Por MÁRIO MAESTRI*
A Nação do Islã sofreu as sequelas do crime que realizara ao assassinar Malcom X, estagnando como grupo religioso sectário, como se mantém até hoje
Origem e fim desconhecidos
Pouco sabemos sobre a origem e a morte de Wallace D. Fard, fundador da Nação do Islã. Ele teria nascido, em 26 de fevereiro de 1877, no Egito, em Nova Zelândia ou, mesmo, nos Estados Unidos. A partir de 1934, perdemos notícias certas sobre ele. Depoimentos e fotos de Wallace Fard registram um homem branco, ou mestiço muito claro, baixo, de cabelos negros lisos, talvez de origem oriental, de compleição física frágil. [MALCOLM X, 2019, p.190.] Ele teria chegado, em 1930 ou 1931, a Detroit, Michigan, com 54 anos, com uma vida às costas praticamente desconhecida.
Em inícios da década de 1930, a Depressão tensionava a sociedade estadunidense e a Grande Migração da população negra sulina para o Norte, iniciada às portas da Primeira Guerra Mundial, em 1914. Em 1930, a cidade de Detroit contava com um milhão e meio de habitantes, entre eles, 120 mil negros. Em 1910, eles eram apenas de 1,23% dos habitantes da cidade. Com o fluxo migratório, em 2010, a comunidade negra superaria os 80% da população urbana, em forte despovoamento. [CENSUS, 2020.]
Em Detroit, Wallace Fard trabalhou, nos bairros negros, vendendo, porta-a-porta, sedas orientais e objetos exóticos, propondo que os tecidos oferecidos seriam os utilizados na cidade santa de Meca, de onde afirmava procederem ele e os ancestrais dos afro-estadunidenses. E, com os tecidos, distribuia informações religiosas, morais e alimentares. Ao ampliar a sua audiência, passou a ministrar seus ensinamentos em pequenos grupos e, ao obter o apoio necessário, abriu um local de culto, o “Templo de Allah do Islã”, nome original da Nação do Islã. [MALCOLM X, 2019, p. 230 et seq.]
Ocupando espaço vazio
Wallace Fard iniciou a sua pregação em um momento favorável. No ano anterior, morrera Timothy Drew, fundador, sob o nome de Noble Drew Ali, do “Templo da Ciência Mourisca”, religião de amplo sucesso, muito ativa em Detroit, dirigida à comunidade negra. Inicialmente, Wallace Fard teria se apresentado como a reencarnação daquele Profeta, falecido em 1929. [MARSH, 2000, p. 63.]
Em 1927, quatro anos antes de Wallace Fard desembarcar e iniciar a sua pregação em Detroit, o jamaicano Marcus Garvey, a mais bem sucedida liderança negra estadunidense, fora desterrado para seu país e a sua organização, a UNIA, entrara em crise. [MAESTRI, 21/09/2024.] E a Grande Depressão, já instalada, exacerbava a desorientação dos trabalhadores, com destaque para os negros, chegados havia pouco e sob o peso do racismo, favorecendo a difusão de credos e seitas.
Wallace Fard pregou culto islâmico sincrético e abastardado, apoiando-se, inicialmente, na Bíblia, e, a seguir, no Alcorão, servindo-se do modelo de pregação dos pastores negros cristãos sulinos. Instruía dieta alimentar sadia; proibia o consumo do fumo, do álcool e das drogas; recomendava que os fiéis buscassem autonomia econômica e que assumissem sobrenomes muçulmanos, mantendo o primeiro nome, como ele próprio fizera.
Frank S. Cherry e os judeus negros estadunidenses
A pregação de Wallace Fard Muhammad não foi inspiração dos céus, mas chegou-lhe de bem perto. Em fins do século 19, pululavam através dos Estados Unidos igrejas, pastores itinerantes, profetas variados propondo cultos diversos, entre a população negra, apontando caminhos para a salvação, nesta e na próxima vida.
Pelos anos 1900, entre as boas novas anunciadas, foi proposto que os afro-estadunidenses eram, em verdade, hebreus etíopes, levados escravizados para os Estados Unidos. Em torno de 1915, Frank S. Cherry [c.1875-1963], ex-ferroviário e ex-marinheiro de longo curso, moreno escuro, nascido no Extremo Sul, anunciou que recebera a missão divina de orientar a população negra, quando embarcado no exterior. O que teria feito, na Filadélfia, no Estado da Pensilvânia, naquele ano, ao organizar a “Igreja do Deus Vivo, o Pilar da Verdade para Todas as Nações”.
F. S. Cherry revelou que Adão e Eva, Jesus Cristo e o próprio Deus eram negros. O primeiro homem branco fora Geazi, embranquecido por maldição, ao pecar gravemente. A raça amarela surgira quando ele tivera filhos com negras. A “Igreja do Deus Vivo” não recebia caucasianos, acolhendo sobretudo negros. Sobre o Sul, onde nascera, o Profeta dizia ser “pior do que o inferno”. F.S. Cherry revelara que os negro-estadunidenses descendiam de membros da tribo israelita expulsa, da Babilônia, para a África Central e Oriental, de onde foram vendidos, pelos romanos, como cativos. Os israelitas brancos contemporâneos seriam falsos judeus, que sequer reconheciam a santidade de Jesus Cristo.
