Por SAMUEL KILSZTAJN*
A violência dos sionistas começou com o moderno sionismo político, na passagem dos séculos XIX ao XX
A violência dos sionistas em relação aos palestinos não começou em 7 de outubro de 2023, não começou com a direita e o Benjamin Netanyahu no poder, não começou em 1967, não começou em 1947-8, não começou em 1933 e não começou em 1920. A violência dos sionistas começou com o moderno sionismo político, na passagem dos séculos XIX ao XX.
Em O Estado judeu, Theodor Herzl escreveu que, para a Europa, os judeus na Palestina constituiriam uma fortaleza contra a Ásia, um posto avançado da civilização contra a barbárie. E os sionistas estão cumprindo este papel com arrojada eficiência. Este é o motivo para os países ocidentais estarem sempre apoiando o terrorista Estado de Israel.
O moderno sionismo político
No final do século XIX, em decorrência da onda de pogroms no Leste Europeu e do Caso Dreyfus na França, Theodor Herzl, o fundador do moderno sionismo político, se empenhou na criação de um Estado Judeu na Palestina, então sob o domínio do Império Otomano. Theodor Herzl considerava que o antissemitismo, manifesto ou latente, estava arraigado à cultura europeia cristã; e que os judeus eram odiados tanto pelos seus defeitos como pelas suas qualidades.
Apesar da emancipação dos judeus, de seu desempenho como leais patriotas e de sua contribuição para o desenvolvimento da ciência e das artes no seio de cada uma das nações europeias, os judeus continuariam sempre sendo tratados como estrangeiros, desprezados e perseguidos. Em O Estado judeu, Theodor Herzl escreveu que, para a Europa, os judeus na Palestina constituiriam uma fortaleza contra a Ásia, um posto avançado da civilização contra a barbárie.
Contudo, apesar do moderno sionismo político, a imigração para a Palestina era muito pouco expressiva até a ascensão dos nazistas ao poder na Alemanha em 1933. Parte significativa dos judeus europeus aderira ao ideário socialista; e parte significativa imigrava para a Europa Ocidental e, mais propriamente, para os Estados Unidos. Jerusalém, para a grande maioria dos judeus, permanecia sendo a Jerusalém celeste, espiritual, messiânica, a terra prometida, o paraíso.
O Mandato Britânico e a ascensão dos nazistas ao poder
Durante a Primeira Guerra Mundial, a Inglaterra havia prometido a Palestina tanto para os árabes como para os judeus. Em 1917, através de uma declaração de seu secretário para Assuntos Estrangeiros, Arthur Balfour, o Reino Unido se comprometeu a apoiar o estabelecimento de um lar nacional judeu na Palestina, o posto avançado da civilização contra a barbárie. Em 1920, a Liga das Nações estabeleceu o Mandato Britânico da Palestina, que compreendia a Palestina (27 mil km2) e o Emirado da Transjordânia (89 mil km2). Na ocasião, a população da Palestina propriamente dita era composta de 80% de muçulmanos, 11% de cristãos e 9% de judeus. Sob a administração da Inglaterra, tiveram início os primeiros conflitos entre árabes e judeus. E assim foi inaugurado o “antissemitimo” dos muçulmanos, que até então viviam em harmonia com os judeus.
A imigração de judeus para a Palestina aumentou significativamente com a ascensão dos nazistas ao poder em 1933 e principalmente em 1935, com as Leis de Nuremberg (deve-se também levar em consideração que os Estados Unidos haviam restringido a imigração em meados dos anos 1920). Entre 1933 e 1939, quase 300 mil judeus imigraram para a Palestina, triplicando o número de judeus na Terra Prometida.
A partição da Palestina
O moderno sionismo político e os esforços para a criação de um Estado Judeu em território palestino ganharam nova dimensão após o Holocausto da Segunda Guerra Mundial, como uma alternativa para o assentamento dos judeus sobreviventes ameaçados de serem exterminados em suas pátrias perdidas.
Com a independência da Transjordânia em 1946, o Mandato Britânico passou a se restringir à Palestina. Dada a dificuldade de administrar a imigração judaica na Palestina, o Reino Unido anunciou, no início de 1947, sua intenção de renunciar ao mandato e entregar a Palestina para a administração das Nações Unidas.
