Os Estados Unidos no genocídio do povo palestino

A imagem s/d. Bombardeio da Faixa de Gaza por Israel durante a guerra em curso contra o território palestino. Reprodução Telegram
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Por SAMUEL PENTEADO URBAN*

O genocídio é a face mais brutal de um imperialismo em crise, que vê no extermínio de um povo a última cartada para retardar seu próprio ocaso

1.

Pouco se fala do papel dos Estados Unidos no genocídio palestino, mesmo que não faltem exemplos de como a política externa dos Estados Unidos tem promovido conflitos, golpes e genocídios pelo mundo, sobretudo se tivermos como base um contexto histórico que se inicia no pós-Segunda Guerra Mundial, quando os EUA assumiram em definitivo o espaço que outrora esteve sob domínio britânico.

A exemplo dessas ações estadunidenses pelo mundo, não podemos esquecer da guerra promovida contra o Vietnã; dos golpes e das tentativas de golpe promovidos pela CIA no contexto latino-americano, que atualmente tem se dado pelo discurso da guerra contra o narco terrorismo; da invasão por procuração do Timor-Leste, sob realização da Indonésia, o que resultou na morte de um terço da população leste-timorense. Enfim, não faltam exemplos de atrocidades promovidas pelos EUA, que considero serem fruto, sobretudo, dos interesses geopolíticos dos EUA, que só são possíveis por meio de uma política externa de caráter imperialista.

Na verdade, os Estados Unidos só chegaram a ser a principal potência mundial por causa das suas práticas imperialistas, da mesma forma que a Europa só se enriqueceu por meio da pilhagem realizada nos continentes americano, africano e asiático. No entanto, devido as crises do capitalismo e dos efeitos reversos da globalização, os EUA vêm perdendo o papel de principal potência mundial, o que tem ampliado os problemas internos do país como a desigualdade social, o problema de moradia, o acesso à saúde, dentre outras mazelas proporcionadas pelo capitalismo.

Com isso, em resposta a essa perda de hegemonia, os interesses geopolíticos dos EUA perpassam pela necessidade de redesenhar o Oriente Médio, que se dá pela questão do comércio de armas e pelo controle das reservas de petróleo, mas também como forma de confrontar a ascensão chinesa. Ascensão essa que é econômica e social, mas é, também, pelo aumento do poderio militar e pela aproximação da China com o Oriente Médio, além de sua já consolidada influência no sudeste asiático.

Assim, para podermos compreender as ações estadunidenses que resultam no genocídio do povo palestino, precisamos entender a relação entre EUA e Israel, bem como compreender a questão armamentista e a importância do petróleo nesse tabuleiro geopolítico.

Nesse sentido, a busca pela manutenção da hegemonia estadunidense, tem promovido ações imperialistas diretas e indiretas no Oriente Médio. De forma direta temos como exemplo a guerra do Iraque, e de forma indireta, as ações coloniais de Israel na região, sendo Israel, talvez, o maior representante dos EUA pelo mundo.

Desta forma, essa relação que vem de longa data, com destaque para o contexto pós-Segunda guerra, quando os EUA deram grande apoio à criação do estado de Israel. Mas para compreendermos essa ligação, precisamos entender que a relação existente entre Estados Unidos e Israel diverge das assimetrias que se apresentam nas relações entre os EUA e os países latino-americanos.

2.

Isso porque, como apresentam Breno Altman[i] e Luiz Alberto Moniz Bandeira[ii], essa relação não é apenas unidirecional, pois internamente a política estadunidense, o estado de Israel possui uma significativa representatividade por meio do lobby sionista, responsável por eleger congressistas, através, sobretudo, da American Israel Public Affairs Committee (AIPAC).

