Desafios da luta antifascista

Imagem: Felipe Durante
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Por PEDRO TIERRA*

O combate ao neofascismo passa inevitavelmente pela punição exemplar dos responsáveis pela tentativa de golpe de Estado

O assalto das hordas fascistas inspirado (engendrado?) pelo energúmeno, que se refugiou nos Estados Unidos horas antes do eleito tomar posse, consumou-se no domingo, 8 de janeiro de 2023.

As instalações dos três poderes da república foram devastadas pelo impulso destrutivo acumulado ao longo de quatro anos do pesadelo neofascista, nutrido quotidianamente pelo discurso do ódio às instituições democráticas vocalizado pelo delinquente derrotado nas urnas de outubro último.

A tentativa de golpe de Estado fracassou. Como fracassaram as anteriores desde janeiro de 2019, estimuladas pelo o governo dos milicianos de Rio das Pedras que emergiu do submundo do crime para assumir o governo central de um país bestificado pelo fanatismo e pelo culto à ignorância, com a conivência, quando não com o apoio explícito do capital financeiro, de setores do agro e dos empresários da fé.

A parcela majoritária do povo brasileiro que resistiu à estratégia de demolição do país, ao longo de seis anos, fez fracassar a tentativa de reeleger a figura sinistra que encarnou a barbárie, em 2 de outubro e 30 de outubro de 2022. Ali se consumou uma virada histórica quando o energúmeno foi derrotado pela frente ampla liderada por Lula.

O silêncio que se seguiu à derrota não admitida não era outra coisa senão um caldeirão de ressentimentos a alimentar a fúria e o terror contra as instituições e os eleitores que lhe negaram as pretensões de perpetuar-se, até a explosão de 8 de janeiro.

O que a sociedade brasileira assistiu nesse domingo de assombros foi uma metáfora do que viveu o país enquanto durou o governo de liquidação nacional, em todas as áreas de ação do estado. Uma metáfora materializada na destruição física das dependências dos edifícios-sede dos três poderes da república. Já que não foram capazes de destruir o país – porque o povo brasileiro resistiu – restava à legião dos ressentidos o último gesto de demolir seus símbolos mais emblemáticos.

Uma ação típica de hordas fascistas que buscam destruir pela força aquilo que sequer alcançam compreender: a democracia. Ainda que seja esta democracia liberal mal desenhada que o país veio construindo desde 1988.

A tela de Emiliano Di Cavalcanti que recebeu as digitais do fascismo – sete golpes desferidos com pedras portuguesas recolhidas da Praça dos Três Poderes, utilizadas com instrumento contundente – será um testemunho duradouro da passagem da barbárie de 8 de janeiro, uma espécie de epílogo sinistro do governo derrotado.

Salta aos olhos da sociedade – 90% dos brasileiros e brasileiras repudiam a tentativa de golpe de Estado – a leniência, a incompetência ou mesmo a conivência das autoridades de segurança pública do Distrito Federal.

O ex-ministro da justiça do governo derrotado nas urnas de 30 de outubro de 2022, Anderson Torres, inexplicavelmente nomeado Secretário de Segurança Pública do DF pelo governador Ibaneis Rocha, uma semana depois de tomar posse, foi localizado gozando férias na Flórida, onde, por obra do acaso se refugiou o inspirador da devastação perpetrada pelas hordas fascistas contra o STF, o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto.

O interino que o substituiu enviou mensagem ao governador na tarde de domingo, 8 de janeiro, garantindo que as manifestações seriam pacíficas, enquanto sua polícia conduzia alegremente a horda que meia hora depois estaria vandalizando os edifícios públicos que abrigam o coração institucional do país. Fato que levou o governador do DF a exonerá-lo e o Presidente Lula a decretar prontamente a intervenção federal na área de Segurança Pública do DF, visivelmente acumpliciada com as manifestações golpistas de 12 de dezembro último e agora com os atos terroristas de oito de janeiro.

Um dado curioso e revelador: as hordas da extrema direita que se deslocaram para perpetrar a barbárie na Praça dos Três Poderes, partiram de um acampamento mantido à sombra das guaritas do Quartel General do Exército Brasileiro, desde a derrota do energúmeno, em 30 de outubro. O Ministro da Defesa do governo, José Múcio Monteiro, homem lhano, adotou a tática de “comer pelas beiradas” para desmobilizar os acampamentos – verdadeiras incubadoras de atos terroristas na opinião de seu colega, o Ministro da Justiça Flávio Dino – e colheu a catástrofe de 8 de janeiro de 2023.

O Ministro Múcio Monteiro revelou, uma semana depois da posse, não ser o homem talhado para conduzir uma área cujo quotidiano é marcado pelo desafio de converter em realidade o que determina a Constituição: subordinar o estamento armado, portador histórico de uma cultura autoritária e golpista, ao poder civil conferido pela soberania popular em um governo democrático.

O estamento militar brasileiro cultiva com zelo invejável, ao longo da história, a pretensão de situar-se acima da Constituição, e como se algum ente sobrenatural o definisse como o tutor do poder civil.

O impulso econômico, social e cultural que resultou na tentativa de golpe de estado promovida, nesse 8 de janeiro, pela extrema-direita segue latente na sociedade. Ainda que seu mito tenha se refugiado em Orlando, levando consigo a expectativa de voltar nos braços dos garimpeiros ilegais, dos matadores de indígenas, dos devastadores e comerciantes de madeira, dos grileiros, dos envenenadores do meio ambiente nessa tentativa, afinal frustrada. Aos defensores da democracia cabe lembrar, os fatores que o levaram ao poder durante quatro anos, guardam energia suficiente para sustentá-lo ou algum outro aventureiro de perfil semelhante.

O que impõe, mais do que nunca, na história do Brasil, a unidade das forças populares e democráticas para enfrentar o neofascismo em todas as suas manifestações. Seja nas estruturas do Estado contaminadas pela ideologia autoritária da extrema direita – e o lavajatismo é apenas uma delas –, seja na sociedade onde a “guerra cultural” se converteu num elemento mobilizador do que há de mais reacionário na sociedade para reconstruir uma utopia regressiva, em busca de um passado que, a rigor, nunca existiu.

Os setores populares, os movimentos dos trabalhadores, os sindicatos, movimentos culturais têm diante de si a tarefa permanente de tensionar o governo Lula, sustentado por uma frente heterogênea como todos sabem, para avançar além das políticas públicas de combate à fome, de inclusão social, de redução das desigualdades regionais, rumo à construção e consolidação de mecanismos de participação democrática capazes de respaldar a vocação transformadora do projeto que o elegeu pela terceira vez.

O combate ao neofascismo passa inevitavelmente pela punição exemplar dos responsáveis pela tentativa de golpe de Estado – e seus financiadores – e só se tornará realidade com uma expressiva participação popular organizada nos ambientes de trabalho, nas escolas, universidades e centros de pesquisa e quotidianamente nas redes sociais.

Lula no Planalto e a militância antifascista nas ruas!

*Pedro Tierra é poeta e ex-presidente da Fundação Perseu Abramo.

 

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