Naturalmente maus
O Profeta defendia que os brancos eram naturalmente maus e malquistos por Deus e que a civilização só melhoraria com a elevação ao mando dos judeus negros. O mundo teria seis mil anos, iniciando nova fase cada dois mil anos. Em 2000, Jesus Cristo -negro- retornaria à Terra, iniciando guerra racial que levaria à extinção da raça branca.
A “Igreja de Deus Vivo” não denominava seus templos de sinagogas e não fazia coletas de fundos, cobrando, porém, o dízimo. Proibia comer carne de porco e permitia beber vinho e impunha moral rígida, permitindo apenas casamentos entre fiéis. O culto não exigia vestimentas especiais e o Profeta pregava com as suas roupas habituais e pouco requintadas.
Sem talvez jamais ter ido a uma escola, F.S. Cherry estudara o iídiche, citando o Talmude, tido como superior à Bíblia, também um livro santo. Ele apoiou o movimento nacionalista e separatista negro de Marcus Garvey. Após a sua morte, em 1963, o seu filho o substituiu à frente da “Igreja do Deus Vivo”, que teve diversas divisões. Nos USA, ainda temos “hebreus negros”, sem qualquer contato com os falsos hebreus de Israel. [FAUSET, 2002, p. 31-40; DRAPER, 1971, p. 71-72.]
Timothy Drew e o negros mouriscos estadunidenses
Wallace Fard sofreu a influência direta ou teria, até mesmo, participado da igreja dos mouriscos negros, fundada por Thomas ou Timothy Drew, de quem, talvez, tenha se apresentado inicialmente como reencarnação. Timotthy Drew foi descrito como um “negro alto, esbelto e sombrio [sic]”, nascido, acredita-se, em 1886, na Carolina do Norte ou na Virgínia. Em 1913, aos 27 anos, pregando pelas ruas de Newark, Nova Jersey, próximo de Nova Iorque, fundou o que seria o primeiro culto muçulmano negro-estadunidense de repercussão. [MARSH, 2000, p.96.]
Judeus mouros
Timothy Drew alcançou sucesso maior que J.S. Cherry e a proposta dos judeus negros. Em 1928, o seu credo se encontrava em forte expansão, com destaque para Chicago, no Estado nortista do Illinois, onde ele se estabeleceu, consolidando o “Templo da Ciência Mourisca da América”. [DRAPER, 1971, p. 77-81] Teriam sido abertos dezessete “Templos”, em Detroit, Nova Iorque [Harlem], Chicago, Pittsburgh, Filadélfia, Cleveland e em cidades do Sul. A religião teria alcançado de 20 a 35 mil seguidores, enquanto o seu fundador vivia.
Autores sugerem que, impressionado com a ausência de referências a raças na filosofia e religião orientais, Timothy Drew encontrou, na identificação do negro-africano com o Oriente, superação do handicap imposto àquela comunidade pela cultura racista dominante. [LINCOLN, 1963, p. 51 et seq.] Leituras recentes apresentam interpretação mais complexa do “Tempo da Ciência Mourisca”.
Além da referência ao islamismo, Timothy Drew propunha que Jesus Cristo e seus discípulos seriam asiáticos, como os afro-estadunidenses, que descenderiam, quanto à etnia, de mouros da tribo dos antigos moabitas, tendo desaprendido a sua língua original, o árabe, e a sua religião, o islamismo. Cabia ao “Templo da Ciência Mourisca” indicar ao afro-estadunidenses a sua real origem, religião e língua.
Mouros, simplesmente
Timothy Drew rejeitava, por improcedente, as denominações de “negros”, “homens de cor”, “etíopes”, “africanos”. Os afro-estadunidenses deviam se autorreconhecerem como “mouros americanos”. Por isso, orientava os seguidores a agregarem referência islâmico-mourisca aos nomes, expressando, assim, a sua real nacionalidade. Timothy se autodenominara de Noble Drew Ali.
Os membros do “Templo da Ciência Mourisca” usavam trajes e turbantes coloridos, tidos como mouriscos, e os homens deviam portar, sempre, um barrete vermelho, ao estilo marroquino – “fez”. Para comprovar a verdadeira nacionalidade, o Templo entregava aos membros uma “carteira de identidade e nacionalidade”.
O documento portava um símbolo islâmico (estrela e meia-lua crescente); uma imagem de mãos entrelaçadas; um número “7” em um círculo e trazia escrito que o portador honrava “todos os profetas divinos, Jesus, Maomé, Buda”, sob as benções de nosso Deus, Alá, superior, portanto, a todos eles. Reafirmava-se, assim, a crença no islamismo do portador da carteira de identidade, integrando-o ao corpo nacional, enfatizado no documento, que era assinado por Noble Drew Ali, o Profeta.
Em busca da nacionalidade perdida
Timothy Drew propunha que cada comunidade inseria-se em seu complexo religioso, cultural, histórico, etc., que determinava a sua nacionalidade. A população negra, encontrava-se despida dessa qualidade, sem sequer um nome que a determinasse. Ela adquiriria a nacionalidade original perdida e não reconhecida, ao reivindicar a etnia mourisca, a língua árabe, a crença muçulmana e a adotar um nome próprio à sua origem. Integrava-se, assim, como as demais comunidades, à nacionalidade estadunidense. [LINCOLN, 1963, p. 54 et seq; MARSH, 2000, p. 63.].