Cabe destacar que esse grupo detém e comanda significativa fatia do sistema financeiro, dos meios de comunicação e da indústria cultural, entrando aqui uma longa lista de filmes e séries que retratam os Estados Unidos e Israel como mocinhos perante os “terroristas” árabes, não diferente de como eram retratados os vietnamitas nos filmes do Rambo. E isso tem a ver com o que Milton Santos[iii] apresenta como “máquina ideológica”. Essa, segundo o mesmo autor, “sustenta as ações preponderantes da atualidade feita de peças que se alimentam mutuamente e põem em movimento os elementos essenciais à continuidade do sistema” (p. 18). E assim, o mundo é a presentado as pessoas como fábula.

Desta forma, a relação entre EUA e Israel perpassa pela comercialização de armamentos, bem como pelo apoio financeiro estadunidense para o desenvolvimento bélico-militar de Israel. A exemplo disso, tem-se o anúncio recente do secretário de defesa dos EUA, Peter Brian Hegseth, afirmando que em 2025, o orçamento para esse setor poderá ultrapassar mais de 1 trilhão de dólares.[iv]

Acerca do apoio financeiro, além dos EUA serem o maior fornecedor de armas para Israel, entre os anos de 1946 e 2024, os Estados Unidos foram responsáveis pelos 228 bilhões de dólares que financiaram o desenvolvimento e a produção armamentista em Israel.[v] E isso tornou o estado de Israel o maior receptor da assistência militar dos Estados Unidos em termos cumulativos.

Com isso, Israel garante seu poderio militar adquirindo artefatos e sistemas bélicos, com o intuito de se expandir territorialmente, impondo uma hegemonia regional às custas das atrocidades realizadas contra o povo Palestino. E no caso dos Estados Unidos, eles lucram por meio da comercialização de armas, mas mais do que isso, se postam militarmente na região, de forma direta, ou seja, por meio das suas bases militares, e indireta, por meio de seus representantes regionais, como é o caso de Israel.

Cabe destacar que os interesses dos EUA na região onde se localiza a Palestina, o Oriente Médio, vão além da questão da produção e do desenvolvimento bélico-militar, pois as ações estadunidenses na região visam a manutenção de sua hegemonia, fortemente ameaçada pelo campo liderado pela Rússia e China, que segundo o ranking apresentado pela Global FirePower/World Military Strength,[vi] são, respectivamente, os dois países com maior poderio militar do mundo depois dos Estados Unidos.

3.

Acerca do petróleo, como apresenta David Harvey,[vii] os Estados Unidos têm um interesse geopolítico bem antigo no Oriente Médio, visando “controle econômico, político e militar do globo – não sendo o motivo menos importante o fato de ser ele o repositório da maioria das reservas de petróleo comprovadas pelo mundo” (p. 26). Na mesma obra, David Harvey ainda aponta que para além de todo “apoio particularmente forte e quase irrestrito a Israel para criar ali um sólido posto avançado de poder norte-americano por procuração” (p. 26), os EUA “iniciaram então uma longa série de operações declaradas e encobertas na região durante a década de 1950, tendo a principal sido a derrubada em 1953 do governo iraniano democraticamente eleito de Mossadegh, que nacionalizara companhias de petróleo de propriedade estrangeira”.

E como resultado, “entre 1940 e 1967, empresas dos EUA aumentaram seu controle das reservas de petróleo do Oriente Médio de 10 por cento a algo próximo de 60 por cento” (p. 26).

A verdade é que há muitos outros exemplos acerca das ações estadunidenses no Oriente Médio, que num primeiro momento objetivaram a conquista e consolidação de sua hegemonia, e atualmente buscam manter esse poderio mundial.

Atualmente, aproximadamente 50% das reservas de petróleo do planeta estão localizadas, incluindo aqui as consideráveis reservas de gás natural e petróleo existentes na Faixa de Gaza e Cisjordânia. A exemplo disso, conforme estimativa apresentada pela Agência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad), somente contabilizando o petróleo existente na Faixa de Gaza, a região possui 122 trilhões de pés cúbicos de gás natural e 1,7 bilhão de barris de petróleo.[viii]

Desta forma, seguindo a lógica do imperialismo estadunidense, o controle das reservas de petróleo é essencial para se combater a ascensão da China, pois como se sabe, o país asiático é o principal cliente de petróleo oriundo do Oriente Médio, importando, sobretudo, de Arábia Saudita, Iraque, Emirados Árabes Unidos, Kuwait e Irã.

