A propósito de Leon Hirszman

Alberto da Veiga Guignard, Natureza-Morta, 1933. Reprodução fotográfica Vicente de Mello.
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Por WALNICE NOGUEIRA GALVÃO*

Comentário sobre a obra do cineasta

Acabo de receber e de ler, com muito proveito, Por um cinema popular Leon Hirszman, política e resistência, de Reinaldo Cardenuto, publicado pela Ateliê. Uma beleza de trabalho, dando a devida importância a esse cineasta da linha de frente do Cinema Novo e do Centro Popular de Cultura (CPC), cuja morte precoce veio ceifar um projeto estético e político de envergadura.

Nos filmes que realizou, 5 longas e 11 curtas, dá para ver que estava sempre em busca de algo – o que o título do livro já implica. E isso desde os primeiros, entre eles Imagens do inconsciente, em que foi registrar a obra da Dra. Nise da Silveira em hospício no Rio que acolhia os mais destituídos. A psiquiatra aboliu práticas brutais como o eletrochoque e a lobotomia, tratando os doentes mentais pela arte, criando o Museu e vindo a revelar Artur Bispo do Rosário.

Ou então Nelson Cavaquinho, onde o cineasta assesta a câmera sobre um sambista exemplar. Ou ainda o ABC da greve, no qual cuida de ir ao encontro da nova classe operária que então surgia, os metalúrgicos do ABC. Como grande filme de ficção, faria São Bernardo, com base no romance de Graciliano Ramos. O sucesso nacional e internacional chegaria com Eles não usam black-tie (1981), sobre uma greve, afinal derrotada, de trabalhadores. Prêmios por toda parte, inclusive o Leão de Ouro em Veneza. A este filme, e à polêmica que suscitou no seio da esquerda, inclusive as querelas partidárias, o livro dedica sua maior porção. O nunca desmentido apego de Leon ao povo aparece com clareza em Deixa que eu falo (2007), documentário que Eduardo Escorel, seu montador em três filmes, lhe dedicou.

Brinda-se ainda o leitor com o roteiro literário reconstituído de Que país é este?, documentário encomendado pela RAI – RádioTV Italiana, hoje desaparecido. Vale a pena ventilar um pouco as circunstâncias em que Leon veio do Rio de Janeiro a São Paulo, para me entrevistar. De nem tudo me lembro, mas parece que veio na esteira de Ruy Guerra, com quem eu colaborara, quando pedira os materiais de No calor da hora para o roteiro de um filme sobre Euclides da Cunha e a Guerra de Canudos.

Vargas Llosa estava apalavrado com Ruy Guerra, mas acabaria por retirar desses materiais um romance e desistiria de escrever o roteiro. E o projeto coletivo nunca se concretizou. Leopoldo M. Bernucci, em História de un malentendido, rastreia cada passo do romance até os materiais de origem. Soavam cômicas as declarações bombásticas de Vargas Llosa sobre os anos que consumira na Biblioteca do Congresso em Washington, pesquisando… Os envolvidos na rasteira morriam de rir. Ruy Guerra acha mais cômico ainda quando o escritor, que nunca ouvira falar nem em Euclides nem em Canudos, declara o quanto era um fã desde a juventude. Quem conta a história desse malogro é a alentada biografia de Ruy Guerra, escrita por Vavy Pacheco Borges.

Avessa a entrevistas, disse a Leon que, ao contrário, queria propor outras pessoas, quando até então, numa perspectiva bem carioca, ele só tinha convocado Maria da Conceição Tavares e Fernando Henrique Cardoso. Ele ouviu meus argumentos, discutiu pouco e acabou por concordar. É claro que selecionei cuidadosamente quem iria depor sobre o Brasil horrendo em que vivíamos em 1976. Estando Antonio Candido indisponível, pedi pessoalmente a estes três colegas da USP, da oposição à ditadura, que dessem entrevistas: Alfredo Bosi, Fernando Novais e Sergio Buarque de Holanda.

Servi de motorista levando Leon e equipe para fazer as filmagens, na casa de cada um deles. O impacto dos entrevistados sobre ele era visível. A surpresa de Leon foi sobretudo por topar com gente séria e não com intelectuais midiáticos, dispostos a referendar os donos do poder e das emissoras de TV. O filme se resumiu a esses cinco entrevistados

O documentário não mais existe, nem sequer nos arquivos da RAI, mas o livro traz bons resumos. Leon comenta que a RAI nunca exibiu o filme alegando que não era turístico… De fato, posso garantir que não era mesmo. Nenhum trabalho de Leon era.

*Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH da USP. Autora, entre outros livros, de Lendo e relendo (Senac/Ouro sobre azul).

Publicado originalmente no Jornal GGN.

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