O “Tempo da Ciência Mourisca” não se encontrava aberto aos “europeus”, judeus, hindus, japoneses, etc. por já possuírem uma nacionalidade: religião, língua, cultura, nome étnico. Todas essas comunidades, como os mouriscos, deveriam ser acolhidos como cidadãos, no caso, dos Estados Unidos da América. Todos teriam, assim, duas bandeiras, e duas fidelidades, sem contradições.
A concepção bipartida de nacionalidade e cidadania de Noble Drew Ali levou a que jamais propusesse migração em direção da África do Norte, em geral, e ao Marrocos, em particular, nação da qual seriam originários. Tratava-se de uma ruptura de qualidade com o nacional-separatismo negro, abraçado pela UNIA, de Marcus Garvey, e, a seguir, pela Nação do Islã, de Wallace Fard.
Todos estadunidenses
Noble Drew Ali orientava os fiéis a não entrarem em conflito com as autoridades e com os “europeus”, propondo que podiam e deviam jurar fidelidade à bandeira dos Estados Unidos. [DEW, 2019, p. 178.] Mesmo sendo o Marrocos a pátria-mãe, a raiz da nacionalidade dos “mouros americanos”, eles eram cidadãos estadunidenses plenos.
O Profeta escreveu Sagrado Alcorão do Templo Mourisco da Ciência da América [“Holy Koran of the Moorish Science Temple of America”], de 64 páginas, no qual se apresenta como um enviado por Alá e se refere às concepções da crença. O livro, que quase nada retoma do Alcorão, era secreto, só podendo ser lido pelos crentes. [FAUSET, 2002, p. 46-48.]
Afirma-se que o credo mourisco tivesse uma instância milenarista pouco pronunciada, ao propor que os “europeus” seriam destruídos, sem data marcada, por ação divina, ao aparecer nos céus o signo de uma estrela contra uma lua crescente. Promessa mágico-religiosa que interpretava os anseios não apenas dos “mouros” negros de se livrarem do povo que fora e que era o seu algoz.
Nada de caucasianos
O dia de resguardo era a sexta-feira e os fiéis deviam rezar, diariamente, quando o Sol se levantava, ao meio-dia e ao pôr do Sol, voltados para Meca, como no Islã. O culto era feito no Templo, preferencialmente às quartas e domingos à noite, com respeito estrito ao horário de início e fim. Os homens e as mulheres sentavam separadamente.
Exigia-se moral estreita. Não se aceitava a poligamia e o divórcio era mal visto. Os crentes, vegetarianos, não podiam comer carne e ovo, beber, fumar, dançar, usar cosméticos. O homem se responsabilizava pela manutenção da casa e a mulher mantinha-se sob sua obediência, cuidando dos filhos.
Apesar da clemência da pregação do Templo Mourisco, ali onde seus seguidores eram numerosos, ele ensejou aumento da autoestima e comportamentos autônomos dos “mouros”, rompendo comumente com os modos submissos dos negros tidos como normais e exigidos pela cultura racista dominante. O que motivou reação, com destaque para a polícia, particularmente racista.
Noble Drew Ali conclamou os seguidores à calma, lembrando que pregava sobretudo a elevação moral e religiosa do país como um todo, na procura dos dias de redenção moral e religiosa, quando os Estados Unidos teriam um “dos maiores governos civilizados e prósperos do mundo”. [DEW, 2019, p.3.]
Com as burras cheias
Ao crescer o movimento, o Profeta nomeou auxiliares diretos, denominados de xeiques, à frente dos diversos Templos. Muito logo, nasceram fortes disputas pela sua direção do Templo Mourisco. Em Chicago, em 1929, a liderança do Profeta foi questionada pelo xeique Claude Green, um ex-mordomo, assassinado em março daquele ano. Apesar de não estar na cidade durante o crime, Noble Drew Ali foi acusado pela morte, emprisionado e, possivelmente, espancado, apesar de tuberculoso.
Os maus-tratos policiais agravaram a saúde do Profeta, causando sua morte em 20 de julho de 1929. O Templo da Ciências Mourisca, acéfalo, perdeu força, fragmentando-se em centenas de grupos e pensadores negros que seguem reivindicando e reverenciando Noble Drew Ali como referência intelectual ou profeta enviado por Alá aos Estados Unidos. [MARSH, 2000, p. 59-71; DEW, 2019, p.3, 36; DRAPER, 1971, p. 69-71; FAUSET, 2002, p. 41-51.]
Ao surgir a Nação do Islã, muitos “mouros” transferiram-se de mala e cuia para o culto de Wallace Fard, mutatis mutandis, uma quase continuação do fundado por Noble Drew Ali, que já se apoiara no Templo dos Judeus Negros, de F.S. Cherry. A Nação do Islã extremou o ódio ao branco, tido como o “demônio” do povo negro, a ser destruído, brevemente. O que seria fonte de atração entre os crentes do Templo da Ciência Mourisca.
Wallace Fard e as origens da Nação do Islã
A pregação de Wallace Fard Muhammad progredia, com destaque para a cidade de Detroit, quando, em 20 de novembro de 1932, Robert Harris, doente mental, realizou um assassinato ritual, diante de membros, como ele, do “Templo de Allah do Islã”, nome original da Nação do Islã, como vimos. Denunciado o crime por vizinhos, Robert Harris, o assassino, Wallace Fard, o Profeta, e o seu primeiro-secretário, Ugan Ali, foram presos.
