A guerra comercial de Donald Trump contra a China

Imagem: Vincent Guth
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Por BEN NORTON*

A trégua forçada dos EUA é o reconhecimento tácito de um mundo redesenhado, onde o poder já não se negocia com ameaças, mas com terras raras e autossuficiência tecnológica

A economia dos EUA é vulnerável e muito mais dependente da China do que vice-versa. A prova disso é a trégua na guerra comercial de um ano que Donald Trump estabeleceu em sua reunião com o presidente Xi Jinping.

Donald Trump realizou uma importante reunião com o presidente da China, Xi Jinping, na cidade sul-coreana de Busan, em 30 de outubro. Lá, eles chegaram a um novo acordo, que equivalia a uma trégua de um ano. O governo dos EUA concordou em suspender a maioria das medidas punitivas que havia imposto à China desde abril de 2025, essencialmente trazendo a situação de volta ao que era em janeiro, quando Donald Trump assumiu o cargo para seu segundo mandato.

Embora este não seja o fim da guerra comercial, a China claramente venceu esta batalha. Nesta fase da guerra comercial, a vitória da China confirma seu “status de superpotência econômica global”. O jornal Financial Times observou que, “ao contrário de quase 10 anos atrás, quando a primeira ofensiva comercial de Donald Trump pegou Pequim de surpresa, desta vez uma China mais bem preparada e economicamente mais poderosa foi capaz de lutar contra seu oponente outrora muito mais poderoso até a paralisação”.

A partir de abril de 2025, Donald Trump ameaçou tarifas altíssimas em países ao redor do mundo. A China foi a única que conseguiu se defender e impedir que os EUA lhe impusessem um tratado desigual. Quando Donald Trump recorreu à opção nuclear e aumentou as tarifas sobre a China para 145%, ele pensou que Pequim cederia. Mas, pelo contrário, a China reagiu impondo o mesmo nível de sanções e isso aterrorizou Washington e, em consequência, Donald Trump recuou.

A mesma coisa aconteceu quando o governo de Donald Trump restringiu as exportações de chips para a China e adicionou mais empresas chinesas à lista das organizações bloqueadas, o que também era uma forma de impor sanções. Pequim respondeu restringindo a exportação de metais de terras raras e ímãs para os EUA. Mais uma vez, isso assustou Washington, porque a China domina o fornecimento global de terras raras e as empresas americanas são extremamente dependentes desses materiais. Donald Trump, então, foi forçado a recuar.

É por isso que o Financial Times citou um analista do grande banco francês BNP Paribas, que disse que os Estados Unidos passaram a reconhecer “que agora estão lidando com um rival capaz de lhes impor danos econômicos materiais significativos – uma posição relativamente nova para os EUA e um desenvolvimento que, pelo menos para nós, confirma a ascensão da China ao status de superpotência econômica global”.

Dito isso, o Financial Times alertou que este não é de forma alguma o fim da guerra comercial, pois os acordos feitos pelos dois lados “foram relativamente estreitos e suspenderam principalmente as medidas punitivas existentes, em vez de descartá-las completamente”, o que “torna inevitáveis novas tensões EUA-China”. Um estudioso do Instituto de Estudos Internacionais da altamente influente Universidade Fudan da China, Zhao Minghao, explicou: “Esta cúpula só pode trazer uma distensão tática, em vez de uma redefinição estratégica ou das relações EUA-China”.

EUA fazem mais concessões do que a China

A Bloomberg concluiu que os EUA fizeram mais concessões do que a China, após a reunião Trump-Xi, na Coreia do Sul. Como parte do acordo, o governo dos EUA concordou em interromper a ameaça de Donald Trump de uma tarifa adicional de 100%, em reduzir suas tarifas relacionadas ao fentanil na China de 20% para 10%, em remover as novas empresas chinesas que foram adicionadas à sua lista de organizações bloqueadas, além de suspender as taxas portuárias.

Por sua vez, a China concordou em suspender seus controles de terras raras e em restringir ainda mais a exportação de produtos químicos necessários para fabricar fentanil (embora Pequim já tivesse feito isso). A China também retomará suas compras de soja dos EUA (o que será discutido mais adiante).

