Israel: democracias não fecham entidades de direitos humanos

Imagem: Timo
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Por PAULO SÉRGIO PINHEIRO*

Quando defensores de direitos humanos são atacados, não importa o país, impõe-se sermos solidários

Durante quatro anos, de 2003 a 2007, atuei como Independent Expert do secretário-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), nomeado por Kofi Annan, para preparar o Relatório Mundial sobre Violência contra criança, publicado em 2006. Visitei sessenta e cinco países e organizei nove grandes encontros nos diferentes continentes. Sempre contei com a colaboração, além das agências da ONU, de entidades da sociedade civil como a Defense for Children International (Defesa de Crianças Internacional – DCI), criada em 1979 visando a promoção e a proteção dos direitos articulados na Convenção Internacional dos direitos da criança, com bases em 38 países e com representação na ONU em Nova Iorque. Na Palestina, oferecem assistência jurídica às 175 crianças presas em Israel, algumas com menos de 10 anos.

Qual foi meu horror quando li no Haaretz, o mais antigo e prestigioso jornal de Israel, que em 15 de agosto as forças de segurança de Israel invadiram e lacraram os escritórios da Defense for Children International em Ramallah. Além dessa, outras organizações palestinas de direitos humanos – reconhecidas pelas grandes organizações de direitos humanos israelenses – foram atingidas, como a Al-Haq, a mais antiga, que recorre ao direito internacional para combater a ocupação militar e a violência dos colonos israelenses, a Associação de Direitos Humanos e Apoio a Prisioneiros (Addameer), o Sindicato das Comissões de Trabalho Agrícola, o Centro Bisan para Pesquisa e Desenvolvimento, os Comitês da União de Mulheres e o Sindicato dos Comitês de Trabalho em Saúde.

Esses grupos têm o mesmo perfil que a Comissão Arns. Trabalham, como nós, com mulheres, crianças, famílias camponesas, prisioneiros e ativistas da sociedade civil. Todos envolvidos em documentar abusos de direitos humanos por parte de Israel, mas também violações pela Autoridade Palestina, quando prende ativistas e oposições.

Esses raids brutais se originam na acusação pelo governo de Israel dessas organizações serem ‘organizações terroristas’, sem nenhuma evidência pública concreta e crível dessas por supostas ligações com o terrorismo. Essa designação foi condenada por nossos parceiros, como Anistia Internacional, Human Rights Watch e pelo Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR), que a considerou um “ataque frontal ao movimento palestino de direitos humanos e aos direitos humanos em todo o mundo”.

Logo depois daqueles raids, para expressar seu apoio às entidades, 17 missões diplomáticas – claro, o Brasil nem pensar! – se reuniram em Ramallah com os dirigentes daquelas entidades: Alemanha, Bélgica, Chile, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Irlanda, Itália, México, Noruega, Polônia, Reino Unido, Suécia, União Europeia (UE).

Os Estados Unidos disseram que “organizações independentes da sociedade civil na Cisjordânia e em Israel devem poder continuar seu importante trabalho”. Josep Borrell, chefe da diplomacia da União Europeia, afirmou que “a União Europeia continuará a respeitar o direito internacional e a apoiar as organizações da sociedade civil”. O OHCHR declarou que, não havendo nenhuma evidência para justificar essas ações, “os fechamentos parecem totalmente arbitrários”. Para o secretário-Geral da ONU, “em todos os países, as autoridades precisam ter um cuidado especial para garantir que grupos de direitos humanos e organizações da sociedade civil possam realizar seu trabalho sem impedimentos”, e pediu a proteção daqueles grupos da sociedade civil palestina.

Aqui, vão repetir, por que essa fixação com palestinos e Israel? Esse país ocupa faz 55 anos a Cisjordânia, submetendo seus habitantes a um regime legal de apartheid em dois níveis: os cerca de 390 mil colonos judeus vivem sob a lei civil israelense e seus mais de 2 milhões de vizinhos palestinos, sob regime militar. Apesar disso, Israel se apresenta ao mundo, e aqui no Brasil, como a “única democracia no Oriente Médio”.

Ora, democracias não perseguem defensores de direitos humanos, não acusam suas organizações de terrorismo sem provas, nem invadem, confiscam seus arquivos e lacram suas sedes, para silenciá-los. Essas práticas ocorrem somente em autocracias e em ditaduras, como aconteceu aqui no Brasil, por 21 anos.

Esses raids são atentados contra o movimento global de direitos humanos que nós no Brasil tanto prezamos. Quando defensores de direitos humanos são atacados, não importa o país, impõe-se sermos solidários. Da mesma forma que necessitamos da solidariedade externa quando estávamos sob uma ditadura. E que precisaremos novamente, caso a extrema direita não seja derrotada nas eleições de outubro.

*Paulo Sérgio Pinheiro é professor aposentado de ciência política na USP; ex-ministro dos Direitos Humanos; relator especial da ONU para a Síria e membro da Comissão Arns. Autor, entre outros livros, de Estratégias da ilusão: a revolução mundial e o Brasil, 1922-1935 (Companhia das Letras).

 

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