Robert Harris foi enviado, por aluado, ao Hospital Estadual de Ionia para Criminosos Insanos, e Wallace Fard e seu auxiliar, após exames psiquiátricos, foram postos em liberdade. Ugan Ali, como Judas, teria abjurado sua crença e se comprometido contribuir para a sua dissolução. Wallace Fard, por sua vez, foi obrigado a abandonar, para sempre, a cidade de Detroit. Em 7 de dezembro de 1932, o Profeta embarcou, sob escolta policial, em trem, para a cidade de Chicago, não muito distante.
Devido ao escândalo, o culto foi rebatizado de Nação do Islã e Wallace Fard colocou, à sua frente, no Templo de Detroit, Elijah Poole, um mecânico, negro, então desempregado, originário do Estado da Georgia, no sul dos Estados Unidos, onde dominava sem freios o apartheid. Ele recebera o sobrenome muçulmano de Karrem. Propõe-se que organizara manifestação bem sucedida, diante do tribunal, de uns duzentos participantes, pela liberdade dos dois detidos. Nesse momento, a Nação do Islã seria apenas um dos tantos credos negros estadunidenses, com algumas centenas ou pouco mais de aderentes.
De novo no xilindró
Em 25 de maio de 1933, de volta a Detroit, Wallace Fard, reconhecido pregando nas esquinas, foi preso e expulso, outra vez, da cidade. Em 25 de setembro, ele sofreu uma nova prisão, agora em Chicago, quando pregava em uma sala alugada, sem maiores consequências. Talvez já com uns cinco mil seguidores, o Profeta empreendeu institucionalização do movimento.
Entre outras iniciativas, fundou escola islâmica, anexa aos Templos, onde se ministrava para os alunos em idade escolar currículo que destacava a matemática, a astronomia e o estudo das civilizações. Em escolas para meninas se ensinavam as tarefas domésticas e adultos participavam de um corpo para-militar, o “Frutos do Islã”.
Em janeiro de 1934, em Detroit, houve alerta sobre a evasão à escolaridade obrigatória de filhos de membros da Nação do Islã. Em março ou abril, a “Universidade do Islã” foi invadida, Wallace Fard preso, posto sob liberdade condicional e acusado diante da Justiça por dirigir centro de ensino educacional sem a devida licença.
Em Chicago, Elijah Poole teria se encontrado com o Profeta e combinado a sua ascensão como figura pública, rebatizado com o mesmo sobrenome de Wallace Fard, ou seja, Muhammad. Talvez, se teria organizado, também, a desaparcição do fundador dos “muçulmanos negros”. A partir de 1934, não se teve mais notícia precisas de Wallace Fard. Especula-se que teria abandonado o país sob a pressão do FBI. Era o fim de uma era. [CLEGG III, 1997, p. 119.]
Fim de uma era
Wallace Fard, branco, não rejeitara o caráter negro do afro-estadunidense, como Noble Drew Ali. E diferenciando-se dele e de Frank S. Cherry, se serviu, com maior ênfase, da pregação radical anti-branco para difundir o seu credo sobretudo entre a população pobre chegada do Sul, em graves dificuldades, nos anos da Depressão. População que conhecera o inferno na terra, quando da escravidão, e após ela, durante o Apartheid.
Uma comunidade que tivera como principais referências político-religiosas B.T. Washington, falecido em 1915, e Marcus Garvey, expulso do país em 1927. Nenhum deles deixara herdeiro político-religioso. Wallace Fard se referiu, em sua teologia, ao “diabo branco”, sem o enfatizar. Nessa estrada se lançaria, com furor e sucesso, seu sucessor, Elijah Poole, negro, chegado do Sul profundo. No Sul, ao homem branco cabia perfeitamento a designação do demônio do homem negro. [CLEGG III, 1997, p. 71; MAESTRI, 21/09/2024; 12/07/2024.]
Pouco sabemos de certo sobre a pregação de Wallace Fard, nos três ou quatro anos em que iniciou sua pregação, conquistou os primeiros adeptos, se apresentou como Profeta, assentou as bases da Nação do Islã e desapareceu de cena para sempre. Sobre ele, falam Elijah Poole, o seu Profeta, e outros depoentes, de menor calibre.
Wallace Fard escreveu alguns textos, com ampla dissonância com as correntes dominantes do islamismo, sobre as quais tinha informação precária. Publicou em vida um livro canônico, Ensino sobre a nação perdida e encontrada do Islã por um método matemático” [Teachings for the Lost-Found Nation in a Mathematical Way]. E teria ditado um documento transmitido oralmente –Ritual secreto da Nação do Islã.
Novos tempos
Elijah Poole Muhammad, segundo homem da organização, terminou vencendo a dura disputa pelo poder, aberta com a eclipse de Wallace Fard, em 1934, dirigindo a Nação do Islã até sua morte, em 1975, como veremos. Nesse longo período, empreendeu literal divinização de Wallace Fard, apresentando-o como encarnação de Deus, ou seja, de Alá. Ele proporia ter perguntado, diretamente, a Wallace Fard, “quem era ele e qual era seu verdadeiro nome” E ele respondera que era o esperado há dois mil anos. “Meu nome é Mahadi; sou Deus.”
