A ofensiva militar em Gaza

Área de Gaza bombardeada / Reprodução Telegram
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Por SAMUEL KILSZTAJN*

A grande maioria dos 13 milhões de judeus da diáspora apoia a ofensiva militar a Gaza e o embaralhamento proposital de antissemitismo e antissionismo para condenar quem discorde de Israel

De janeiro a 7 de outubro de 2023, haviam sido postados oito artigos sobre o Oriente Médio no site A Terra é Redonda; desde então, até 3 de março de 2024, já foram postados outros 173 artigos sobre o tema. E o Brasil, a partir do posicionamento do Presidente Lula em 18 de fevereiro deste ano, ganhou destaque na mídia internacional.

Apesar do Plano de Partição para a criação de um estado árabe e um estado judeu na Palestina ter sido aprovado pela Organização das Nações Unidas em 1947, o Estado árabe da Palestina mantém-se reduzido a Estado observador, enquanto o Estado judeu de Israel é estado-membro desde 1949. Em 1º. de fevereiro de 2024, The New York Times Magazine, reunindo historiadores palestinos e israelenses, publicou um painel sobre o conflito que tomou conta da região após a aprovação do plano da ONU. Vamos nos ater aqui a dois casos emblemáticos não citados no painel, Jaffa e Tantura.

De acordo com o plano da ONU, a milenar Jaffa, de maioria árabe, seria um enclave do Estado árabe dentro do Estado judeu na Palestina. Para evitar a formação do enclave, mesmo antes da declaração de independência do Estado de Israel em 14 de maio de 1948, as organizações militares Irgum e Haganah se apressaram em jogar 45 mil árabes de Jaffa ao mar, que ancoraram no Líbano.

Tantura, uma aldeia ao sul de Haifa com mais de mil habitantes, foi invadida e arrasada pela Haganah logo após a declaração de independência do Estado de Israel, que ironicamente garantia direitos iguais a judeus e não judeus. Em 1998, a dissertação de mestrado O êxodo dos árabes das aldeias ao pé do Monte Carmel do Sul foi apresentada por Theodore Katz e aprovada com nota 97 pela Universidade de Haifa. Em 2000, a divulgação da pesquisa pelo jornal Ma’ariv levou Theodore Katz aos tribunais israelenses e ao banimento da dissertação de todas as bibliotecas do país.

Em 2022, Alon Schwarz lançou o filme Tantura, em que entrevista israelenses e palestinos que deram os depoimentos originais que serviram de base à dissertação de Theodore Katz. Há entrevistados israelenses que declaram que houve massacre de palestinos em 1948 e outros que o negam. O mais trágico no filme de Alon Schwarz é que os entrevistados que negam o massacre o fazem de maneira debochada, contradizendo-se e ostentando imunidade e impunidade decorrentes de poder absoluto. A cineasta palestina Mai Masri comentou que o que aconteceu em Tantura está hoje sendo repetido em Gaza, só que em escala massiva. Em seu filme Fronteiras de sonhos e medos, Mai Masri enaltece a sensibilidade e humanidade do povo palestino, mesmo forçado a viver em condições deploráveis há mais de sete décadas. A desumanização dos palestinos por parte dos israelenses tem um fim certo: justifica e facilita o seu extermínio – astronautas armados até os dentes enfrentando crianças armadas com pedras e fundas de arremesso.

Até 7 de outubro de 2023, metade dos israelenses posicionava-se contra a submissão do judiciário ao parlamento proposta pelo primeiro-ministro e as ruas eram ocupadas por centenas de milhares de ruidosos manifestantes. Hoje, apesar das manifestações dos familiares dos israelenses que continuam reféns do Hamas, os sete milhões de israelenses encontram-se unidos na ofensiva militar a Gaza. Com exceção de um restrito e marginalizado grupo de judeus organizados em instituições antissionistas, a grande maioria dos 13 milhões de judeus da diáspora também apoia a ofensiva militar a Gaza.

Até 7 de outubro de 2023 existiam judeus (e não judeus) sionistas de direita, sionistas de esquerda, não sionistas e antissionistas. A partir de 7 de outubro de 2023, a categoria não sionista foi sendo paulatinamente extinta. Judeus de esquerda, até então não sionistas, passaram a defender o Estado de Israel e associar antissionismo a antissemitismo – com algumas exceções, que se sentiram impelidas, por princípios, a engrossar o antissionismo.

A Confederação Israelita do Brasil – CONIB, que já estava empenhada em silenciar Breno Altman, que além de antissionista é judeu, tem agora à frente um alvo muito maior, o presidente do país. Referências a genocídio e ao Holocausto, que são largamente utilizadas pelos sionistas para justificar a ofensiva militar a Gaza, são condenadas como antissemitismo e sacrilégio quando utilizadas por parte de militantes antissionistas ou por qualquer pessoa que discorde da ofensiva israelense.

Os militantes judeus antissionistas, por sua vez, consideram-se herdeiros dos valores humanistas, pacifistas, internacionalistas e racionalistas desenvolvidos durante a diáspora judaica, recriminando o racismo, militarismo, nacionalismo e a dissonância cognitiva. Lembram saudosos a milenar fraternidade que unia muçulmanos e judeus nos países do norte da África e no Oriente Médio, até o advento do moderno sionismo político no início do século XX (quando os judeus representavam apenas 8% da população palestina). Consideram também que apoiar a atuação do governo de Israel fomenta o antissemitismo.

Os judeus, vítimas do antissemitismo milenar cristão, estão hoje, por iniciativa própria e amparados pelos governos dos países ocidentais, no centro das tensões, em um mundo conturbado na disputa pela hegemonia internacional entre o ocidente “civilizado” (OTAN) e a “barbárie” oriental (China/Rússia/Islã).

* Samuel Kilsztajn é professor titular em economia política da PUC-SP. Autor, entre outros livros, de Jaffa amz.run/7C8V.


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