Cabe aqui destacar, que quando falamos em petróleo, estamos nos referindo à principal matriz energética do mundo, pois ele é a base da produção industrial do mundo e de extrema importância para o desenvolvimento do poderio bélico e militar. E desta forma,

Somado a isso, tendo o Oriente Médio uma população que ultrapassa 1 bilhão de habitantes, para a lógica capitalista, esse quantitativo de pessoas é útil para se integrarem na divisão internacional do trabalho, bem como são elas as potenciais consumidoras que poderão manter a expansão do capital através do imperialismo estadunidense.

Portanto, os interesses dos EUA no Oriente Médio têm proporcionado o genocídio do povo palestino. O interesse mais evidente é o da comercialização e apoio ao desenvolvimento e produção de armamentos. Mas precisamos entender que a questão armamentista tem íntima relação com as pretensões geopolíticas dos Estados Unidos no Oriente Médio, que se ligam a necessidade de controle das reservas de petróleo, para que a ascensão chinesa seja inviabilizada e os EUA possam gozar da manutenção de seu poderio pelo mundo.

Assim, na busca por não perder a sua hegemonia e consequentemente frear o crescimento e ascensão chinesa, como exemplo concreto dessa geopolítica estadunidense, conforme publicação do Ministério da Saúde da Palestina[ix], entre os dias 7 de outubro de 2023 e 17 de setembro de 2025, somente contabilizando as mortes de Palestinos na Faixa de Gaza, o número de mortos atingiu a marca de 65.062 pessoas. Em 13 de outubro de 2025, esse número havia subido para 67.869; e em 29 de novembro, esse número atingiu os 70.100 palestinos mortos, com destaque para as mais de 20 mil crianças e mais de 10 mil mulheres que foram mortas pelas forças armadas israelenses em Gaza, com apoio irrestrito da Casa Branca, em termos práticos.

Mao Tsé-Tung estava certo em dizer que, sendo o imperialismo estadunidense uma contradição primária, ele precisa ser enfrentado!

*Samuel Penteado Urban é professor de filosofia da educação na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).

Notas


[i] Como começou a aliança entre Estados Unidos e Israel – breno altman. [Vídeo]: Operta Mundi, 2024. 9 min e 50 seg. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=YiZZznScU78&t=7s

[ii] Bandeira, L. A. M. A desordem mundial: o espectro da total dominação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.

[iii] Santos, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2011.

[iv] Titon, R. Trump e Hegseth anunciam orçamento de defesa dos EUA de US$ 1 trilhão. Bloomberg, 7 de abril, 2025. Disponível em: Disponível em: https://www.bloomberg.com/news/articles/2025-04-07/trump-hegseth-tout-1-trillion-us-defense-budget?embedded-checkout=true

[v] Agius, M. W. Quem são os grandes fornecedores de armas de Israel?. Deutsche Welle, 30 de maio, 2025. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/quem-s%C3%A3o-os-grandes-fornecedores-de-armas-de-israel/a-72736184

[vi] Global FirePower – World Military Strength. Disponível em: https://www.globalfirepower.com/countries-listing.php.

[vii] Harvey, D. O novo imperialismo. São Paulo: Edições Loyola, 2010.

[viii] United Nations. The Economic Costs of the Israeli Occupation for the Palestinian People: The Unrealized Oil and Natural Gas Potential, 2019. Disponível em: https://unctad.org/system/files/official-document/gdsapp2019d1_en.pdf

[ix] O Globo. Gaza: palestinos mortos por guerra com Israel ultrapassam 70 mil, diz Ministério da Saúde do enclave. Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2025/11/29/gaza-mortos-por-guerra-ultrapassam-70-mil-diz-ministerio-da-saude-do-enclave.ghtml

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