Segundo essa narrativa de Elijah Poole, ele se tornava o único profeta e o intermediário entre Alá e o seu rebanho da Nação do Islã. Após 1934, os ensinamentos de Wallace Fard foram possivelmente re-elaborados e re-interpretados por Elijah Poole, que se apresentou como escolhido, pelo próprio Alá, como “primeiro-ministro do Islã”. Segundo Malcolm X, que se tornaria, a sua vez, o braço direito de Elijah Poole, este último propôs que “ouviu dos lábios de Fard coisas que ele ´não havia revelado a ninguém´.” [MUHAMMAD, 1973, cap. 8; MALCOLM X, 2019, p. 232].
Apresentando-se como uma fonte inquestionável da revelação divina, Elijah Poole possuiria a autoridade para apresentar as suas propostas teológicas como emanadas do próprio Deus. E, como proposto, fora radical o salto de qualidade entre os dois construtores da Nação do Islã. Wallace Fard era branco, que jamais conhecera na pele o racismo estadunidense. Seu sucessor e profeta, Elijah Poole, negro, viera da Georgia, onde o chicote do escravista fora, muito logo, substituído pelo tacão do Apartheid, para viver, no Norte, as sequelas sem fim da discriminação e violência racial.
Elijah Muhammad: uma peregrinação iniciada na Georgia
Elijah Robert Poole nasceu, em 7 de outubro de 1897, em Sandersville, um vilarejo do Estado da Geórgia, no seio de família de treze filhos, tendo, como pai, um pregador batista. Foi alimentado, portanto, desde a mais tenra infância, pelos relatos bíblicos interpretados comumente segundo uma escatologia cristã libertadora por uma comunidade negra à procura de sua libertação, na terra e no céu.
Após estudar até a quarta séria primária, Elijah Poole empregou-se em trabalhos braçais, ainda criança, para ajudar o sustento da família. De constituição pouco robusta, abandonou a casa paterna aos dezesseis anos, casando-se em 1917, com Clara Evans, com quem teve oito filho. Fora diversos outros filhos naturais, tidos quando se consolidou seu poder na Nação do Islã.
Desde 1916, a migração da comunidade negra da Geórgia para o norte industrial tornara-se um fenômeno de massa. Enquanto isso, naquele estado, continuava a ditadura racista, em boa parte para tentar interromper a partida do braço negro explorado. O próprio Elijah Robert contaria que assistira ao linchamento de três homens negros. Em 1923, ele, esposa, filhos e parentes juntaram seus trastes e partiram para o Norte.
Uma nova vida
Em Detroit, Elijah Poole empegou-se como operário industrial, em trabalhos subalternos, e participou de movimentos negros político-religiosos. Em 1931, sob o açoite da Depressão, permanentemente semi-empregado, por indicação da esposa, foi escutar a pregação de Wallace Fard. Ao igual que os irmãos, aderiu ao culto do “Templo de Allah do Islã”, sendo re-batizado de Elijah Karriem. [CLEGG III, 1997, p. 47 et passim.]
Devido à dedicação ao credo que abraçava sem freios, seu profundo conhecimento da Bíblia, já que filho de um pastor,e sua certamente crença na emancipação político-religiosa do povo negro, Elijah Poole caiu nas graças de Wallace Fard, iniciando sua ascensão na então rústica nomenclatura da futura Nação do Islã.
Em prova de confiança nele e em suas capacidades de pregador e administrador, Wallace Fard entregou-lhe a direção do Templo Nº. 2 de Chicago e, muito logo, a liderança do credo naquela cidade, em progressão. Um seu irmão assumiu o comando do grupo “Fruto do Islã”, uma espécie de guarda pretoriana do Profeta. Apesar de sua pouca eloquência, não se demorou em se tornar o braço direito de Wallace Fard.
Após a partida de Alá
Em 1934, com o sumiço de Wallace Fard, Elijah Poole assumiu a direção do Templo Nº. 1, em Detroit, no contexto de forte disputa pelo comando do movimento, inclusive reivindicado por seu irmão. Sob sua iniciativa, se teria lançado a publicação Final Call to Islam, de escasso sucesso e, mais tarde, fundado a “Universidade Muhammad of Islam”, que subsiste até hoje, inicialmente em forte confronto com as autoridades escolares de Detroit e Chicago.
A proposta de Elijah Poole de que Wallace Drew era Alá sob forma humana não recebeu acolhida geral, já que o transformava em profeta, avançando-o na forte luta pelo poder, que se dava em um terreno árido. O movimento seguiu conhecendo o ataque da polícia, a perseguição de “negros cristãos” e as dificuldades postas pela crise econômica.
Devido a uma rebelião interna vitoriosa e ameaças a sua vida, Elijah Poole abandonou Detroit, mudando-se para Chicago, sede do Templo Nº. 2. A seguir, viajou para Milwaukee, no Wisconsin, a apenas 150 km de Chicago, onde fundou o Templo Nº. 3, apoiado em minúsculo grupo de seguidores locais. Finalmente, com a Nação do Islã sob controle, estabeleceu-se em Washington, D.C., onde fundou o quarto templo da Nação do Islã e dedicou-se a intensas leituras na magnífica Biblioteca do Congresso. [MALCOLM X, 2019, p. 232; III p. 121 et seq.]
