A retomada social no Brasil

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Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*

A desigualdade de renda e riqueza é insuperável, porém, a desigualdade educacional pode ser amainada com nivelamento por cima, diminuindo a primeira

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida composta para avaliar o desenvolvimento de um país em três itens principais: saúde (expectativa de vida ao nascer), educação (anos médios de estudo e expectativa de anos de escolaridade) e renda (Produto Interno Bruto per capita).

A qualidade e o acesso à educação são cruciais porque mudam o contexto de maneira irreversível para o desenvolvimento humano. Investimentos em infraestrutura escolar, formação de professores e políticas de inclusão elevam o nível educacional da população. “Capital humano” é a capacidade pessoal de ganho.

O acesso a serviços de saúde de qualidade impacta diretamente a expectativa de vida e o bem-estar geral. Programas de saúde pública, saneamento básico e campanhas de vacinação são exemplos de iniciativas capazes de melhorar os indicadores de saúde.

O nível de renda influencia o acesso a bens e serviços essenciais. Políticas de geração de emprego, aumento do salário-mínimo e redução das desigualdades sociais contribuem para a elevação da renda média da população.

O IDH do Brasil tem evoluído, lento e gradualmente, ao longo das décadas, refletindo os impactos das políticas econômicas e sociais em diferentes períodos. Durante o regime militar (1964-1985), o Brasil apresentou um crescimento econômico propagandeado como de “milagre econômico”, mas com concentração de renda e aumento das desigualdades sociais. Em 1970, em pleno “milagre”, o IDH do Brasil era 0,462, considerado “muito baixo”, semelhante ao IDH atual da Guiné, na África Ocidental.

Com a redemocratização, houve maior foco em políticas sociais, resultando em melhorias graduais no IDH. Mas a Era neoliberal (1990-2002) foi demarcado por reformas econômicas com prioridade absoluta na estabilização inflacionária e a abertura de mercado à globalização. Embora tenha obtido relativo controle da inflação, o crescimento da renda foi baixo e as políticas neoliberais trouxeram também como consequência o incremento da desigualdade social, da violência urbana, do aumento da pobreza e da precarização do trabalho.

No século XXI, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil teve um aumento entre 2003 e 2022, apesar de sofrer quedas em 2015, 2020 e 2021 por efeito das depressões econômicas. A pandemia de COVID-19 e o consequente distanciamento social, em 2020 e 2021, contribuíram para a queda do IDH, inclusive pela queda da expectativa de vida com o negacionismo do presidente militar de extrema-direita e a inoperância da política econômica do neoliberalismo.

O IDH varia de 0 a 1: quanto mais próximo de 1, maior é desenvolvimento humano do país. Ele é divulgado pelo PNUD em seu relatório anual.

Em 2019, o IDH do Brasil foi de 0,765, mas com o governo de um sujeito desqualificado para o cargo o país caiu duas posições no ranking internacional. Em 2020, o IDH do Brasil despencou para 0,758 e, em 2021, mais ainda: 0,754.

No entanto, em 2022, o populismo de direita resolveu retomar a política social por razão eleitoreira – e o IDH do Brasil retomou 0,760 na categoria de “alto desenvolvimento humano”.  Entre 1990 e 2022, o IDH do Brasil cresceu 22,6%.

Apesar disso, o Brasil caiu duas posições no ranking global da organização da ONU, passando da 87ª para a 89ª posição, entre 193 nações. Pior: o Brasil é o nono mais desigual do mundo na distribuição de renda, segundo o PNUD.

Houve uma redução de verbas das políticas sociais no Brasil até 2022. O resultado do desmonte das políticas públicas no Brasil, desde o golpe de 2016 até 2022, foi a piora das condições de vida da população brasileira. Isto se refletiu no IDH.

No entanto, dados os avanços com o social-desenvolvimentismo e os retrocessos com o neoliberalismo populista de direita, é necessário não focar apenas nas oscilações conjunturais econômicas ou contextuais políticas e avaliar o desempenho em longo prazo. Há uma tendência histórica capaz de melhorar as condições de vida da maioria da população brasileira?

Sim, quanto à variável fundamental da educação. O Censo Demográfico 2022 demonstra a evolução do nível de instrução da população. Em 2022, entre a população brasileira com 25 anos ou mais de idade, 35,2% possuíam o nível de instrução “sem instrução e fundamental incompleto”, 14% o nível “fundamental completo e médio incompleto”, 32,3% o nível “médio completo e superior incompleto” e 18,4% o nível “superior completo”. É relativamente baixo no mundo.

Porém, a comparação com censos demográficos anteriores mostra uma evolução bastante relevante desses indicadores. Em 2000, início do século XXI, 63,2% da população brasileira de 25 anos ou mais possuíam o nível “sem instrução e fundamental incompleto” e apenas 6,8% haviam concluído ensino superior – proporção quase três vezes inferior à verificada em 2022.