Donald Trump e seus aliados alegaram que a China também comprará petróleo e gás dos EUA; ademais, potencialmente, permitirá um acordo sobre a propriedade do TikTok. Contudo, como isso não foi confirmado, deve ser tomado como algo puramente hipotético. A Associated Press também concluiu que Donald Trump não ganhou nada no acordo, relatando: “O acordo entre os EUA e a China está desfazendo os danos de uma guerra comercial autoinfligida”.

A agência Associated Press citou um economista da Universidade Cornell, Eswar Prasad, que comentou: “É difícil ver quais são os principais ganhos que os EUA obtiveram no relacionamento bilateral com a China, em relação ao que estava estabelecido antes de Donald Trump assumir o cargo”. Em outras palavras, Donald Trump travou uma guerra comercial agressiva contra a China por meses, apenas para acabar de volta à estaca zero, de mãos vazias.

Dependência no comércio

A economia dos EUA é mais dependente da China do que a China é em relação aos EUA (veja-se o próximo gráfico). Isso é bastante irônico, porque em abril, quando Donald Trump intensificou massivamente a guerra comercial, o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, afirmou que a China estava jogando com “cartas perdedoras”.

Scott Bessent, um bilionário gestor de fundos de hedge de Wall Street, insistiu que os Estados Unidos tinham muito mais influência sobre a China e que Pequim logo se renderia. “O que perdemos com o aumento das tarifas chinesas sobre nossas exportações? Como exportamos para eles um quinto do que eles exportam para nós, trata-se de um jogo em que eles perderão”, disse ele. Acontece que exatamente o oposto era verdadeiro; a economia dos EUA é mais dependente da China do que vice-versa.

Em 2000, sim, a China era muito dependente da economia dos EUA. Naquela época, o comércio com os EUA era cerca de um quarto do comércio total da China. Nas últimas duas décadas, no entanto, a China reduziu significativamente sua dependência do comércio com os EUA. Em 2023, chegou a ser apenas cerca de 10% do comércio total da China.

Quando se analisa o que exatamente a China exporta para os EUA, e vice-versa, pode-se ver claramente que são os EUA que são mais dependentes. A China exporta muitos produtos tecnológicos que os EUA não podem obter de nenhum outro lugar, incluindo telefones celulares, computadores, baterias, máquinas e peças.

Não estamos mais nas décadas de 1980 e 1990, quando grande parte das exportações da China para os EUA consistia em bens de baixo valor agregado, como têxteis, brinquedos e eletrodomésticos. A China ascendeu muito rapidamente na cadeia de valor global. Por outro lado, muitos dos bens que os EUA exportam para a China são commodities como petróleo, gás, soja e milho. A China pode facilmente comprá-los de outros países.

Ainda existem alguns produtos importantes dos EUA dos quais a China depende, especialmente semicondutores avançados – embora isso esteja mudando rapidamente (como será discutido mais adiante neste artigo). No passado, os EUA exportavam um número considerável de carros para a China. Mas, agora, a China se tornou o maior produtor mundial de automóveis; atualmente, a maioria das pessoas no país prefere comprar carros de empresas chinesas, que são muito mais acessíveis.

Donald Trump e Scott Bessent acham que a China de hoje ainda é aquela dos anos 1980 e 1990, quando sua economia girava em torno de bens exportados de baixo valor agregado e mão-de-obra intensiva e de qualidade questionável. Esses dias já se encontram num passado distante. O governo chinês usou com sucesso a política industrial, políticas de desenvolvimento lideradas pelo Estado e uma mistura cuidadosa de planejamento central e concorrência de mercado regulada para subir rapidamente na cadeia de valor global, criar cadeias de suprimentos complexas, promover a autossuficiência tecnológica e aumentar massivamente a produção industrial.

Os resultados falam por si; conforme o gráfico em sequência mostra, a China atualmente é a única superpotência indústria do mundo.

De fato, enquanto a China se tornou menos dependente da exportação para o mercado dos EUA, as empresas americanas se tornaram mais dependentes da importação de bens intermediários chineses e outros insumos.

