Por LARRY C. JOHNSON*
A decepção midiática com a cúpula no Alaska escancara menos uma falha diplomática e mais o completo descolamento de uma imprensa intoxicada por seu próprio wishful thinking, incapaz de processar um mundo onde a retórica não substitui a realpolitik e a complexidade dos interesses nacionais
1.
Se você estivesse assistindo aos canais de “notícias” dos EUA [coloquei essa palavra entre aspas para enfatizar o sarcasmo], a expectativa pela conferência de imprensa era equivalente à de uma virgem à espera de sua primeira experiência sexual. Cara, que decepção, depois de horas de ansiedade frenética, quando Vladimir Putin e Donald Trump finalmente falaram.
Optei por assistir à Fox News e não fiquei desapontado com a espuma, a fúria e as falsidades expressas por uma série de desmiolados, incluindo o general Jack Keane e Trey Gowdy. Antes de Donald Trump e Vladimir Putin aparecerem diante da imprensa reunida, os comentaristas repetidamente criticaram Vladimir Putin como um monstro, um assassino, um autoritário malvado e um assassino de bebês. E seus insultos foram ecoados por muitos dos chamados “jornalistas e âncoras”. Foi patético.
Todos os que falaram na cobertura da Fox News também regurgitaram a propaganda de que Vladimir Putin estava numa situação desesperada; que a economia russa está à beira do colapso; e que as forças armadas russas não estão conseguindo derrotar os destemidos ucranianos. Minha esposa pensou que eu estava tendo um AVC porque eu gritava para a televisão em resposta a essa estupidez.
Quando Vladimir Putin se aproximou do microfone e começou a falar, o mundo neoconservador implodiu. Em vez de um Vladimir Putin humilhado implorando a Donald Trump por ajuda, o presidente russo falou calmamente, focando de início na importância histórica do Alasca como uma ponte aérea que forneceu à Rússia suprimentos essenciais durante a Segunda Guerra Mundial.
Ao longo de suas observações, Vladimir Putin elogiou Donald Trump por ser um negociador confiável e por estabelecer um diálogo que traz a promessa de relações normalizadas. Vladimir Putin não recuou de nenhuma posição que tinha apresentado anteriormente em relação às exigências da Rússia para pôr fim à guerra na Ucrânia. Ele reiterou que o cerne da questão são as “causas profundas”, ou seja, a expansão da OTAN para o leste.
Donald Trump cravou a estaca de prata no coração dos vampiros neoconservadores, que estavam salivando na expectativa de ouvir que Donald Trump tinha forçado Putin a aceitar um cessar-fogo, porque Vladimir Putin, ao menos no mundo delirante deles, estava desesperado por um acordo. Não. Donald Trump elogiou Putin e disse que suas conversas tinham sido produtivas, embora algumas questões continuassem sem solução.
2.
Segue uma amostra da reação desapontada dos propagandistas da mídia impressa:
15 de Agosto, 2025, 19h12.
David E. Sanger
Repórter na Base Conjunta Elmendorf-Richardson. Após três horas de conversas, o presidente Donald Trump e o presidente Vladimir Putin, da Rússia, disseram aos repórteres que tinham feito progressos em questões não especificadas, mas não deram detalhes, não responderam a perguntas e, mais importante, não anunciaram nenhum tipo de cessar-fogo.
15 de Agosto, 2025, 19h11.
Katie Rogers
Viajando com o presidente Trump. Ambos referiram-se a um acordo, mas não entraram em detalhes. Donald Trump ignorou as perguntas gritadas sobre o que acabara de acontecer e qual era o acordo. Os que viajavam com ele foram levados rapidamente para o Air Force One. Foi um longo caminho até aqui. Trump estendeu o tapete vermelho, mas está voltando para casa de mãos vazias.
15 de Agosto, 2025, 19h10.
Maggie Haberman
Repórter na Casa Branca. Vladimir Putin saiu do encontro com algumas vitórias. Ele conseguiu uma visita aos Estados Unidos – nada menos do que a uma base militar – e imagens de uma recepção calorosa por parte de Donald Trump, além de mais um adiamento das sanções secundárias contra a Rússia.
15 de Agosto, 2025, 19h07.
Erica L. Green
Repórter na Casa Branca. Embora não esteja claro quais acordos foram feitos, se é que houve algum, Putin está demonstrando que ainda não recuou de sua posição de que, independentemente do que Donald Trump diga, ele continuará perseguindo seus próprios objetivos na guerra. Ele disse que, embora Donald Trump, que enfatizou os benefícios econômicos para a Rússia caso sua invasão seja interrompida, esteja interessado na prosperidade dos Estados Unidos, Donald Trump também entende que “a Rússia tem seus próprios interesses nacionais. Isso inclui a conquista de territórios da Ucrânia”.
15 de Agosto, 2025, 19h03.
Anatoly Kurmanaev
Ao falar sobre a necessidade de eliminar as “causas profundas” da guerra na Ucrânia, Putin está usando sua habitual forma abreviada para referir-se a uma lista de exigências que foram categoricamente rejeitadas pela Ucrânia e pela Europa. Isto sugere que ele está mantendo sua posição inflexível.
15 de Agosto, 2025, 20h09.
Constant Méheut
Repórter em Kiev, Ucrânia. Estamos agora à espera de notícias de Volodymyr Zelensky e de outros líderes europeus, a quem Donald Trump disse que ligaria para os informar sobre sua reunião com Vladimir Putin. Mas a natureza inconclusiva do encontro sugere a alguns na Ucrânia que um acordo de paz continua sendo altamente improvável. “Parece que Putin ganhou mais tempo”, escreveu Oleksiy Honcharenko, um legislador ucraniano, nas redes sociais. “Não foi acordado qualquer cessar-fogo ou qualquer tipo de distensão”.
É simplesmente hilário ver a imprensa contorcendo-se e dando voltas. A triste realidade é que o establishment ocidental está tão contaminado por um ódio intenso a Vladimir Putin e à Rússia que são incapazes de ouvir realmente o que Putin disse. Kelly Anne Conway, por exemplo, ficou em má situação ao ridicularizar o presidente Putin por mencionar a importância do cristianismo ortodoxo como parte da cultura russa.
A próxima reunião, se houver, será em Moscou… provavelmente no final de setembro ou início de outubro. Prevejo que o ciclo de notícias do fim de semana será consumido com uivos de indignação da maioria dos líderes europeus e de Volodymyr Zelensky e sua equipe. Isso nada mais é do que frustração alimentada pela impotência.
Aqui estão apenas 50% dos podcasts que fiz hoje, com a maioria dos comentários focados no que esperar da cúpula. Também estou incluindo uma conversa que tive na quarta-feira com o Expat American — alguém que emigrou da Flórida para a Rússia, onde agora vive com a sua família: https://youtu.be/jPLIxYqR9kw; https://youtu.be/nqL2CeWHCh0; https://youtu.be/E2o5OrgNGJk; https://youtu.be/IgjHqUUD8DM.
*Larry C. Johnson é veterano da CIA e do gabinete de combate ao terrorismo do Departamento de Estado dos EUA. Atualmente trabalha como analista político e jornalista.
Tradução: Fernando Lima das Neves.
Publicado originalmente no portal Sonar21.
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