De vento em popa
Elijah Poole foi o verdadeiro construtor da Nação do Islã ao definir e codificar o credo, as práticas e os objetivos do movimento político-religioso. Como propusera a UNIA, de Marcus Garvey, também para a Nação do Islã, o negro estadunidense era estranho aos USA. Portando, devia ignorar a luta pelos direitos civis e políticos e preocupar-se, apenas, com a criação de um Estado-nação negro.
Entretanto, ao contrário do proposto pelo jamaicano, que investira na Libéria como a pátria negra estadunidense, Elijah Poole jamais se preocupou em definir sua localização.[MAESTRI, 21/09/2024.] Elijah Poole referiu-se a territórios, na Ásia e na África, e reivindicou regiões dos Estados Unidos e a subvenção, por 25 anos, para a instalação da população negra nos mesmos.
A Nação do Islã chegou a comprar uns 700 hectares, em 1966, em Dawson, na Geórgia, e parcelas de terra menores, no Alabama e Michigan, para criar animais e plantar vegetais para seus restaurantes e supermercados. A Nação do Islã incentivava o empreendedorismo capitalista negro, como a UNIA, tendo, porém, fundado, com sucesso, empresas próprias, restaurantes, armazéns, padarias, barbearias, etc., participando do controle de um banco texano, o “Guaranty Bank and Trust Co”.
Bom exemplo
Nos anos 1970, a Nação do Islã, rica e poderosa empresa político-religiosa, possuía em torno de setenta escolas através do país, anexas aos Templos. Os membros da Nação deviam se comportar como exemplos vivos para a comunidade negra. Não podiam beber, se drogar, dançar, jogar. Elijah Poole escreveu dois livros aconselhando uma refeição por dia e dizendo o que os “muçulmanos negros” deviam e o que não podiam com sucesso. “[…] LEGUMES, LEITE E MANTEIGA são os alimentos certos para consumir […].” E, sobretudo, não deviam seguir os hábitos alimentares dos “diabos brancos”, o que os fariam adoecer. [MUHAMMAD, 1960, p. 29.]
Os membros da Nação do Islã deviam se comportar com educação e compostura e procurar elevação cultural e profissional individual. Os homens portavam traje negro, com camisa branca e gravata borboleta, que se tornou em um quase uniforme do movimento. As mulheres deviam obedecer aos maridos, aos pais, aos irmãos e se ocupar prioritariamente da casa e dos filhos. Deviam primar pelo recato e a moralidade, não procedendo como as diabas brancas imorais, que andavam com “vestidos acima dos joelhos”. As mulheres não ocupavam um papel de destaque na Nação do Islã. Os membros do movimento deviam visitar os bairros populares e as prisões para obter, através do proselitismo, novos aderentes. [MUHAMMAD, 1960, p. 28-31.]
Teologia Escatológica Islâmica de Elijah Muhammed
A partir de 1934, na Nação do Islã, consolidou-se pregação supremacista negra e racista anti-branca. E, ao igual que B.T. Washington e Marcus Garvey, os “muçulmanos negros” terminaram apoiando o Apartheid e se opondo explicitamente à luta pelos direitos civis e políticos da comunidade negra. O colaboracionismo de Elijah Poole seguiria, com maior discrição, a sinistra estrada de Marcus Garvey, ao negociar pacto de não agressão com a Ku Klux Klam. [MAESTRI, 12/10/2024; MALCOLM X, 2019.]
Elijah avançou teologia negra fluída que afirmava ser revelação direta de Wallace Fard, corporificação de Alá. A narrativa dominante referia-se a homens, de pele escura, cabelo liso e fala árabe, deuses mortais, que teriam vivido a uns 66 trilhões de anos. Quando um cientista do mal separara por explosão a Terra da Lua, a tribo dirigida por Shabazz, a única sobrevivente, se estabeleceu sobre a Terra, originando o gênero humano.
Na Terra, a tribo Shabazz, povo de pele escura, não negra, e cabelo liso, habitara o vale do Nilo e em Meca. Shabazz dirigira parte da sua tribo para a África Central, para fortalecer seus membros que, devido à dureza do clima, tiveram o cabelo endurecido e a pele enegrecida. Entremente, entre os 24 sábios negros da tribo, um, desviado, de nome Yakub, com uma enorme cabeça, poria tudo a perder.
Invenção da raça branca
Yakub, banido, por suas maldades, para a ilha grega de Patmos, há uns 6.600 anos, fora acompanhado por seus “cinquenta ” nove mil novecentos e noventa e nove discípulos. Em vingança, Yakub iniciou a criação de “raça diabólica”, “descolorida, branca”, por seleção genética, matando os bebês mais escuros e cruzando os mais brancos, quando crescidos. [MALCOLM X, 2019, p. 188.]
Seus discípulos prosseguiram por seiscentos anos o processo seletivo, até surgir a raça branca, de olhos azuis, formada por seres violentos e mentirosos, verdadeiros demônios, sem a santidade interior dos negros. As raças não-negras nasceram desse processo de seleção.
A raça branca vivera desterrada na Europa, como verdadeiros animais, após ter tentado e fracassado na conquista de Meca. Ao aperfeiçoar o engano e a trapaça, ela se libertara e escravizara a facção da tribo de Shabazz estabelecida na África Central, levando-a para os Estados Unidos como escravizados. [BERG, 2017.]