Os países membros das Nações Unidas, não querendo absorver os sobreviventes judeus, aprovaram o Plano de partição da Palestina em 29 de novembro de 1947, apesar dos protestos dos palestinos e dos países árabes. E, assim, foi criado o posto avançado da civilização contra a barbárie.
Por ocasião da criação do Estado de Israel em maio de 1948, 650 mil judeus e 1,3 milhão de árabes muçulmanos viviam na Palestina. O território que veio a constituir efetivamente o Estado de Israel (21 mil km2, 35% maior que o designado pelo Plano de Partição das Nações Unidas) abrigava 900 mil palestinos; e a Cisjordânia e Gaza (6 mil km2) abrigavam os demais 400 mil palestinos.
Enquanto os israelenses assinavam a Declaração de Independência garantindo igualdade de direitos a judeus e não judeus, cerca de 700 mil palestinos foram expulsos do território ocupado por Israel ou fugiram da zona de combate, para a sua proteção. Os palestinos, que habitavam a região há séculos, não puderam retornar a Israel, tiveram suas propriedades tomadas e expropriadas e foram alojados em Campos de Refugiados na Cisjordânia (administrada pela Jordânia), na Faixa de Gaza (administrada pelo Egito) e nas fronteiras com o Líbano e a Síria.
A expulsão e fuga destes 700 mil palestinos de Israel para os Campos de refugiados garantiram uma maioria judia em Israel, que contava com 650 mil judeus quando o Estado foi criado e passou a contar tão-somente com 200 mil palestinos que foram autorizados a permanecer dentro de suas fronteiras. E, assim, os judeus, que constituíam uma pequena minoria no início do século, passaram o título de minoria para os palestinos.
A ocupação da Cisjordânia e da Faixa de Gaza
A guerra de 1967, a ocupação e os primeiros assentamentos de judeus na Cisjordânia e em Gaza ocorreram durante os governos trabalhistas “de esquerda”, muito antes da direita e de Benjamin Netanyahu ascenderem ao poder. Até 7 de outubro de 2023, os israelenses, assim como os judeus da diáspora, estavam divididos entre sionistas de direita e sionistas de esquerda. Hoje, a grande maioria dos israelenses e dos judeus da diáspora estão umbilicalmente unidos.
Benjamin Netanyahu compara o Hamas aos nazistas. Em sua narrativa, Benjamin Netanyahu esclarece que, depois de derrotar o nazismo, os aliados tomaram a Alemanha para desnazificá-la pela raiz. Israel vai fazer o mesmo, vai ocupar Gaza e não vai entregá-la à OLP (que também é contra o Estado de Israel); Gaza vai ser administrada por algum poder que vai deshamasnizá-la pela raiz. Dá até para adivinhar o próximo passo na agenda de Benjamin Netanyahu, Israel vai ocupar a Cisjordânia, que também será administrada por algum poder que vai desopelezá-la pela raiz.
O posto avançado da civilização contra a barbárie
Embora haja associações de judeus antissionistas, tanto os israelenses como os judeus da diáspora, em sua grande maioria, são sionistas de direita ou “de esquerda”, defendem a existência do Estado de Israel e negam o direito ao retorno dos palestinos às suas casas e cidades. E, com o apoio do mundo ocidental “civilizado”, os israelenses, em seu cotidiano, violentam e desumanizam os “bárbaros” palestinos, de modo a justificar o seu extermínio.
Entre as manifestações palestinas contra o genocídio palestino, uma das mais poderosas, por décadas, tem sido o trabalho da cineasta Mai Masri, que enaltece a sensibilidade e humanidade do povo palestino, mesmo forçado a viver em condições deploráveis há mais de sete décadas.
Cresce atualmente em todo o mundo, principalmente entre jovens judeus e não judeus, os protestos contra o genocídio palestino. Apesar dos sionistas se empenharem em qualificar os antissionitas de antissemitas, entre as muitas organizações de judeus antissionistas, encontram-se os judeus ortodoxos Satmar e os Neturei Karta. O símbolo dos Neturei Karta é o mapa da Palestina com as cores da bandeira palestina do rio ao mar, à esquerda, e a bandeira de Israel cortada por um X à direita. Seria possível identificar esses judeus ortodoxos antissionistas como judeus antissemitas?
*Samuel Kilsztajn é professor titular em economia política da PUC-SP. Autor, entre outros livros, de Returnees.
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