Alternativas ao fascismo neoliberal

Imagem: ColeraAlegria
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por JORGE BRANCO*

Os movimentos de contestação ao neofascismo e ao neoliberalismo, ainda que derrotados episodicamente, se tornaram referência para uma disposição de construir um movimento de contra fluxo

Em 4 de setembro de 2020 registrou-se os 50 anos da vitória de Salvador Allende nas eleições presidenciais do Chile de 1970. Esta vitória foi confirmada, em segundo turno, no dia 24 de outubro do mesmo ano. Pela primeira vez na América Latina, um candidato e um programa de esquerda foram eleitos pelo voto da população. Esse processo somente viria a se repetir no Continente décadas depois, já no século XXI, com as vitórias de alguns candidatos populares e progressistas como Lula em 2002.

Três anos depois da eleição, em 11 de setembro de 1973, um golpe liderado por um facínora e corrupto derrubou o governo da Unidade Popular e assassinou Salvador Allende em plena sede do governo, o Palácio La Moneda.

Passados estas cinco décadas o protagonista do golpe, General Augusto Pinochet, tem sua memória guardada dentro de um saco preto no mundo da memória conhecido como a “lata de lixo da história”, muito bem sistematizada e representada por Roberto Schwarz. Nesta lata, a memória de Pinochet habita perpetuamente com as memórias sobre outros genocidas, torturadores, corruptos e facínoras.

Ao contrário, Allende, morto como indivíduo, vive como símbolo da boa esperança na memória das ideias generosas de liberdade, democracia e igualdade. Allende, ao ser assassinado por ordem de Pinochet, assim como sentenciou sobre si Getúlio Vargas em sua “Carta Testamento”, deixou a vida para entrar na história. Pinochet e os seus não imaginavam que aquelas bombas em La Moneda, naquele 1973, retiraram Allende da vida para colocar-lhe na história.

Esse é um dilema que persegue a humanidade, em especial a humanidade moderna. Um dilema que abstratamente parece simples de dissolver, mas que nas relações duras da economia, da guerra, da ética, da política e das utopias demonstra-se complexo e tortuoso. Tão tortuoso que, em não raros casos, as elites abdicam do caminho virtuoso do progresso civilizatório para escolherem o caminho da imposição da segregação, da exploração, da violência, da hierarquia e da desigualdade. Foi assim, neste processo político, que se fizeram o nazifascismo na Europa, o colonialismo sobre a África, as ditaduras sobre a América Latina.

O Brasil está imerso nesse dilema desde a ascensão do reacionarismo que levou à vitória de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018. Esta vitória organizou o bloco reacionário que restaurou uma política de segregação racial, de exploração do trabalho, do ódio como conteúdo. Uma simbiose entre o neoliberalismo radicalizado e autoritário com um neofascismo restaurador do atraso.

Esta emergência da extrema direita e do neoliberalismo não se fez sem contestação, porém. A vitória de Bolsonaro nas eleições deu sobrevida à hierarquia do Século XX no Brasil mas a defesa de um país democrático existe, se organiza, resiste.

Todos esses movimentos de contestação ao neofascismo e ao neoliberalismo, ainda que derrotados episodicamente, se tornaram referência para uma disposição de construir um movimento de contra fluxo. O movimento contra o golpe do impeachment de Dilma, o “ele não” – movimento das mulheres de contestação a Bolsonaro durante as eleições -, o desmascaramento da armação realizada pela “Lava Jato”; se pareceram ser murros em ponta de faca em algum momento, hoje se mostram episódios de um processo maior e continuado de construção possível de um reviravolta no país.

Estas eleições municipais começam a dar indícios que poderão se tornar mais um episódio deste tortuoso dilema. Se apresentarão as candidaturas ancoradas no bolsonarismo e, com eles, a defesa dos valores mais autoritários e reacionários que não poderíamos imaginar estivessem vivos neste século, como a discriminação racial, a coisificação da mulher, a hiper exploração do trabalhador, a desdemocratização e a guerra de todos contra todos em um individualismo radicalizado onde o vitorioso já está estabelecido, os muito ricos do capital rentista. De outro, começam a se erguer candidaturas antifascistas e antineoliberais com força e respondendo às melhores conquistas realizadas neste país desde a derrota do Regime Autoritário de 1964.

O dilema está posto portanto. Como expressão da dominação e da hegemonia neoliberal, grandes parcelas dos trabalhadores pobres do país ainda são a base de sustentação das explicações conservadores e retrógradas, negacionista, anti-iluminista. A constância e a existência de alternativas, entretanto, pode fazer erodir esta sustentação.

As candidaturas de esquerda, democráticas e civilizatórias, que se apresentam em especial nas capitais tem um grande papel a cumprir. Estas alternativas permitirão contrapor projetos, entre o passado e o futuro. Entre a afirmação da sociedade hierarquizada e autoritária e o ideário igualitarista.

A contestação social demonstra que o axioma neoliberal do fim da história não passa de desejo, de propaganda ideológica. A história está em curso. Alguns de seus protagonistas estarão ao lado de Allende, outros no mesmo lugar de Pinochet.

*Jorge Branco é doutorando em Ciência Política pela UFRGS.

 

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • O que significa dialética do esclarecimento?cultura maleta 19/09/2024 Por GILLIAN ROSE: Considerações sobre o livro de Max Horkheimer e Theodor Adorno
  • Armando de Freitas Filho (1940-2024)armando de freitas filho 27/09/2024 Por MARCOS SISCAR: Em homenagem ao poeta falecido ontem, republicamos a resenha do seu livro “Lar,”
  • Pablo Marçal na mente de um jovem negroMente 04/10/2024 Por SERGIO GODOY: Crônica de uma corrida de Uber
  • Coach — política neofascista e traumaturgiaTales-Ab 01/10/2024 Por TALES AB´SÁBER: Um povo que deseja o fascista brand new, o espírito vazio do capitalismo como golpe e como crime, e seu grande líder, a vida pública da política como sonho de um coach
  • Annie Ernaux e a fotografiaannateresa fabris 2024 04/10/2024 Por ANNATERESA FABRIS: Tal como os fotógrafos atentos ao espetáculo do cotidiano, a escritora demonstra a capacidade de lidar com aspectos da civilização de massa de maneira distanciada, mas nem por isso menos crítica
  • Mar mortocultura cão 29/09/2024 Por SOLENI BISCOUTO FRESSATO: Comentário sobre o livro de Jorge Amado
  • UERJ afunda em um Rio de crisesUERJ 29/09/2024 Por RONALD VIZZONI GARCIA: A Universidade Estadual do Rio de Janeiro é um lugar de produção acadêmica e orgulho. Contudo, ela está em perigo com lideranças que se mostram pequenas diante de situações desafiadoras
  • Hassan NasrallahPORTA VELHA 01/10/2024 Por TARIQ ALI: Nasrallah entendeu Israel melhor do que a maioria. Seu sucessor terá que aprender rápido
  • Guilherme BoulosValério Arcary 02/10/2024 Por VALERIO ARCARY: A eleição em São Paulo é a “mãe” de todas as batalhas. Mesmo se perder em quase todas as capitais fora do Nordeste, se a esquerda ganhar em São Paulo equilibra o desfecho do balanço eleitoral
  • Direito dos trabalhadores ou lutas identitárias?Elenira Vilela 2024 30/09/2024 Por ELENIRA VILELA: Se ontem dizíamos “Socialismo ou barbárie”, hoje dizemos “Socialismo ou extinção” e esse socialismo contempla em si o fim de toda forma de opressão

PESQUISAR

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES