Por MICHAEL LÖWY*
Na minha juventude, durante as décadas de 2020 e 2030, ainda era possível evitar a Grande Catástrofe Climática
Olá. O inverno está começando e aqui na Groenlândia temos uma temperatura agradável de inverno, que não ultrapassa os 40°C. Infelizmente, não é esse o caso em outros lugares do planeta…
Os redatores da Gazeta da Groenlândia pediram-me que fizesse um breve relato dos acontecimentos dramáticos que ocorreram ao longo deste século, um relato destinado às novas gerações que nasceram aqui e que não conheceram esta história. Eu posso fazê-lo porque, nascido em 2002, sou um dos mais velhos sobreviventes da GCC, a Grande Catástrofe Climática.
Na minha juventude, durante as décadas de 2020 e 2030, ainda era possível evitar a Grande Catástrofe Climática. Mas isso teria exigido medidas urgentes e radicais, como a interrupção imediata da exploração dos combustíveis fósseis, um modelo diferente de agricultura, uma redução substancial da produção, o abandono do consumismo, etc. Não foi possível tomar tais medidas sem a expropriação dos bancos e das grandes empresas, sem um planejamento democrático, em suma, sem uma ruptura com o sistema capitalista.
Mas poderíamos ter começado com uma transição ecológica mínima, como primeiro passo para uma mudança global. Uma minoria substancial da população – jovens, ecologistas e sindicalistas no Norte, indígenas e camponeses no Sul, e, em todos os lugares, as mulheres – mobilizou-se pelas causas socioecológicas. Mas uma grande parte da população permaneceu prisioneira da alienação fetichista da mercadoria ou da chantagem dos capitalistas.
O pior foi que, em muitos países, à medida que a crise ecológica se agravava, o racismo anti-imigrantes favoreceu a eleição de governos abertamente ecocidas, negacionistas, de tipo neofascista. Em outros países, tivemos governos “razoáveis”, que reconheceram a necessidade de evitar um aumento da temperatura superior a 1,5°C, mas não tomaram qualquer medida urgente necessária. Propuseram políticas totalmente ineficazes, como o “mercado de direitos de emissões” ou os “mecanismos de compensação”, ou ainda falsas soluções técnicas.
A oligarquia dos combustíveis fósseis, composta não apenas pelas grandes empresas petrolíferas, de carvão e de gás, mas também pelas indústrias automobilísticas, químicas e de plásticos, assim como pelos bancos parceiros, tinha um poder imenso e conseguiu bloquear qualquer avanço sério. A partir de 2040, a janela de oportunidade fechou-se e as mudanças climáticas tornaram-se incontroláveis.
Entre 2050 e 2080, assistimos gradualmente ao desaparecimento das florestas, devoradas por incêndios cada vez mais monstruosos. Ao mesmo tempo, os rios secaram e a água potável tornou-se cada vez mais escassa. A desertificação alastrou-se pelas terras – apesar das fortes chuvas e das inundações mortíferas – enquanto as cidades costeiras foram inundadas pela elevação do nível do mar (resultado do degelo das calotas polares).
Mas o pior de tudo foi o aumento da temperatura, que gradualmente atingiu 50°C ou mais, tornando inabitáveis países inteiros e, na sequência, os continentes. Poderia ter sido ainda pior: se a produção – e, por conseguinte, as emissões – não tivesse sofrido um colapso a partir de 2050, todo o planeta teria ficado impróprio para a vida humana.
Como você certamente sabe, os sobreviventes refugiaram-se nos polos: os habitantes do Norte aqui, na Groenlândia, e os do Sul na Antártida. Os cientistas calculam que, em alguns séculos, os gases de efeito estufa na atmosfera serão consideravelmente reduzidos e a temperatura do planeta voltará gradualmente a seu nível do Holoceno. Podemos consolar-nos com esta previsão otimista, mas pessoalmente não posso aceitar que tantos seres humanos da minha geração tenham desaparecido, vítimas dos terrores da Grande Catástrofe Climática.
A Catástrofe não era inevitável. Mas os nossos avisos não foram ouvidos. Nós, os cientistas do IPCC e os defensores de uma ecologia antissistêmica – ecossocialismo, ecologia social, comunismo do decrescimento, etc. – nos fizemos de Cassandras. Mas, como sabemos depois da Guerra de Tróia, não gostamos de Cassandras: seus discursos alarmistas são impopulares. Dito isto, sem dúvida, cometemos erros: não fomos capazes de encontrar os argumentos, a linguagem, as propostas capazes de convencer as maiorias.
Perdemos a batalha. Esperemos que, dentro de alguns séculos, a humanidade possa voltar a habitar todo o planeta Terra, com um modo de vida mais harmonioso, baseado na solidariedade entre os seres humanos e no respeito pela Mãe Terra.
*Michae Löwy é diretor de pesquisa em sociologia no Centre nationale de la recherche scientifique (CNRS). Autor, entre outros livros, de Franz Kafka sonhador insubmisso (Editora Cem Cabeças) [https://amzn.to/3VkOlO1]
Tradução: Fernando Lima das Neves.
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