As ideias precisam circular. Ajude A Terra é Redonda a seguir fazendo isso.

A longevidade de Spartacus

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por WALNICE NOGUEIRA GALVÃO*

Do livro Spartacus de Howard Fast ao filme dirigido por Stanley Kubrick e estrelado por Kirk Douglas

Para quem viveu há dois mil anos e deixou como rastro apenas fiapos de alusões em textos latinos, Spartacus, o líder de uma rara revolta de escravos na Antiguidade, dá mostras de impenitente vitalidade.

Sua merecida semantização como ícone libertário tem muito a ver com isso. Mesmo contando com o Haiti e certos levantes anticolonialistas, mais Palmares e outros quilombos, não são tantas assim as insurreições de escravos bem sucedidas em toda a história – apesar de esta ter sido aniquilada a ferro e fogo. E com o reforço de muitas crucifixões, essa sentença de morte infamante que era o suplício predileto de Roma.

Um encontro feliz deu-se entre Spartacus e um comunista tão renitente quão desabusado, o americano Howard Fast (1914-2003), ganhador do Prêmio Stalin da Paz. Basta ver o título que deu a sua autobiografia: Being red. Só abdicaria de sua fidelidade após o XX Congresso do Partido Comunista, que denunciou os crimes de Stalin, em 1956. Vítima do macarthismo no início da Guerra Fria, recusou-se a delatar companheiros e foi condenado a três meses de prisão por desacato. Ali começou a escrever a história de Spartacus, publicada por ele mesmo em 1951, pois, devido à caça às bruxas, nenhuma editora teve a hombridade de bancá-lo.

Os comportamentos indignos foram tão numerosos nessa época que Lillian Hellman daria a seu livro de memórias o título de O tempo dos patifes. Ela viveu tudo isso de dentro, pois seu companheiro Dashiel Hammett, reputado autor de romances policiais como O falcão maltês e Seara vermelha, foi um dos que recalcitraram e curtiram cadeia. Ele é o criador do detetive Sam Spade, vivido por Humphrey Bogart nas telas.

O livro Spartacus conta a biografia romanceada do escravo gladiador que desafiou o Império Romano durante muitos anos, conseguindo alastrar a insurreição e derrotando, segundo os cronistas contemporâneos, nove legiões, a partir de 71 a. C.

Howard Fast foi prolífico autor de best-sellers, sem maior expressão, mas que vendiam bastante. Sua lista de títulos é infindável, pois escreveu romances, contos, livros históricos, manuais e até policiais. Nestes, usou pseudônimos, chamando-se E. V. Cunningham em duas séries campeãs, uma com nomes de mulheres e outra com o detetive Masao Masuto, de Beverly Hills. Fez de tudo na vida e foi roteirista de mini-séries de TV.

Outro encontro feliz deu-se com Aram Khachaturian, compositor russo de origem armênia. Só mesmo na União Soviética poderia surgir um balé, belíssimo como esse, em honra do insubmisso escravo, um heroi proletário. O balé estreou em 1954, ganhou o Prêmio Lênin e teve grande sucesso, passando a figurar nos repertórios de todo o planeta. Como destaque, foi dançado entre nós pelo Bolshoi no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo. Seu adagio, linda melodia romântica que dá vida aos amores do protagonista, acabou se tornando uma canção independente, gravada por inúmeros artistas em diversos arranjos e idiomas.

Por sorte, o ator hollywoodiano Kirk Douglas apaixonou-se por Spartacus e manteve acesa a chama da saga do escravo, que levaria avante e produziria no cinema, vivendo ele mesmo o protagonista. No livro de memórias I am Spartacus, o ator conta que fez questão de contratar o roteirista Dalton Trumbo. O filme é de 1960.

Mais um encontro auspicioso deu-se com Stanley Kubrick, que mal encetava sua brilhante carreira. Um dos maiores diretores que o cinema já teve, assinou obras marcantes como Dr. Fantástico, Laranja mecânica, O iluminado,2001 – Uma odisseia no espaço, Lolita etc. O filme estourou nas bilheterias e é reprisado até a atualidade.O roteiro, como vimos, foi entregue a um célebre escritor de Hollywood, também figurando na lista negra, Dalton Trumbo, integrante do Grupo dos Dez, formado por diretores e roteiristas que se recusaram a delatar colegas. Por isso, amargou 11 meses de prisão. Escreveria uma quantidade de roteiros com nomes falsos. E ganharia um Oscar sob pseudônimo, que não pôde receber pessoalmente, é claro. Preferiu morar no México e pacientar, até ser reabilitado.