A elevação do nível de instrução da população entre as operações censitárias de 2000 e 2022 ocorreu em todas as grandes regiões e em todas as unidades da Federação. Em 2022, a maior proporção da população de 25 anos ou mais com nível superior completo era a região Centro-Oeste (21,8%), por causa do Distrito Federal com 37% (larga vantagem em relação à UF segunda colocada, São Paulo, com 23,3%), e a menor era a região Nordeste (13%).

Em 2000, a proporção da população branca com 25 anos ou mais com nível superior (9,9%) era mais de quatro vezes superior ao verificado na população de cor ou raça parda (2,4%) e preta (2,1%). Em 22 anos, essas proporções se elevaram 15,9 pontos percentuais para as pessoas de cor ou raça branca, 9,9 pontos percentuais para as pessoas de cor ou raça preta ou parda e 9,6 pontos percentuais para as pessoas de cor ou raça preta. Os múltiplos baixaram para o dobro.

Entre a população residente no Brasil com 25 anos ou mais, as mulheres apresentam uma média de anos de estudo (9,8 anos) superior à verificada entre os homens (9,3 anos). A diferença da média de anos de estudos em favor das mulheres é mais ampla entre a população de até 49 anos, declinando nas faixas etárias mais velhas.

Na população com 80 anos ou mais, os homens chegam a apresentar uma média de anos de estudo (4,9 anos) ligeiramente superior à verificada entre as mulheres (4,8 anos). Graças ao feminismo e à inserção das mulheres no mercado de trabalho, houve essa notável alteração educacional por gêneros e idade.

Entre as 10 áreas gerais na classificação das profissões, a área geral mais comum entre as pessoas com curso de graduação concluído foi a área de “Negócios, administração e direito”. O Censo 2022 identificou 8.408.722 pessoas com curso de graduação concluído nessa área geral: quase 1/3 do total. Na sequência, aparecem as áreas gerais de “Saúde e bem-estar” (4.146.840 pessoas), “Educação” (3.601.124 pessoas), “Engenharia, produção e construção” (2.371.066 pessoas), “Artes e humanidades” (1.921.753 pessoas), “Ciências sociais, comunicação e informação” (1.754.239 pessoas), “Ciências naturais, matemática e estatística” (960.347 pessoas), Computação e Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) (817.628 pessoas), “Agricultura, silvicultura, pesca e veterinária” (536.708 pessoas). A área geral com o menor número de pessoas com curso de graduação concluído foi da “Serviços” (499.370 pessoas).

Onde trabalham esses 23,5 milhões profissionais com educação superior na vida ativa (9% dos graduados têm acima de 65 anos)? Os resultados preliminares do Censo 2022 ainda não informa, mas podemos levantar a hipótese, por meio dos dados da PNADC-jan 2025 sobre o rendimento médio mensal real habitual das pessoas ocupadas, elas se encontrarem principalmente entre os 3,5 milhões empregadores com CNPJ (R$ 8.917), os 8 milhões de militares e funcionários públicos estatutários (R$ 5.973) e em especial entre os 6,8 milhões trabalhadores por conta própria “pejotizados”, isto é, com CNPJ (R$ 4.689).

Em 2024, o rendimento real habitual dos trabalhadores com ensino superior completo era de R$ 6.619 segundo o IBRE-FGV. Para professores da rede pública com licenciatura, o piso salarial nacional inicial é R$ 2.900. Na rede privada, salário para professores varia entre R$ 2.500 e R$ 5.000, dependendo da instituição e da região. Professores universitários em instituições públicas, com títulos de mestrado ou doutorado, alcançam remunerações acima de R$ 13.000. Depende de diversos fatores como área de atuação, experiência e localização geográfica.

Segundo a RAIS 2023, referente ao mercado de trabalho formal, de acordo com grau de instrução, as remunerações médias eram fundamental completo r$ 2.650,00, médio completo r$ 2.791,24, e superior completo R$ 8.144,25.

Nos grupamentos de atividades econômicas, destacavam-se as remunerações médias nas Indústrias Extrativas (entre as quais Petrobras e Vale) de R$ 8.961 e Eletricidade e Gás (concessionárias com exigência de conhecimento técnico) R$ 9.570, nas Atividades Financeiras e de Seguros R$ 9.023, Organismos Internacionais e Extraterritoriais R$ 8.733, Informação e Comunicação R$ 6.415, Administração Pública, Defesa e Seguridade Social R$ 6.053.

A desigualdade de renda e riqueza é insuperável, porém, a desigualdade educacional pode ser amainada com nivelamento por cima. Diminuirá aquela.

*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP). [https://amzn.to/4dvKtBb]


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