Retorno às origens
Wallace Fard, corporificação de Alá, partira de Meca para iniciar o retorno do negro, escravizado na América, “o povo escolhido”, de volta a sua língua, a sua religião e a sua nação perdida. A astronomia e a matemática avançada eram partes destacadas da cultura a ser recuperada. Ao cumprir a sua missão, deixara Elijah Poole como seu profeta. [MUHAMMAD, 2013, p.87.]
Para a Nação do Islã, o fim dos tempos presentes não se encontrava em um futuro incerto. Ele ocorreria em alguns poucos anos, com o “alçamento” dos “povos da terra não-brancos” e a extinção total da raça dos “demônios”. [MUHAMMAD, 2013, p.251.] A guerra racial seria anunciada pela chegada de uma “Nave-Mãe”, trazendo no seu bojo Alá, que daria início ao reinado de um povo negro perfeito, apoiado na liberdade, na justiça e na igualdade.
Durante a sua vida, Elijah Poole publicou uma farta literatura sobre o que propôs serem os ensinamentos de Wallace Poole, Alá, e sobre as demais teses e interpretações da Nação do Islã. Nessa literatura, se destaca a apresentação e a defesa de teses antissemitas, negando o Holocausto e extremando a participação de judeus no tráfico escravista internacional. [MALCOLM X, 2019, p. 191; THRD, 2016; MUHAMMAD, 1973, Cap. 5 et passim.]
Malcolm X e a Nação do Islã
Em maio de 1942, Elijah Poole foi preso, em Washington D.C., ao se negar a se arrolar no exército, quando da Segunda Guerra Mundial. Em liberdade condicional, retornou a Chicago, onde foi detido, pelo mesmo motivo e por instruir os seus seguidores a fazerem o mesmo. O FBI difundiu a informação que a Nação do Islã, então pouco conhecida, seria uma “quinta-coluna” japonesa. Durante a guerra, os Estados Unidos conheceram um violento revival nacionalde pogrons anti-negros. [CLEGG III, 1997, p.220.]
Elijah Poole cumpriu pena, de 1942 a 1946, em prisão federal em Michigan, dirigindo desde o cárcere a Nação do Islã, sobretudo através da esposa. Ao ser liberto, os “muçulmanos negros” reduziam-se a uns trezentos e o Templo N.°1, de Detroit, mergulhara na crise. A seguir, a Nação do Islã retomaria impulso e receberia a adesão de membro que determinaria seu futuro – Malcolm X. [MALCOLN X, 2019, p. 233.]
Malcolm Little nasceu em 1925, em Omaha, no Nebraska, estado nortista de pouca população negra e muito racismo. Foi criado por instituições e famílias de adoção, após o seu pai, carpinteiro, pastor e militante da UNIA, ser possivelmente assassinado por racista e a sua mãe adoecer gravemente. Aos 16 anos, vivendo na casa de uma tia, em Nova Iorque, envolveu-se, no Harlem, com o tráfico de drogas, proxenetismo, assalto a moradias. Detido e julgado, foi condenado a onze anos de prisão.
Em 1947, na prisão, na periferia de Boston, seguiu drogando-se. Em fins de 1948, transferido para colônia penitenciaria experimental, recebeu visitas e farta correspondência familiar, instando-o a aderir à Nação do Islã, a “religião natural do homem negro”, que revelava que o branco era o “diabo”. Abraçou o credo, estabeleceu correspondência com o profeta Elijah Poole, mergulhou em leituras sobre a história do negro, a civilização mundial e outros temas. [CLEGG III, 1997, 308; MALCOLM X, 2019.]
Em liberdade
Em 1952, libertado, passou a trabalhar e a difundir a nova fé em Detroit, sede do Templo Nº. 1, rebatizado como Malcolm X. Nas peregrinações mensais ao Templo N°. 2, em Chicago, conheceu pessoalmente o Profeta, que lhe entregou responsabilidades crescentes, por sua capacidade e dedicação. Em sua progressão, chegou à direção do Templo Nº. 7, de Nova Iorque, e se tornou porta-voz do movimento. Magro, com 1m91cm de altura, carismático, excepcional orador, centrava a sua pregação no ódio ao homem branco e defendia, sem propor a violência como objetivo, a necessidade da autodefesa do agredido.
Nos anos 1950, a Nação do Islã somava templos, seguidores, recursos. Em 1959, canal televisivo apresentou o programa “O ódio surgiu do ódio”, sobre o movimento, fortemente negativo, que ensejou enxurrada de reportagens, todas negativas. Malcolm X alcançou destaque nacional defendendo o Profeta e o movimento. A exposição midiática foi favorável à Nação do Islã que visava um público determinado.
Os atos dos “muçulmanos negros” reuniam dezenas de milhares de participantes, o Profeta viajava de avião particular, as coletas enchiam os cofres, enquanto Malcolm X seguia ascendendo na organização. Em inícios dos anos 1960, enfuriava a luta anti-colonial na Ásia e na África e a Revolução Cubana definira-se socialista. Elijah Poole enviou Malcolm X em viagem à África e, em 1960, quando da Assembleia Geral da ONU, ele entrevistou-se com líderes nacionalistas africanos e manteve colóquio privado com Fidel Castro.
