Que o comprador tenha cuidado

Imagem: Krisztian Matyas
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Por LUIZ GONZAGA BELLUZZO & MANFRED BACK*

A história se repete, primeiro como tragédia, depois como farsa — e sempre como bolha. Enquanto as pitonisas de Wall Street dançam, os investidores esquecem que toda música acaba, e o silêncio que vem depois é o som do estouro

1.

O Oráculo de Delfos, ou o templo de Apolo, era um local visitado por peregrinos dos quatro cantos do mundo para consultarem as pitonisas, para saber qual o seu destino, de sua família e de sua pátria. Hoje, procuram as pitonisas de Wall Street para saber qual o destino de seu dinheiro.

A pitonisa do JPMorgan, Jamie Dimon adverte: pode haver um inferno a pagar… quando a gororoba bater no ventilador.

Até lá, outra pitonisa-chefe do Citigroup, Chuck Prince, cantou em 2007, antes da gororoba do subprime bater no ventilador: “enquanto a música estiver tocando, você tem que se levantar e dançar. Nós ainda estamos dançando. A dança continua, nunca para”.

O processo de bolhas “especulativas” tem sempre as mesmas características cíclicas e terminam sempre estourando. Desde a bolha das tulipas, quebra da bolsa americana em 1929, o crash da bolsa americana em 1987, o boom e quebra das empresas ponto.com em 2001, e crise da bolha subprime em 2008.Uma bolha “especulativa” sempre arrebenta, porém, não sabemos o dia e muito menos o fato que faz a manada correr atrás do dinheiro e por quê?

No capitalismo de todos os tempos, a especulação não é uma anomalia, mas constitutiva das decisões de investimento, sejam eles “produtivo” ou financeiro. As decisões privadas – tomadas em condições de incerteza radical – estão sempre sujeitas à má avaliação do risco e à emergência de comportamentos coletivos de euforia que conduzem à fragilidade financeira e a crises de liquidez e de pagamentos. As decisões capitalistas supõem, portanto, a especulação permanente a respeito do futuro, o que envolve a contínua reavaliação do presente.

Na Teoria Geral, Keynes tratou do caráter instável das decisões privadas, concebidas por ele como marcas indeléveis que assolam o espírito dos indivíduos que buscam o sucesso nos mercados financeiros. É a tensão não mensurável entre as expectativas a respeito da evolução dos rendimentos dos ativos “reais” ou financeiros. É importante acentuar a palavra “ativos” para definir o caráter monetário-financeiro de qualquer empreendimento submetido às formas do regime do capital.

2.

No livro The Fall and Rise of American Finance Stephen Maher e Scott Aquanno cuidam da concentração do poder financeiro “Hoje, as Três Grandes (BlackRock, Vanguard e State Street) são coletivamente os maiores acionistas de empresas que compreendem quase 90% da capitalização de mercado total da economia dos EUA. Isso inclui 98% das empresas do índice S&P 500, que acompanha as maiores companhias americanas – as três grandes possuem uma média de mais de 20% de cada empresa”.

A ascensão das Três grandes exprime a capacidade das instituições mais poderosas tornarem-se o elo central que conecta as empresas aos acionistas e, simultaneamente, promove à centralização (e não à democratização) da propriedade do capital.

A recente concentração na participação acionária foi impulsionada pelo crescimento excepcional dos fundos de índice (ETFs). São carteiras de investimento passivo, mas ativamente atreladas à escolha das ações que compõem os índices.

Embora os fundos de índice tenham uma estratégia de investimento que acompanham passivamente os índices do mercado de ações em suas carteiras, eles não são passivos quando se trata de selecionar as ações que devem ser escolhidas para compor o índice.

Assim, as avaliações dos fundos de índice exprimem a concentração de poder das Três Grandes ao nivelar o comportamento os preços do ativos e, portanto, esconder suas taxas ativas de remuneração, afetando as decisões dos proprietários e gestores dessa riqueza.

Estes senhores dilaceram-se entre partilhar o risco do investimento na produção socialmente útil e geradora de novos empregos ou resguardar a grana nos escaninhos da valorização “autorreferida”. Nos últimos 40 anos, esse jogo foi jogado nas regras do “nóis cum nóis”: fusões e aquisições, recompra de ações e pagamento de dividendos.

Adverte o jornal Financial Times: analistas do Deutsche Bank, em nota na quinta-feira, dia 31 de julho, questionaram se o aumento nos empréstimos para financiar a compra de ações seria um sinal da “euforia mais intensa” desde 1999 e 2007.

E, agora a bolha do mercado de ações americano onde a recompra de ações é vitaminada pelo crédito, os preços das ações sobem, com recompras sistemáticas, mas antes usam o lucro no caixa, agora dinheiro emprestado. Os preços das ações sobem porque sobem, deslocam completamente dos resultados corporativos. Há dois tipos de altas nas bolsas um consistente com os lucros crescentes, e, outro turbinado por alavancagem financeira. A música toca para a bolha dançar.

3.

Alerta aos leigos: no mercado acionário, os aumentos e recordes expressivos nos índices da bolsa, não significa necessariamente que a maioria das ações seguem o índice. É possível usar algumas ações com maior participação no índice para camuflar uma aparente alta no mercado de ações, é como a passagem bíblica de Labão que enganou Jacó, trocando sua filha Raquel por Lia, usando um véu no rosto. Aqui o véu são as sete magníficas do vale do silício e as empresas de inteligência artificial.

Na física, a alavanca é um objeto rígido, ou barra, que gira em torno de um ponto de apoio e que permite multiplicar ou modificar a força aplicada para realizar trabalho, elevando uma resistência. No mundo das finanças é ganhar dinheiro sem esforço, em bom português ganhar dinheiro fácil.

A alavanca financeira usa sempre a mesma barra para deslocar o objeto, pegar dinheiro emprestado para ganhar mais dinheiro. Criam-se produtos e inovações financeiras, a forma da alavancagem é sempre a mesma. Pasmem a forma muda, mas a essência é inerente ao capitalismo. Não é novidade! Quem não quer ganhar dinheiro fácil?

“A vida é um pêndulo que oscila entre a ânsia de ter e o tédio de possuir. Viver é estar preso a um ciclo infinito de insatisfação… Nunca estamos satisfeitos, porque o que nos move é a busca, não a conquista. E assim seguimos, presos entre a esperança e a frustação, nesse jogo amargo em que a felicidade escapa sempre que tentamos tocá-la. E então, o que nos resta?” (Arthur Schopenhauer)

*Luiz Gonzaga Belluzzo, economista, é Professor Emérito da Unicamp. Autor entre outros livros, de O tempo de Keynes nos tempos do capitalismo (Contracorrente). [https://amzn.to/45ZBh4D]

*Manfred Back é graduado em economia pela PUC –SP e mestre em administração pública pela FGV-SP.


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