Scott Bessent argumentou que a China era mais dependente do mercado dos EUA porque tem um grande superávit comercial. No entanto, a grande maioria da receita das empresas chinesas vem de compras domésticas. Sim, a China gera receita significativa por meio da exportação de eletrônicos de consumo, mas mesmo nesse setor, a maior parte da receita deriva das vendas domésticas. Para todas as outras grandes indústrias chinesas, as receitas domésticas representam a grande maioria da receita total.

Algumas das exportações da China ainda estão indo para o mercado dos EUA, embora indiretamente, por meio de redirecionamento através de países terceiros, como Vietnã, Indonésia, Tailândia ou México. As empresas desses países geralmente agregam mais valor a um produto originário da China e, posteriormente, o exportam para os EUA, onde não será rotulado como um produto chinês. No entanto, do ponto de vista de um exportador chinês, isso não vem a ser um problema. Ele simplesmente quer vender o produto; não importa para ele para onde o produto vai depois.

O domínio da cadeia de suprimentos de terras raras da China forçou os EUA a pausar sua agressiva guerra comercial

Uma das maiores e mais importantes conclusões da vitória da China nesta rodada da guerra comercial é a importância dos elementos naturais denominados de terras raras. A China domina completamente a cadeia de suprimentos global de terras raras, incluindo a mineração e o processamento.

Em terras raras, a partir de 2024, a China tem de 60% da mineração e cerca de 90% do refino. Apesar do nome, as terras raras não são tão raras. Elas podem ser encontradas em muitos lugares ao redor do mundo. O que dificulta a substituição da China na cadeia de suprimentos, no entanto, é o processamento dessas terras raras, que é complexo, trabalhoso e ambientalmente destrutivo.

Os Estados Unidos tentaram aumentar seu papel na indústria global de terras raras, especialmente depois que Donald Trump lançou a guerra comercial contra a China em seu primeiro mandato como presidente, mas não fez muito progresso. Levará anos, senão décadas, para que os EUA façam avanços significativos.

Quando a China respondeu à escalada agressiva e unilateral da guerra comercial de Donald Trump em 2025 e, em um ato de autodefesa, decidiu restringir a exportação de terras raras para os EUA, isso aterrorizou não apenas Washington, mas também o complexo militar-industrial. As empresas de tecnologia dos EUA, particularmente fabricantes de armas e outros empreendimentos militares dos EUA, são muito dependentes dos metais e ímãs de terras raras da China.

O centro de estudos antichinês conhecido como Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS) – que é financiado pelo governo dos EUA, outros governos ocidentais e grandes corporações do complexo militar-industrial – publicou um relatório alertando que “as novas restrições de terras raras e ímãs da China ameaçam as cadeias de suprimentos de defesa dos EUA”.

Ironicamente, os militares dos EUA estão fazendo planos para uma possível guerra contra a China, mas não poderão fazê-la sem as terras raras que a China produz. É por isso que o governo dos EUA, na última década, investiu recursos na tentativa de desenvolver uma nova cadeia de suprimentos para minerais críticos, tentando superar a China.

No entanto, os jornais e meios de comunicação do complexo militar-industrial dos EUA reconhecem que os EUA não podem realisticamente recuperar o atraso na produção de terras raras. Eis o que disse um importante meio de comunicação do departamento de defesa norte-americano: “os Estados Unidos não serão capazes de acabar com a dependência da China por meio da produção doméstica”.

“Guerra de chips” dos EUA contra a China

Deve-se enfatizar que a razão pela qual a China impôs restrições à exportação de terras raras é porque estava respondendo aos ataques dos EUA. Foi um ato de legítima defesa. Donald Trump iniciou a guerra comercial contra a China em seu primeiro mandato. No entanto, o governo democrata de Joe Biden deu continuidades a essa guerra comercial. Ambos os dois grandes partidos que governam os EUA a partir de Washington sustentam a nova guerra fria – tida como a segunda depois que a primeira entre o Ocidente e a URSS terminou.

De fato, o governo de Joe Biden impôs restrições significativas à exportação de tecnologias para a China, proibindo a exportação de semicondutores avançados e ferramentas de fabricação de chips. A ideia mantida por Washington era de que esse seria o calcanhar de Aquiles da China. Os estrategistas imperiais dos EUA pensaram que, ao travar uma guerra tecnológica contra a China, poderiam impedir que ela alcançasse as indústrias de ponta, especialmente a inteligência artificial.

Washington esperava que as grandes corporações de tecnologia dos EUA no Vale do Silício tivessem o monopólio da Inteligência Artificial e a China fosse deixada para trás. A secretária de Comércio, Gina Raimondo, chegou a admitir que o objetivo do governo dos EUA era “desacelerar a taxa de inovação da China”. Isso, é claro, não foi o que aconteceu.

Assim como as restrições da China à exportação de terras raras fizeram com que o governo dos EUA despejasse recursos no desenvolvimento de sua própria cadeia de suprimentos de minerais críticos, a mesma coisa aconteceu com os semicondutores. As restrições dos EUA às exportações de semicondutores para a China levaram Pequim a priorizar o desenvolvimento de sua própria indústria doméstica de fabricação de chips.

A política industrial da China promoveu a produção local de semicondutores. E tem sido muito bem-sucedida. Em abril de 2024, Gina Raimondo alertou: “Cerca de 60% de todos os novos ‘chips legados’ que entrarem no mercado nos próximos anos serão produzidos pela China”. Os chips legados são aqueles usados na maioria das tecnologias cotidianas. Eles não são os chips mais avançados, mas são muito mais comuns.

A “guerra de chips” dos EUA contra a China acabou pressionando Pequim a aumentar os incentivos do governo para a fabricação doméstica de semicondutores, e a China agora está dominando o mercado global de chips. Sim, a China ainda não alcançou o desenvolvimento dos chips mais avançados; os EUA ainda estão à frente. Mas a China está progredindo rapidamente.

É por isso que Pequim decidiu que as empresas de tecnologia chinesas não poderiam mais comprar chips da Nvidia, a gigante de tecnologia dos EUA que agora se tornou a maior corporação da Terra por capitalização de mercado, porque tem o monopólio de projetar os chips mais avançados. A China justificou a sua medida dizendo que a Nvidia viola suas leis antimonopólio. Em vez de as empresas chinesas permanecerem dependentes da compra de chips da Nvidia, Pequim quer promover a autossuficiência doméstica.

A China progride rapidamente nas tecnologias críticas globais

O rápido progresso da China na “guerra dos chips” mantida contra os EUA demonstra o sucesso da política industrial de Pequim. Um impulso liderado pelo Estado para subir na cadeia de valor e produzir bens de maior valor agregado tem dado resultado. Essa atualização tecnológica está no centro do novo plano quinquenal da China. A China tem uma economia de mercado, mas vem a ser uma economia de mercado socialista, onde os setores mais importantes – o comando dos cumes mais alto da produção – são de propriedade pública do governo, e o planejamento central ainda é usado no desenvolvimento das indústrias estratégicas.

O plano quinquenal do Partido Comunista da China para 2026 a 2030 enfatiza fortemente a importância do progresso tecnológico. Em particular, o novo plano quinquenal exige “medidas extraordinárias” para trazer avanços na produção avançada de chips. Isso não é apenas retórica. Se olharmos para os planos anteriores da China, a maioria de seus objetivos foi alcançada.

Um bom exemplo é a iniciativa “made in China 2025”. Este foi um plano anunciado em 2015, quando Pequim estabeleceu metas para se tornar globalmente competitiva em indústrias de tecnologia de ponta. A agência Bloomberg concluiu que a China foi bem-sucedida em quase todos os setores visados. Já é líder global em cinco tecnologias-chave e está se recuperando rapidamente em mais sete.

Isso foi de fato admitido por um centro de estudos ocidental que tem uma posição antichinesa. O Australian Strategic Policy Institute (ASPI) é apoiado pelos militares australianos e financiado por vários governos ocidentais. É extremamente agressivo e constantemente espalha propaganda antichinesa. No entanto, a ASPI publicou um relatório em 2024 reconhecendo que a China fez um progresso tecnológico e científico incrível em um curto período. A ASPI concluiu relutantemente que a China “está atualmente liderando em 57 das 64 tecnologias críticas”, ou seja, 89%.

Este foi um grande salto em relação ao período de 2003-07, quando a China liderava em apenas três das 64 tecnologias-chave, ou apenas 4,7%. Em contraste, este centro de estudo agressivo lamentou que os “EUA estejam perdendo a forte vantagem histórica que construíram”. Duas décadas atrás, os Estados Unidos lideravam em 60 das 64 tecnologias críticas, ou 94%. Hoje, os EUA lideram apenas sete dessas 64 tecnologias, ou 11%, medidas de 2019 a 2023. Esta é uma mudança tectônica em apenas duas décadas.

A China é hoje, indiscutivelmente, a verdadeira superpotência tecnológica e manufatureira do mundo. E isso ocorreu devido em grande parte ao planejamento governamental e à política industrial. E a China continua avançando. O seu novo plano quinquenal enfatiza a importância da “autossuficiência tecnológica”, à medida que o país alcança os setores em que ainda está atrasado.

Dado esse contexto, não é surpresa que a guerra comercial do governo dos EUA e a guerra tecnológica contra a China tenham saído pela culatra. O governo de Donald Trump claramente subestimou a China e decidiu que precisava de uma trégua temporária para mudar de estratégia.

Donald Trump suspende a guerra comercial por um ano

E isso ocorreu também porque as eleições de meio de mandato de 2026 se aproximam. O Financial Times descreveu o acordo EUA-China como uma “trégua comercial de um ano”. Donald Trump, por outro lado, em seu típico estilo bombástico, afirmou que foi “uma reunião incrível” e “em uma escala de 0 a 10, sendo 10 o melhor, a reunião foi 12”.

Isso ocorre porque Donald Trump sempre afirma que ganha tudo e nunca admite a derrota (inclusive nas eleições presidenciais de 2020 nos EUA). Ele não quer reconhecer o fato de que está perdendo a guerra comercial que começou em seu primeiro mandato como presidente dos Estados Unidos, que ele intensificou massivamente em abril de 2025.

Um fator importante que motiva Donald Trump a buscar essa trégua de um ano com a China são as eleições de meio de mandato dos EUA em 2026. Donald Trump teme que se continuar a escalar a guerra comercial contra a China, isso possa afetar a economia dos EUA, prejudicando assim as chances do Partido Republicano nas eleições de meio de mandato. Uma pesquisa da Pew Research mostra que o Partido Republicano é muito impopular. A maioria dos americanos diz que o Partido Republicano é muito extremista em suas posições e não acha que governa de maneira honesta. O estudo, porém, também demonstra que os democratas são muito impopulares.

Além disso, as pesquisas mostram que Donald Trump é pessoalmente muito impopular. Donald Trump tinha um índice de aprovação líquido de 18% em 1º de novembro, 285 dias após o início de seu segundo mandato como presidente dos EUA, de acordo com uma pesquisa da The Economist. Apenas 39% dos americanos apoiam Donald Trump e suas políticas. Quase 3/5 dos americanos, ou seja, 57%, desaprovam Donald Trump.

As tarifas de Donald Trump prejudicam a classe trabalhadora

Faz sentido que a maioria dos americanos desaprove Donald Trump, porque suas políticas causaram muitos danos aos trabalhadores comuns. A maior parte do fardo das tarifas de Trump recaiu sobre os ombros dos consumidores americanos. Os demandantes de bens e serviços dos EUA estão pagando 55% do custo das tarifas de Donald Trump, de acordo com uma análise do Goldman Sachs. Donald Trump alegou falsamente, durante anos, que outros países pagam tarifas que ele impõe. Contudo, isso simplesmente não é verdade; na verdade, é uma enorme mentira.

As tarifas são um imposto sobre as importações. São os importadores do país é que recolhem esse tipo de imposto, Portanto, os importadores dos EUA pagam as tarifas de Donald Trump. Não os exportadores chineses, mas empresas nos EUA que importam mercadorias da China é que pagam o custo das tarifas, pelo menos em sua maior parte. Importadores geralmente eles repassam os custos dessas tarifas aos clientes, na forma de preços mais altos. Isso é exatamente o que está acontecendo nos EUA.

Em outras palavras, Donald Trump tem aumentado os impostos sobre o consumo dos americanos da classe trabalhadora com suas tarifas. Esta é uma forma de tributação regressiva. Enquanto isso, Donald Trump reduziu massivamente os impostos sobre os americanos mais ricos, efetivamente transferindo o ônus da tributação do capital para o trabalho.

Além disso, isso ocorre em um momento em que a inflação dos preços ao consumidor nos EUA permanece relativamente alta. O índice de preços ao consumidor (IPC) estava em 3% ao ano em setembro de 2025. Ele se manteve persistentemente acima da meta de inflação de 2% ao ano estabelecida pelo Federal Reserve, o banco central dos EUA. A inflação dos preços ao consumidor vem subindo desde que Donald Trump impôs tarifas maciças a países ao redor do mundo em abril.

Tudo isso é profundamente irônico, porque alta da inflação ajudou muito Donald Trump a vencer as eleições presidenciais dos EUA, em 2024. Devido a interrupções na cadeia de suprimentos durante a pandemia de Covid-19, os países em todo o mundo sofreram com altas taxas de inflação entre 2022 e 2023. Nos EUA, o IPC atingiu o pico de 9% em junho de 2022. Este foi o nível mais alto em décadas.

A maioria dos partidos políticos e líderes que estavam no poder durante esta crise inflacionária perdeu as eleições. Os EUA não foram exceção. Os eleitores dos EUA disseram que a economia era a questão mais importante nas eleições de 2024. O governo Joe Biden não lidou bem com a crise inflacionária. A desigualdade disparou nos EUA. Os ricos ficaram muito, muito mais ricos, enquanto os pobres e a classe trabalhadora lutaram para sobreviver.

Donald Trump afirmou que resolveria os problemas econômicos do país e que faria o necessário para reduzir a inflação doméstica. Ele falhou totalmente em fazê-lo e, de fato, tornou os problemas ainda piores. As políticas de Donald Trump beneficiaram principalmente bilionários como ele e, em particular, uma dúzia deles que participam de seu governo.

No entanto, Joe Biden, Kamala Harris e o Partido Democrata não propuseram políticas pró-classe trabalhadora que resolvessem esses problemas econômicos. Eles falharam em fornecer uma alternativa ao status quo neoliberal. Donald Trump venceu a eleição porque tinha uma mensagem simplista, alegando que resolveria os problemas econômicos profundos e estruturais da economia norte-americana com algumas soluções rápidas: bodes expiatórios de imigrantes, deportações em massa e imposição de tarifas. Essas políticas, de fato, só pioraram a situação.

Os EUA estão perdendo empregos na indústria

Donald Trump afirmou que industrializaria os EUA e traria de volta bons empregos na indústria. O oposto tem acontecido. O número de empregos na indústria tem de fato caído sob Donald Trump. Os EUA perderam 42.000 empregos na indústria entre abril, quando Donald Trump iniciou sua guerra comercial global, e agosto de 2025, de acordo com dados do Bureau of Labor Statistics (BLS).

Pesquisas com fabricantes descobriram que a principal razão para a perda de empregos é a extrema incerteza em torno das tarifas e da guerra comercial de Donald Trump. A CBS News informou que muitos dos trabalhadores que perderam seus empregos estavam antes fabricando bens como carros, eletrodomésticos e eletrônicos. Eram empregos são relativamente bem remunerados; eles proporcionam, ademais, estabilidade para as famílias da classe trabalhadora.