Mais política, menos religião
Em 1963, Malcolm X começa a divergir de Elijah Poole, devido à nula participação na luta pelos direitos civis e contra o racismo, que se acirrava. O Profeta ordenou sessenta dias de silêncio a Malcolm X que, em abril de 1964, em plena dissidência, realizou peregrinação a Meca, converteu-se ao sunismo ortodoxo e modificou a sua visão sobre a questão racial ao conhecer, segundo ele, peregrinos de “todas as cores, desde loiros de olhos azuis até africanos de pele negra”.
Em 1965, devido à vida de luxo e devassidão do Profeta, ao conservadorismo da Nação do Islã e a sua evolução política, Malcolm X rompeu com Elijah Poole, que intensificava as calúnias lançadas contra ele e o destituía de seus encargos. Em 15 de fevereiro de 1965, em Nova Iorque, Malcolm X fundou a “Organização para a Unidade Afro-Americana”, “não religiosa e não sectária”. Separava religião e política e abraçava a revolução social e política. [III. p. 549 et seq.]
Malcolm X passou a propor a aliança com outros líderes negros, recomendou que os negros votassem, defendeu o direito de autodefesa. Ele se consolidava como porta-voz internacional do movimento negro estadunidense radicalizado, com influência crescente na esquerda do movimento dos direitos civis e do estudantado branco mobilizado contra a guerra do Vietnã.
O braço longo do FBI
Na Nação do Islã já se discutia a eliminação física de Malcolm X, tendo fracassado, no mínimo, um atentado. Ele era protegido por militantes da Organização para a Unidade Afro-Americana e pela própria polícia, após sua casa ser incendiada, em 14 de fevereiro de 1965. Em 21 de fevereiro, em Manhattan, Nova Iorque, foi assassinado por militantes da Nação do Islã, quando se preparava para discursar, é mais do que crível sob a ordem de Elijah Poole.
Havia anos que o FBI manipulava a Nação do Islã, tendo certamente decidido o assassinato de Malcolm X, definido como um dos principais inimigos internos do Estado estadunidense. Com seu assassinato, interrompeu-se a sua trajetória e radicalização, durante a qual, como ele mesmo lembrou, falava cada vez mais de política e menos de religião. [CLEGG III, 1997, p. 623.]
A Nação do Islã sofreu as sequelas do crime que realizara, estagnando como grupo religioso sectário, como se mantém até hoje. Sintomaticamente, seu prestígio despencou entre os presidiários negros, que chegara a dominar, cansados da postergação, ano após ano, do anunciado advento escatológico que jamais chegava.
Sobretudo, as multidões de prisioneiros negros, que haviam aderido e se afastaram da Nação do Islã, jamais perdoaram o assassinato de Malcolm X, um homem e um ex-presidiário negro como eles, que falava a língua deles. O assassinato de Malcolm X silenciou a maior liderança negra de esquerda jamais conhecida pelos Estados Unidos. [CLEAVER, 1970, p. 39-43.][1]
*Mário Maestri é historiador. Autor, entre outros livros, de Filhos de Cã, filhos do cão. O trabalhador escravizado na historiografia brasileira (FCM Editora).
Referências
BERG, Herbert. Elijah Muhammad’s Prophets. From the White Adam to the Black Jesus. Mizan: Journal for the Study of Muslim Societies and Civilisation, Volume 2, Issue 1 / 2017
CLEGG III, Claude Andrew. The Life and Times of Elijah Muhammad. North Caroline: University of North Caroline, 1997.
DEW, Spencer. The Aliites: Race and Law in the Religions of Noble Drew Ali. Chicago: The University of Chicago Press, 2019.
DRAPER, Theodore. The Rediscovery of Black Nationalism. London: Redwood Press, 1971.
CLEAVER, Eldridge. Pantera Negra: después de la prisión. México: Siglo XXI, 1970.
FAUSET, Arthur Huff. Black Gods of the Metropolis. Negro Religious Cults of the Urban North. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2002.
LINCOLN, C. Eric. The Black Muslims in America. [1961]Boston: Beacon Press, 1963. MARSH, Clifton. The Lost-Found Nation of Islam in America. Maryland: Scarecrow Press, 2000.
MAESTRI, Mário. Marcus Garbvey. A Terra é Redonda, 21/09/2024. https://aterraeredonda.com.br/marcus-garvey/
MAESTRI, Mário. Booker T. Washington. A Terra é Redonda, 12/07/2024. https://aterraeredonda.com.br/booker-t-washington/
MALCOLM X, Una autobiografía contada por Alex Haley. Madrid: Capitan Swing, 1964.
MUHAMMAD, Elijah. Message to the Blackman in America. [1965] Phoenix: MEMPS, 1973.
MUHAMMAD, Elijah. How to Eat to Live. II. Newark: Nation of Islam, 1960.
MUHAMMAD, Elijah. The Future Master Fard Muhammad. Newark: Nation of Islam, 2013.
MUHAMMAD, Elijah. The fall of America. Newark: Nation of Islam, 1973.
SAHIB, Hatim A. (1995) The Nation of Islam, Contributions in Black Studies: Vol. 13 , Article 3. https://scholarworks.umass.edu/cibs/vol13/iss1/3
[THRD] The Historical Research Department. The Nation of Islam. The Secret Relationship Between Blacks & Jews. 1. 1991. S.L.: Latimer Associates, 2015.
Nota
[1] Agradecemos a leitura da linguista Florence Carboni.
A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA