Por LISZT VIEIRA*
O temor de importar desmatamento e produtos com agrotóxicos proibidos une os camponeses franceses contra o acordo, visto como economicamente injusto e ambientalmente hipócrita
1.
Não encontrei em nossa mídia comercial ou alternativa uma explicação razoável da rejeição desse acordo pelos agricultores franceses. Parece que não querem divulgar o ponto de vista dos produtores agrícolas na França.
Os agricultores franceses se opõem ao acordo entre a União Europeia e o Mercosul principalmente por razões econômicas, ambientais e sociais. Alegam concorrência desleal. Temem a entrada em grande escala de produtos do Mercosul a preços mais baixos, como carne bovina, frango, açúcar, etanol e soja.
Isso acontece porque os custos de produção no Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai são menores e a legislação trabalhista, sanitária e ambiental é menos rigorosa do que na União Europeia. Isso levaria à queda de preços no mercado europeu e redução da renda agrícola, num setor que já vive dificuldades crônicas.
Dizer menos rigorosa é um eufemismo. É sabido que o Brasil envenena sua produção agrícola com agrotóxicos proibidos na Europa. Mas o governo Lula e os partidos que o apoiam ainda não descobriram que agrotóxico é nocivo à saúde. E a direita lambe as botas do agronegócio.
Os agricultores europeus precisam cumprir normas rígidas sobre uso de agrotóxicos, bem-estar animal, rastreabilidade e proteção ambiental e muitos desses padrões não são exigidos no Mercosul. Os camponeses dizem: “Somos obrigados a produzir caro e limpo, enquanto importamos produtos feitos com regras mais flexíveis”.
2.
Os sindicatos agrícolas afirmam que o acordo incentiva a expansão da pecuária e da soja no Mercosul, contribui indiretamente para o desmatamento e contradiz os compromissos climáticos europeus. Daí o slogan frequente nos protestos: “Não queremos importar desmatamento”.
O acordo é rejeitado por todo o setor agrícola que já enfrenta endividamento elevado, envelhecimento dos agricultores, fechamento de pequenas propriedades e pressão de supermercados por preços baixos. Muitos camponeses sentem que estão sendo sacrificados em nome do livre-comércio, enquanto a indústria e os serviços seriam os verdadeiros beneficiados. O número de estabelecimentos agrícolas na França baixou de 1,4 milhões em 1980 para 416 mil atualmente.
A França valoriza fortemente a agricultura como parte da sua identidade nacional. Assim, essa oposição não é só dos sindicatos agrícolas: os partidos de esquerda, ambientalistas e setores da direita também criticam o acordo. E vários governos franceses, de diferentes tendências políticas, já expressaram reservas ou bloqueios.
Assim, os camponeses franceses são contra o acordo União Europeia-Mercosul porque o consideram como economicamente injusto, ambientalmente contraditório e socialmente destrutivo para a agricultura familiar europeia.
*Liszt Vieira é professor de sociologia aposentado da PUC-Rio. Foi deputado (PT-RJ) e coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92. Autor, entre outros livros, de A democracia reage (Garamond). [https://amzn.to/3sQ7Qn3]
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