O filme recebeu quatro Oscars e vários outros prêmios, como Globo de Ouro, Bafta etc.

E assim Spartacus foi ganhando sobrevida.

*Walnice Nogueira Galvão é professora Emérita da FFLCH da USP. Autora, entre outros livros, de Lendo e relendo (Sesc\Ouro sobre Azul). [amzn.to/3ZboOZj]


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

AUTORES

TEMAS

MAIS AUTORES

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.800 autores.
Ronaldo Tadeu de Souza Francisco Fernandes Ladeira Jean Marc Von Der Weid Antônio Sales Rios Neto Mariarosaria Fabris Jorge Branco Rubens Pinto Lyra Henry Burnett Sergio Amadeu da Silveira Luiz Carlos Bresser-Pereira José Geraldo Couto Celso Frederico Ari Marcelo Solon Andrew Korybko Caio Bugiato Remy José Fontana Celso Favaretto Igor Felippe Santos Luis Felipe Miguel Fábio Konder Comparato Henri Acselrad Luiz Bernardo Pericás Atilio A. Boron Kátia Gerab Baggio Heraldo Campos Thomas Piketty Slavoj Žižek Ricardo Abramovay Jean Pierre Chauvin Gerson Almeida Dênis de Moraes Julian Rodrigues Antonio Martins Ruben Bauer Naveira Otaviano Helene José Costa Júnior Alexandre de Lima Castro Tranjan Roberto Noritomi Ronald Rocha Claudio Katz Carlos Tautz Tales Ab'Sáber Eliziário Andrade Michael Löwy Paulo Nogueira Batista Jr Eugênio Trivinho Carla Teixeira Dennis Oliveira Walnice Nogueira Galvão Tarso Genro Ladislau Dowbor Marcus Ianoni Liszt Vieira Paulo Capel Narvai Daniel Costa José Machado Moita Neto Luiz Werneck Vianna Marjorie C. Marona Vladimir Safatle Leonardo Avritzer Leonardo Boff Bento Prado Jr. Flávio R. Kothe Lucas Fiaschetti Estevez Anderson Alves Esteves Vanderlei Tenório Luís Fernando Vitagliano André Márcio Neves Soares Milton Pinheiro Everaldo de Oliveira Andrade Leda Maria Paulani Afrânio Catani Paulo Fernandes Silveira Bruno Machado Luiz Marques Francisco Pereira de Farias Marilena Chauí Eleutério F. S. Prado Juarez Guimarães Paulo Martins Tadeu Valadares Ricardo Musse Elias Jabbour João Paulo Ayub Fonseca Antonino Infranca Flávio Aguiar Luiz Renato Martins Rodrigo de Faria Osvaldo Coggiola Gabriel Cohn Marcelo Módolo Érico Andrade Alysson Leandro Mascaro João Sette Whitaker Ferreira Luciano Nascimento João Carlos Loebens Marcelo Guimarães Lima Samuel Kilsztajn Plínio de Arruda Sampaio Jr. Benicio Viero Schmidt Alexandre Aragão de Albuquerque Yuri Martins-Fontes Matheus Silveira de Souza Vinício Carrilho Martinez Luiz Augusto Estrella Faria Valério Arcary André Singer Ronald León Núñez João Carlos Salles Eleonora Albano Lincoln Secco Paulo Sérgio Pinheiro Fernando Nogueira da Costa Sandra Bitencourt Eugênio Bucci Gilberto Lopes Carlos Águedo Paiva Marilia Pacheco Fiorillo Jorge Luiz Souto Maior José Micaelson Lacerda Morais Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Annateresa Fabris Daniel Afonso da Silva Lorenzo Vitral Ricardo Fabbrini Fernão Pessoa Ramos Francisco de Oliveira Barros Júnior Maria Rita Kehl Chico Alencar Daniel Brazil Marcos Aurélio da Silva Boaventura de Sousa Santos Ricardo Antunes José Raimundo Trindade Marcos Silva Luiz Eduardo Soares Eduardo Borges João Adolfo Hansen Armando Boito Denilson Cordeiro Roberto Bueno Anselm Jappe Bernardo Ricupero Luiz Roberto Alves Alexandre de Freitas Barbosa Airton Paschoa Berenice Bento Manuel Domingos Neto Chico Whitaker Luiz Costa Lima Priscila Figueiredo Mário Maestri José Luís Fiori João Lanari Bo Manchetômetro Rafael R. Ioris João Feres Júnior José Dirceu Michael Roberts Leonardo Sacramento

NOVAS PUBLICAÇÕES