Por JULIO CESAR TELES
Por que estamos em greve? a luta é pela educação pública
Decidi escrever este texto para dialogar com todos que têm dúvidas ou questionamentos sobre a greve dos profissionais da educação no município de São Paulo. Para alguns, pode parecer apenas mais uma paralisação de uma categoria que já conquistou diversos direitos. Mas, para nós, essa greve representa muito mais: a defesa dos nossos direitos básicos e da própria existência de uma educação pública de qualidade.
Ouço com frequência, principalmente na comunidade escolar em que atuo, que a greve “prejudica as crianças”. E essa é uma preocupação legítima. No entanto, é justamente para proteger os nossos estudantes que estamos em greve. Não faria sentido lutarmos por uma educação pública, gratuita, laica e de qualidade se isso colocasse os alunos em risco. O que queremos é justamente o contrário: evitar o desmonte da educação que está em curso.
Também temos ouvido de agentes do governo que “não há motivo para a greve”. Mas convido você, trabalhador e trabalhadora, pai, mãe, responsável, a refletir: quantas vezes você já teve seus direitos ameaçados ou retirados? Como se sentiu? O que faria se estivesse em nosso lugar? Nós não ocupamos as ruas por qualquer motivo.
Antes da greve ser decretada, esgotamos todas as tentativas de negociação com a gestão municipal. Realizamos paralisações nos dias 18 de março, fizemos manifestações nas Diretorias Regionais de Educação (DREs) – 31/3 DRE Butantã, 02/4 DRE Santo Amaro, 04/4 DRE Itaquera, 07/4 DRE Campo Limpo, 09/4 DRE Pirituba/Jaraguá –, apresentamos pautas e aguardamos resposta.
A greve foi oficialmente iniciada após a paralisação de 15 de abril, quando, de forma unilateral e desrespeitosa, o governo municipal enviou um projeto de lei à Câmara sem consultar os sindicatos, em pleno processo de negociação. Esse projeto retira direitos históricos da categoria e não realiza o reajuste salarial conforme a inflação, como exige a legislação.
Além disso, vivemos as consequências da Lei 18.221/24, sancionada no ano passado, que representa um duro golpe para os profissionais da educação. A lei permite, por exemplo, que professores concursados, com anos de formação e dedicação, sejam transferidos arbitrariamente de suas unidades escolares caso estejam em módulo. Imagine planejar toda a sua vida em torno de um local de trabalho, e de repente ser informado de que poderá ser transferido para qualquer região da cidade. Isso afeta não apenas nossa vida pessoal, mas também o vínculo pedagógico entre educador e estudante. Isso é justo?
Outro ponto central da nossa mobilização é a ameaça de privatização da educação pública. Como garantir um ensino verdadeiramente democrático, comunitário e voltado ao interesse público se empresas, cujo foco é o lucro, passarem a administrar as escolas? O exemplo da Enel, CPTM, Sabesp e de outras privatizações no Estado mostra que o custo para a população aumenta – e a qualidade dos serviços não melhora.
E você, que acompanha o dia a dia da escola, sabe: as salas estão lotadas, o calor é insuportável, a infraestrutura é precária. Muitos estudantes precisam de acompanhamento especializado que a escola não consegue oferecer. Em vez de ampliar os investimentos, o que vemos é o desmonte da educação pública, possivelmente como forma de enfraquecê-la até que a privatização pareça uma solução inevitável.
Esses são apenas alguns dos motivos que nos levaram à greve. Sabemos que não é uma luta fácil. Mas acreditamos que ela não é só dos profissionais da educação: é uma luta de toda a sociedade que acredita no direito à educação pública, gratuita, inclusiva e de qualidade.
Estamos em greve porque queremos preservar e melhorar a educação pública municipal. Lutamos para garantir aos nossos estudantes o direito a uma escola inclusiva, diversa, humana – que os prepare para um futuro com mais oportunidades de que tantas gerações foram privadas de ter.
E, se alguém ainda tem dúvidas sobre o valor dessa luta, deixo aqui a frase que vi em um cartaz hoje, durante a manifestação:
“Professores lutando também estão ensinando.”
*Julio Cesar Teles é mestre em história pela Unifesp e professor da rede municipal da cidade de São Paulo.
