Trump terminará ou ampliará as guerras de Biden?

Imagem: UNICEF
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Por MEDEA BENJAMIN & NICOLAS J. S. DAVIES*

Entre a catástrofe que Donald Trump herdará e os falcões de guerra que ele está escolhendo para seu gabinete, a paz no Oriente Médio parece mais distante do que nunca

1.

Quando Donald Trump assumir o cargo em 20 de janeiro, todas as suas promessas de campanha de acabar com a guerra na Ucrânia em 24 horas, assim como, quase com a mesma rapidez, com a guerra de Israel contra seus vizinhos serão postas à prova. As escolhas que ele fez para seu novo governo até agora, de Marco Rubio como Secretário de Estado a Mike Waltz como Conselheiro de Segurança Nacional, Pete Hegseth como Secretário de Defesa e Elise Stefanik como Embaixadora da ONU, formam uma galeria de cobras venenosas que gostam de picar.

O único conflito em que as negociações de paz parecem estar na agenda é a Ucrânia. Em abril, tanto o vice-presidente eleito JD Vance quanto o senador Marco Rubio votaram contra um projeto de lei de ajuda militar de US$ 95 bilhões que incluía US$ 61 bilhões para a Ucrânia.

Marco Rubio apareceu recentemente no Today Show da NBC dizendo: “Acho que os ucranianos têm sido incrivelmente corajosos e fortes ao enfrentar a Rússia. Mas, no final das contas, o que estamos financiando aqui é um impasse militar – e ele precisa terminar… Acho que tem que haver algum bom senso aqui”.

Na campanha, JD Vance fez uma sugestão controversa sobre a melhor maneira de acabar com a guerra: a Ucrânia cede as terras que a Rússia tomou, uma zona desmilitarizada é criada e a Ucrânia se torna um país neutro. Ele foi duramente criticado por republicanos e democratas, que argumentam que apoiar a Ucrânia é de vital importância para a segurança dos EUA, uma vez que enfraquece a Rússia, que é aliada próxima da China.

Qualquer tentativa de Donald Trump de impedir o apoio militar dos EUA à Ucrânia sem dúvida enfrentará forte oposição das forças favorável à guerra em seu próprio partido, particularmente no Congresso, bem como talvez de todo o Partido Democrata. Dois anos atrás, trinta democratas progressistas que atuam no Congresso escreveram uma carta ao presidente Joe Biden pedindo-lhe que considerasse promover negociações. Os quadros superiores do partido ficaram tão furiosos com a falta de disciplina partidária que atacaram os progressistas como uma tonelada de pedras. Em 24 horas, o grupo se redimiu e aboliu a carta. Desde então, todos votaram a favor de mais dinheiro para a Ucrânia e não pronunciaram mais uma palavra sobre negociações.

Portanto, um esforço de Donald Trump para cortar fundos para a Ucrânia pode esbarrar em um esforço bipartidário do Congresso para manter a guerra em andamento. E não vamos esquecer os esforços dos países europeus e da OTAN para manter o envolvimento dos EUA nessa luta. Ainda assim, Donald Trump poderia enfrentar todas essas forças e pressionar por uma política racional que reiniciasse as conversações e parasse com a matança.

2.

O Oriente Médio, no entanto, se apresenta como uma situação ainda mais difícil. Em seu primeiro mandato, Donald Trump mostrou que atua em favor de Israel quando intermediou os acordos de Abraão entre vários países árabes e Israel. Como se sabe, ele mudou a embaixada dos EUA para um local em Jerusalém que está parcialmente em terras ocupadas fora das fronteiras internacionalmente reconhecidas de Israel. Ademais, ele reconheceu as Colinas de Golã ocupadas na Síria como parte de Israel. Esses sinais sem precedentes de apoio incondicional dos EUA à ocupação ilegal e aos assentamentos de Israel ajudaram a preparar o terreno para a crise atual.

Parece improvável que Donald Trump contrarie Joe Biden e que corte o envio de armas dos EUA para Israel, apesar das pesquisas de opinião pública favorecerem essa suspensão. Ademais, um recente relatório de direitos humanos da ONU mostrou que 70% das pessoas mortas por essas armas dos EUA são mulheres e crianças.

Enquanto isso, o astuto primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu já está se preparando para uma segunda presidência de Donald Trump. No mesmo dia da eleição dos EUA, Benjamin Netanyahu demitiu seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, que se opunha a uma ocupação militar israelense duradoura de Gaza e às vezes defendia priorizar a vida dos reféns israelenses em vez de matar mais palestinos.

Israel Katz, o novo ministro da Defesa e ex-ministro das Relações Exteriores, é mais agressivo do que Yoav Gallant e liderou uma campanha para culpar falsamente o Irã pelo contrabando de armas da Jordânia para a Cisjordânia.

Outras vozes poderosas, o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, e o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, que também é ministro do Ministério da Defesa, representam partidos sionistas extremistas que estão publicamente comprometidos com a expansão territorial, anexação e limpeza étnica. Ambos vivem em assentamentos israelenses ilegais na Cisjordânia ocupada.

Portanto, Benjamin Netanyahu se cercou deliberadamente de aliados que apoiam sua política de ampliação da guerra. Eles certamente estão desenvolvendo um plano de guerra para explorar o apoio de Donald Trump a Israel, mas primeiro usarão a oportunidade única da transição de poder dos EUA para criar fatos no terreno que limitarão as opções de Donald Trump quando ele assumir o cargo.

Os israelenses, sem dúvida, redobrarão seus esforços para expulsar ao máximo os palestinos de Gaza, confrontando o presidente Donald Trump com uma crise humanitária catastrófica na qual a população sobrevivente de Gaza está amontoada em uma área incrivelmente pequena, quase sem comida, sem abrigo para muitos, doenças correndo soltas e sem acesso aos cuidados médicos necessários para dezenas de milhares de pessoas horrivelmente feridas e moribundas.

Os israelenses contarão com Donald Trump para aceitar qualquer solução final que proponham, provavelmente expulsando os palestinos de Gaza, para a Cisjordânia, Jordânia, Egito e outros lugares.

Israel ameaçou o tempo todo fazer com o Líbano o mesmo que fez com Gaza. As forças israelenses encontraram resistência feroz, sofreram pesadas baixas e não avançaram muito no Líbano. Mas, como em Gaza, eles estão usando bombardeios e artilharia para destruir aldeias e cidades, matar ou expulsar pessoas para o norte e esperam anexar efetivamente a parte do Líbano ao sul do rio Litani como a chamada “zona tampão”. Quando Trump assumir o cargo, eles podem pedir um maior envolvimento dos EUA para ajudá-los a “terminar o trabalho”.

3.

O grande curinga é o Irã. O primeiro mandato de Donald Trump foi marcado por uma política de “pressão máxima” contra Teerã. Ele retirou unilateralmente os Estados Unidos do acordo nuclear com o Irã, impôs severas sanções que devastaram a economia e ordenou o assassinato do principal general do país. Donald Trump não apoiou uma guerra contra o Irã em seu primeiro mandato, mas teve que ser convencido a não atacar o Irã em seus últimos dias no cargo pelo general Mark Milley e pelo Pentágono.

O ex-chefe de gabinete de Colin Powell, o coronel aposentado Lawrence Wilkerson, descreveu recentemente a Chris Hedges o quão catastrófica seria uma guerra com o Irã, com base nos jogos de guerra militares dos EUA em que ele esteve envolvido.

Lawrence Wilkerson prevê que uma guerra dos EUA contra o Irã poderia durar dez anos, custar US $ 10 trilhões e ainda não conseguir conquistar o Irã. Os ataques aéreos por si só não destruiriam todo o programa nuclear civil do Irã e os estoques de mísseis balísticos. Assim, uma vez desencadeada, a guerra muito provavelmente se transformaria em uma guerra de mudança de regime envolvendo forças terrestres dos EUA, em um país com três ou quatro vezes o território e a população do Iraque, terreno mais montanhoso e uma costa de mil milhas de extensão repleta de mísseis que podem afundar navios de guerra dos EUA.

Mas Benjamin Netanyahu e seus aliados sionistas extremistas acreditam que devem, mais cedo ou mais tarde, travar uma guerra existencial com o Irã se quiserem realizar sua visão de um Grande Israel dominante. E eles acreditam que a destruição que causaram aos palestinos em Gaza e ao Hezbollah no Líbano, incluindo o assassinato de seus líderes seniores, lhes deu uma vantagem militar e uma oportunidade favorável para um confronto com o Irã.

Em 10 de novembro, Donald Trump e Benjamin Netanyahu haviam falado ao telefone três vezes desde a eleição. Netanyahu disse à imprensa que eles estão “de acordo com a ameaça iraniana”. Donald Trump já contratou o falcão do Irã Brian Hook, que o ajudou a sabotar o acordo nuclear JCPOA com o Irã em 2018, para coordenar a formação de sua equipe de política externa.

Até agora, a equipe que Donald Trump e Brian Hook montaram parece oferecer esperança de paz na Ucrânia, mas pouco ou nenhum de paz no Oriente Médio e um perigo crescente de uma guerra EUA-Israel contra o Irã.

4.

O esperado conselheiro de segurança nacional de Donald Trump, Mike Waltz, é mais conhecido como um falcão contra a China. Ele votou contra a ajuda militar à Ucrânia no Congresso, mas recentemente postou uma mensagem dizendo que Israel deveria bombardear as instalações nucleares e petrolíferas do Irã, o caminho mais certo para uma guerra em grande escala.

A nova embaixadora de Donald Trump na ONU, Elise Stefanik, liderou movimentos no Congresso para equiparar críticas a Israel com antissemitismo, e liderou o questionamento agressivo de presidentes de universidades americanas em uma audiência antissemita no Congresso, após a qual os presidentes de Harvard e Penn renunciaram.

Portanto, embora Donald Trump tenha alguns conselheiros que apoiem seu desejo de acabar com a guerra na Ucrânia, haverá poucas vozes em seu círculo íntimo pedindo cautela sobre as ambições genocidas de Benjamin Netanyahu na Palestina e sua determinação em paralisar o Irã.

Se quisesse, o presidente Joe Biden poderia usar seus dois últimos meses no cargo para diminuir os conflitos no Oriente Médio. Ele poderia impor um embargo de armas ofensivas para Israel, pressionar por negociações sérias de cessar-fogo em Gaza e no Líbano e trabalhar por meio de parceiros dos EUA no Golfo para diminuir as tensões com o Irã.

Mas é improvável que Joe Biden faça isso. Quando seu próprio governo enviou uma carta a Israel no mês passado, ameaçando um corte na ajuda militar se Israel não permitisse uma onda de ajuda humanitária em Gaza nos próximos 30 dias, Israel respondeu fazendo exatamente o oposto – na verdade, cortou o número de caminhões permitidos. O Departamento de Estado alegou que Israel estava dando “passos na direção certa” e Joe Biden se recusou a tomar qualquer ação.

Em breve veremos se Donald Trump é capaz de obter progressos na direção da paz na Ucrânia, iniciando as negociações, o que potencialmente salvaria a vida de muitos milhares de ucranianos e russos. Mas entre a catástrofe que Donald Trump herdará e os falcões de guerra que ele está escolhendo para seu gabinete, a paz no Oriente Médio parece mais distante do que nunca.

*Medea Benjamin é jornalista e ativista política. Co-fundadora do movimento feminista e pacifista Code Pink.

*Nicolas J. S. Davies é jornalista. Autor, entre outros livros, de Blood on our hands: the american invasion and destruction of Iraq (Nimble Books).

Tradução: Eleutério F. S. Prado.

Publicado originalmente no portal CounterPunch.


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