi organizada obra, fartamente recheada de imagens de intérpretes e de compositora(e)s, bem como de capas de discos, CDs, fotos de shows, cartazes, caricaturas… Cada canção aparece comentada e contextualizada, quer no que se refere à carreira do(a) compositor(a), da(o) intérprete e/ou da corrente musical à qual se encontra vinculada. Comentários ágeis e preciosos.

O percurso inicia-se em 1899, com “Ó abre alas”, de Chiquinha Gonzaga, e conclui-se em 2003 com Marcelo D2 e Davi Corcos (“À procura da batida perfeita”). Entre essas “pontas” temos 99 músicas. Mencionarei parte delas, na impossibilidade de detalhar todo o conjunto.

Noel Rosa comparece com “Feitiço da Vila” (1934, com Vadico) e “Palpite infeliz” (1936); há “Pelo telefone” (Donga e Mauro de Almeida, 1916); Pixinguinha tem “Carinhoso” (1937, com João de Barro) e “Rosa” (1937, com Otávio de Souza); Ary Barroso possui 3 registros: “Na Baixa do Sapateiro” (1938), “Aquarela do Brasil” (1939) e “Pra machucar meu coração” (1943). Dorival Caymmi é lembrado em cinco canções: “Rosa Morena” (1942), “Dora” (1945), “Marina” (1947), “João Valentão” (1953) e “Saudade da Bahia” (1957). Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira com “Asa branca” (1947), Lupicínio Rodrigues com “Nervos de aço” (1947) e Zé Keti com duas músicas (“A voz do morro”, 1945; “Mascarada”, com Elton Medeiros, 1965). Jorge Ben Jor, por sua vez, tem “Mas que nada” (1963) e “País tropical” (1969). Luiz Melodia (“Pérola negra”, 1972), Raul Seixas (“Ouro de tolo”, 1973; “Metamorfose ambulante”, 1973) e Cartola (“O sol nascerá”, 1964, com Elton Medeiros; “As rosas não falam”, 1976 e “O mundo é um moinho”, 1976) não são esquecidos, enquanto Milton Nascimento, com “Travessia” (Fernando Brant, 1967), “Nada será como antes” (Ronaldo Bastos, 1971) e “Coração de estudante” (Wagner Tiso, 1983) e Gonzaguinha, com “Explode coração” (1979) e “O que é, o que é” (1982), surgem com realce.

Os comentários acerca de Chico Buarque se concentram em “Apesar de você” (1970), “Construção” (1971), “Olhos nos olhos” (1976), “Beatriz” (Edu Lobo, 1983) e “Futuros amantes” (1993). Roberto e Erasmo Carlos não poderiam ficar de fora: “Detalhes” (1971), “Emoções” (1981) e “Fera ferida” (1983) são analisadas. Paulinho da Viola tem duas músicas – “Foi um rio que passou em minha vida” (1969) e “Coração leviano” (1977) –, Paulo Sérgio Valle e Marcos Valle também duas (“Preciso aprender a ser só”, 1961 e “Samba de verão”, 1965), o mesmo para Gilberto Gil (“Domingo no parque”, 1967 e “Aquele abraço”, 1969) e outras três para Caetano Veloso: “Força estranha”, “Sampa” e “Terra”, todas de 1978.

Vinicius de Moraes, Tom Jobim, Newton Mendonça, Carlos Lyra, Baden Powell e Toquinho são resenhados em “Chega de Saudade” (Tom e Vinicius, 1958), “Eu sei que vou te amar” (idem, 1958), “Desafinado” (Tom e Mendonça, 1959), “Samba da bênção” (Vinicius e Baden, 1963), “Garota de Ipanema” (Tom e Vinicius, 1963), “Canto de Ossanha” (Vinicius e Baden, 1966), “Primavera” (Vinicius e Lyra, 1964), “Wave” (Vou te contar) (Tom, 1967), “Tarde em Itapuã” (Toquinho e Vinicius, 1971) e “Águas de Março” (Tom, 1972).

Mas o livro não para por aí: há também Lamartine Babo, Silval Silva, Bororó, Assis Valente, Zé da Zilda, Marino Pinto, Braguinha, Cassiano, Guilherme Arantes, Ivone Lara, Rita Lee, Djavan, Zé Ramalho, Cazuza, Frejat, Marina Lima, Lobão, Herbert Vianna, Arnaldo Antunes, Marisa Monte, Carlinhos Brown, Tim Maia, Renato Russo, Lulu Santos, Ah, mas ia me esquecendo de Nélson Cavaquinho, Adoniran Barbosa, Jacob do Bandolim, Renato Teixeira, João Bosco, Aldir Blanc, Geraldo Vandré, Johnny Alf, Belchior, Jorge Mautner…

Enfim, saliento mais uma vez: pode-se discordar da seleção elaborada por Motta e Miguel, mas é um livro alto astral. Entendo que não dá para colocar reparo nas quatro últimas linhas do “Bônus Track” escritas por Nelsinho: “Das modinhas e choros ao funk e a tecnobrega, a música brasileira acompanha os movimentos do país com canções que contam a história de um tempo e dos sentimentos dos brasileiros com qualidade, quantidade e diversidade” (p. 218).

*Afrânio Catani é professor titular aposentado da Faculdade de Educação da USP e, atualmente, professor sênior na mesma instituição. Professor visitante na Faculdade de Educação da UERJ, campus de Duque de Caxias.

 

Referência


Nelson Motta. 101 canções que tocaram o Brasil (com a colaboração de Antônio Carlos Miguel). Rio de Janeiro, Estação Brasil, 2016, 224 págs.

 

Bibliografia


Karl Popper. Autobiografia intelectual. Tradução: Leônidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota. São Paulo, Cultrix, 1986.

Steve Turner. The Beatles: a história por trás de todas as canções. Tradução: Alyne Azuma. São Paulo, Cosacnaify.

 

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