As tarifas de Donald Trump prejudicam os agricultores dos EUA

A guerra comercial de Donald Trump contra a China também prejudicou grande parte de sua base eleitoral: os agricultores. Os produtores de soja dos EUA dependem fortemente da exportação para o mercado chinês. Como parte do acordo feito entre Donald Trump e o presidente Xi Jinping na Coreia do Sul em outubro, o secretário do Tesouro, Scott Bessent, se gabou de que a China concordou em comprar 12 milhões de toneladas métricas de soja dos EUA.

Isso pode parecer muito, mas na verdade representa um grande declínio em comparação com o ano anterior. A agência Reuters informou que, na última temporada, a China comprou 22,5 milhões de toneladas de soja dos EUA. De acordo com Scott Bessent, a China concordou em comprar 25 milhões de toneladas de soja dos EUA por ano durante os próximos três anos. No entanto, isso está abaixo da média anual de 28,8 milhões de toneladas que a China já vinha comprando dos EUA, antes de Donald Trump iniciar esta nova fase da guerra comercial em abril.

A China interrompeu sua importação de soja em resposta à guerra comercial agressiva e unilateral de Donald Trump. Então, na realidade, a China não está fazendo nenhuma concessão ao governo Donald Trump ao concordar em voltar a comprar soja; trata-se simplesmente de um retorno ao status quo anterior.

Enquanto isso, durante toda essa guerra comercial, os agricultores americanos enfrentaram severas dificuldades econômicas, sem motivo. “A queda na demanda chinesa custou aos agricultores dos EUA – um pilar fundamental da base política de Donald Trump – bilhões de dólares em vendas perdidas e o acordo representaria um retorno à normalidade no comércio”, escreveu a Reuters.

O que isso demonstra a falsidade da afirmação de Scott Bessent de que a China tinha nas mãos “cartas perdedoras”; na verdade, o oposto da realidade. A China tinha mais opções do que os EUA. Quando Donald Trump intensificou massivamente a guerra comercial dos EUA, a China respondeu comprando significativamente mais soja da Argentina. A China também aumentou suas compras de soja do Brasil, que se tornou um importante parceiro comercial da China e um aliado importante.

O Brasil é o B dos BRICS; é um dos co-fundadores da organização liderada pelo Sul Global. A crescente parceria entre a China e o Brasil mostra como Pequim tem alternativas aos EUA. O governo Donald Trump assumiu que era mais forte do que a China e que ela estava isolada. Esse foi o seu erro. Esse episódio desastroso e autodestrutivo foi assustadoramente reminiscente do primeiro mandato de Donald Trump (2017-21), quando ele iniciou a guerra comercial contra a China.

Quase toda a receita que o governo dos EUA obteve com a imposição de tarifas à China de 2018 a 2020 acabou sendo dada aos agricultores dos EUA na forma de pagamentos de ajuda e subsídios. Esses gastos consumiram 92% das receitas tarifárias.

Donald Trump afirmou que suas tarifas supostamente aumentarão muita receita para o governo dos EUA – enquanto mente sobre o fato de que essa receita vem dos americanos da classe trabalhadora, já que suas tarifas são um imposto regressivo sobre o consumo de bens importados. Mas mesmo grande parte da receita que o governo dos EUA ganhou com as tarifas durante o primeiro mandato de Donald Trump foi devolvida aos americanos na forma de pagamentos de alívio, para tentar desfazer os danos econômicos causados pela guerra comercial de Donald Trump em primeiro lugar.

O segundo governo de Donald Trump tem repetido essas mesmas políticas autodestrutivas. Ele considerou pagar outros US $ 10 bilhões aos agricultores dos EUA, que foram prejudicados pela guerra comercial de Donald Trump, exatamente como em seu primeiro mandato. Dadas todas essas informações, não é surpresa que a guerra comercial de Donald Trump contra a China tenha fracassado. É contraditório, tolo e suicida. Ademais, está baseado em falsidades que subestimam grosseiramente os pontos fortes econômicos da China, enquanto minimizam irremediavelmente os problemas estruturais profundos da economia dos EUA.

*Ben Norton é jornalista. Fundador e editor do portal Geopolitical Economy Report.

Tradução: Eleutério F. S. Prado.

Publicado originalmente no portal Geopolitical Economy Report.


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