O alerta vermelho climático

Imagem: Magda-Ehlers
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por JEREMY CORBYN*

O sistema político e econômico em que vivemos não produz mudanças climáticas por acidente, mas intencionalmente, recompensando grandes poluidores e extratores de recursos com superlucros

O secretário-geral da ONU declarar o relatório dos cientistas do clima como um “alerta vermelho para a humanidade” é um alerta crítico. As evidências do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) falam por si: os cinco anos mais quentes da história recente resultaram na elevação triplicada do nível do mar e o recuo global das geleiras e do gelo marinho.

Mas também não é nada significativamente novo. Os cientistas estão adotando um tom urgente porque eles vêm fazendo os mesmos avisos há décadas – enquanto uma ação séria sobre o aquecimento do nosso mundo não se concretizou. A gigante do petróleo Exxon previu mudanças climáticas na década de 1970 – antes de passar décadas negando publicamente a existência dessas mudanças.

O sistema político e econômico em que vivemos não produz mudanças climáticas por acidente, mas intencionalmente, recompensando grandes poluidores e extratores de recursos com superlucros.

Este é nosso legado histórico. No Reino Unido, fortunas da era imperial foram feitas a partir do petróleo de lugares como o Golfo Pérsico, onde a Grã-Bretanha patrocinou um golpe antidemocrático na década de 1950 para preservar os lucros da Anglo-Iranian Oil Company (AIOC). A AIOC mais tarde se tornou British Petroleum (BP), que continua a bombear centenas de milhões de toneladas de carbono na atmosfera do Golfo do México ao Cáspio. E muito do dinheiro fóssil do mundo é administrado por instituições financeiras da cidade de Londres, especializadas em administrar os lucros do petróleo.

Em todo o mundo, os governos continuam a agir em nome dessas redes de combustíveis fósseis, mesmo quando afirmam estar tomando medidas em defesa do clima. Boris Johnson até mesmo copiou a linguagem da Revolução Industrial Verde que nós, do Partido Trabalhista, desenvolvemos. Mas ele copiou apenas as palavras, não as ações. Em junho, o Comitê de Mudança Climática do Reino Unido demonstrou que, em seu curso atual, o governo não conseguirá atingir nem mesmo suas próprias metas lamentavelmente insuficientes.

Em 1º de maio de 2019, como líder da oposição, movi com sucesso uma declaração parlamentar para que a Grã-Bretanha declarasse uma emergência climática – tornando o nosso o primeiro parlamento do mundo a fazê-lo. Eu estava, e ainda estou, certo de que o Partido Trabalhista e nosso movimento devem levar a crise climática e ambiental muito a sério.

Se este sistema permanecer incontestado, podemos esperar um rápido aumento nas inundações, secas e incêndios florestais que devastaram a Austrália, Sibéria, Canadá, África Oriental, Califórnia e grande parte da Europa no ano passado. As tempestades intensas aumentaram dois quintos neste século. As piores estão três quartos mais fortes do que eram na década de 1950, e furacões, que aconteciam apenas raramente, agora são comuns.

Mas não é apenas com as consequências físicas desses eventos que devemos nos preocupar; são também as consequências políticas. Na Grécia, a austeridade, a desregulamentação e o abandono do corpo de bombeiros aumentaram o impacto dos horríveis incêndios em Evia. No Texas, no início deste ano, o Estado permitiu que as empresas de energia aumentassem o preço da energia de emergência, deixando as pessoas com dívidas impagáveis.

E dos Estados Unidos à União Europeia, os governos estão investindo em tecnologia de vigilância e equipamento militar para atacar os refugiados que as crises ambientais ajudam a criar. Os bilhões que estão gastando em novas tropas e drones no Mediterrâneo é dinheiro que não está sendo gasto em uma transição verde, em vez disso está indo tudo para o bolso de uma indústria militar de fronteira e vigilância fortemente ligada à economia fóssil. O parlamento britânico está atualmente debatendo um draconiano Projeto de Lei de Nacionalidade e Fronteiras com o objetivo de tornar ilegal salvar vidas de refugiados no mar – colocando a Grã-Bretanha em desacordo com o direito universal do mar.

Com os orçamentos militares disparando em todo o mundo, os países mais poderosos estão se preparando para o conflito, não para a cooperação, para lidar com a emergência climática. Essas soluções falsas aumentarão todo o nosso sofrimento; mas, como sempre, irão favorecer os poucos ricos enquanto pune muitas pessoas – sejam as pessoas que saíram de suas casas inundadas na Inglaterra ou fugiram da seca e guerra no Norte da África.

Mas não precisa ser assim, e nossa reação deve ser de esperança ao invés de medo. Os cientistas do clima podem nos dizer com precisão forense o que um aumento de temperatura de 1,5 ou 3 ou 5 graus causará nos níveis do mar, na escassez de água ou na biodiversidade. Mas a razão pela qual eles não podem prever qual será esse aumento é porque é impossível prever as escolhas que faremos a seguir. Essas, como o relatório do IPCC nos lembra, ainda dependem de nós.

E se enfrentarmos os poderosos, removendo os incentivos sistêmicos para queimar o planeta por lucros rápidos, podemos fazer as coisas de maneira diferente. Isso significa trabalhadores em todos os lugares se mobilizando por um Novo Acordo Verde global na COP26 deste ano para que retire o carbono da atmosfera e coloque o dinheiro de volta no bolso dos trabalhadores, enquanto enfrenta a injustiça e a desigualdade no Sul Global. Não existe nenhuma cidade em qualquer lugar que não se beneficie com transporte público verde, ou reflorestamento, ou energia renovável local, ou empregos nas indústrias verdes do futuro.

De mudanças climáticas a pobreza e desigualdade, ao nosso perigoso fracasso coletivo em vacinar os países mais pobres contra a COVID-19, estamos vivendo as consequências de um sistema que coloca os bilionários em primeiro lugar e o resto de nós por último. A crise climática e ambiental é uma questão de classe. São as pessoas mais pobres nas comunidades da classe trabalhadora, nas cidades poluídas e nas comunidades insulares de baixa altitude que sofrem primeiro e mais fortemente com esta crise.

Mas ainda temos o poder de mudar isso. Em 2019, crianças em idade escolar em greve pela ação climática capturaram a imaginação e a atenção de pessoas ao redor do mundo da noite para o dia. Se elas podem fazer isso, nós também podemos. Nossa resposta ao “alerta vermelho” climático deve ser trabalhar em nossas comunidades, na política, nas escolas e universidades, em nossos locais de trabalho e com nossos sindicatos para exigir e conquistar um planeta habitável – e um sistema que coloque a vida humana e o bem-estar em primeiro lugar.

*Jeremy Corbyn é membro do parlamento inglês. Foi líder do Partido Trabalhista e líder da Oposição na Câmara dos Comuns do Reino Unido de 2015 a 2020.

Tradução: Coletivo Leia Marxistas para a revista Jacobin Brasil.

 

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Marjorie C. Marona Valerio Arcary Matheus Silveira de Souza José Dirceu Slavoj Žižek Annateresa Fabris Flávio Aguiar Otaviano Helene Denilson Cordeiro Gilberto Maringoni Everaldo de Oliveira Andrade Vinício Carrilho Martinez Luiz Werneck Vianna Gabriel Cohn Tadeu Valadares Ricardo Antunes Boaventura de Sousa Santos Dênis de Moraes Celso Frederico José Micaelson Lacerda Morais Dennis Oliveira Vanderlei Tenório Daniel Brazil Maria Rita Kehl Ronaldo Tadeu de Souza Daniel Afonso da Silva José Machado Moita Neto Daniel Costa Paulo Fernandes Silveira Tales Ab'Sáber Luiz Renato Martins Milton Pinheiro Rubens Pinto Lyra Ricardo Musse Liszt Vieira João Carlos Salles Claudio Katz Luciano Nascimento Alysson Leandro Mascaro Antônio Sales Rios Neto José Raimundo Trindade Leda Maria Paulani Igor Felippe Santos Ronald Rocha Elias Jabbour João Lanari Bo Armando Boito Andrés del Río Heraldo Campos Sandra Bitencourt Francisco de Oliveira Barros Júnior José Luís Fiori Salem Nasser Marcos Aurélio da Silva Plínio de Arruda Sampaio Jr. Fernão Pessoa Ramos Alexandre de Lima Castro Tranjan Lorenzo Vitral Francisco Pereira de Farias Samuel Kilsztajn Marcos Silva Antonino Infranca Eleonora Albano Manuel Domingos Neto Andrew Korybko Fernando Nogueira da Costa Vladimir Safatle Marcelo Módolo Rafael R. Ioris Luiz Eduardo Soares Tarso Genro Chico Alencar Paulo Sérgio Pinheiro Ricardo Abramovay André Singer Lucas Fiaschetti Estevez Gerson Almeida Bernardo Ricupero João Paulo Ayub Fonseca Alexandre Aragão de Albuquerque Gilberto Lopes Julian Rodrigues Luis Felipe Miguel Ronald León Núñez Renato Dagnino Airton Paschoa Bruno Fabricio Alcebino da Silva Berenice Bento Marilia Pacheco Fiorillo João Sette Whitaker Ferreira Flávio R. Kothe João Feres Júnior Michael Roberts José Costa Júnior Michel Goulart da Silva Carla Teixeira Henry Burnett Marilena Chauí Bento Prado Jr. Walnice Nogueira Galvão Leonardo Sacramento Benicio Viero Schmidt Thomas Piketty Luiz Roberto Alves Luís Fernando Vitagliano Bruno Machado Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Antonio Martins Carlos Tautz Yuri Martins-Fontes Priscila Figueiredo Marcelo Guimarães Lima Paulo Martins Michael Löwy Chico Whitaker Manchetômetro Eliziário Andrade Jean Pierre Chauvin Osvaldo Coggiola Luiz Bernardo Pericás Atilio A. Boron Luiz Carlos Bresser-Pereira Sergio Amadeu da Silveira Érico Andrade André Márcio Neves Soares Henri Acselrad João Adolfo Hansen Kátia Gerab Baggio Francisco Fernandes Ladeira Eduardo Borges José Geraldo Couto Paulo Capel Narvai Lincoln Secco Mariarosaria Fabris Juarez Guimarães Caio Bugiato Jean Marc Von Der Weid Ari Marcelo Solon Mário Maestri Rodrigo de Faria Ricardo Fabbrini Valerio Arcary Celso Favaretto Alexandre de Freitas Barbosa Leonardo Avritzer Afrânio Catani Marcus Ianoni Jorge Luiz Souto Maior Eugênio Trivinho Remy José Fontana Leonardo Boff Fábio Konder Comparato Anselm Jappe Ladislau Dowbor João Carlos Loebens Luiz Marques Eugênio Bucci Paulo Nogueira Batista Jr Eleutério F. S. Prado Jorge Branco

NOVAS PUBLICAÇÕES