Álvaro Vieira Pinto e a educação soberana nacional

Jorge Gonzalez Araya, Menina e zebra, 2014
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Por LUIS EUSTÁQUIO SOARES*

Prefácio do livro recém-lançado de Vinícius Aguiar Caloti

O advento do ciclo trans-histórico da pequena burguesia brasileira.

O Brasil tem sido os seus ciclos econômicos, sobredeterminados pelas metrópoles ocidentais; e seus golpes de Estado. Iniciado com o ciclo da cana-de-açúcar no Nordeste, os econômicos ciclos não são um fenômeno brasileiro. São formas coloniais, capitalistas e imperialistas de acumulação primitiva de capital, onipresentes na América Latina, na África e Ásia; e são também e sobretudo formas objetivas de destituição de memórias laborais, econômicas, sociais, culturais, tornando o país dos ciclos sem passado, sem presente e seu futuro. Desalmado.

No que se refere à América Latina, o livro As veias abertas da América latina (1971), de Eduardo Galeano, é obra de leitura obrigatória, porque descreve com perplexidade o que advém após cada ciclo econômico: destruição ambiental, prostituição em decadência (o auge é o auge do ciclo), miséria, abandono, tragédias impessoais porque coletivas, de quaisquer.

No caso do Brasil, além dos ciclos econômicos houve e tem havido os ciclos de (i) transplantação institucional-cultural e (ii) os ciclos de golpe de Estado. Todos cumprem a função de interromper o continuum histórico-mnemônico, como o colonial luso, o liberal britânico e o neoliberal norte-americano, para o primeiro ponto; e os golpes de Estado de 1889, 1930, 1937,1964, 2016, como exemplos do segundo ponto, sem contar as fraudes eleitorais oligárquicas e as interrupções subterrâneas levadas a cabo pelas incessantes interferências de potências imperialistas, em aliança com setores pequeno-burgueses, latifundiários e empresariais.

A cada fim de ciclo econômico-cultural, o país se iludia que poderia começar do zero. Do ciclo da cana-de-açúcar, para o do ouro, em Minas Gerais, uma importante mutação temporal ocorreria, que merece uma reflexão à parte porque diz respeito ao primeiro deslocamento de ciclo, ao mesmo tempo econômico e cultural, com a submissão de Portugal à Inglaterra no início do século XVIII. Os britânicos, nesse contexto, tornaram-se na prática o novo centro colonial do Brasil.

Revoltas como Guerra dos Emboabas (1707-1709), Guerra dos Mascates (1710-1711), Revolta de Vila Rica (1720), Inconfidência Mineira (1789) e Conjuração Baiana (1789), para ficar no período em pauta, tinham, como se sabe, Lisboa como referência a ser negada, combatida, embora fosse Londres que efetivamente manipulava as cartas; e se apropriava da maior quantidade possível de ouro e diamante.

Em Síntese de história da cultura brasileira (1978), Nelson Werneck Sodré abordou esse anacronismo apresentando o seu sujeito assujeitado, a saber: a pequena burguesia (categoria imaginária; não é uma classe social) que, segundo o historiador carioca, surgira no Brasil antes da dominância de relações capitalistas de produção, descrevendo-a como flutuante e referenciada tendencialmente na metrópole que representa as novas forças produtivas.

Esse fenômeno se transformou em uma lei histórica da estrutura de dependência brasileira, que assim se delineia: uma pequena burguesia inspirada pelo liberalismo de Londres foi seguida por outra referenciada nos estilos de vida do período de hegemonia estadunidense, sem desconsiderar a voga cultural francesa do final do século XIX, percorrendo a primeira metade do XX, misturada com uma prosódia e postura fidalgas, fora do chão nacional.

A acumulação econômico-cultural interna

O comportamento da pequena burguesia, entretanto, não é a exceção, mas a regra. Os ciclos econômicos foram e são projetados pelas metrópoles, no período colonial; e pelas trocas desiguais, sob o domínio do capital monopolista do sistema imperialista europeu-norte-americano. O resultado tem sido o mesmo, desde sempre: ausência de mercado interno e, como efeito trágico, autocegueira cultural, identitária, político-institucional; insensibilidade para questão da soberania nacional e distanciamento cínico em relação ao destino da maioria excluída, da classe trabalhadora superexplorada, abandonada ao impróprio inferno.

Agitado internamente pelas demandas das metrópoles, o país não existe para si mesmo; sua pequena burguesia acadêmica, internacionalizada e historicamente desejosa de modas comportamentais, teóricas, estético-culturais e ideológicas estilizadas, como num teatro de máscaras, tem tido como razão de ser a imitação burlesca, porque ideias e estilos fora do lugar, das pequenas burguesias das metrópoles do sistema imperialista ocidental-estadunidense.

Como n´Os segredos das meninas (1656), quadro barroco do pintor espanhol Diego Velásquez (1559-1660), tudo se reduplica: o quadro a ser pintado, representando o burlesco núcleo simbólico da corte espanhola, rei e rainha ao fundo, damas de companhia, bobos da corte, o próprio pintor no ato de pintar, trabalhando, o que é realmente pintado, e está refletido e se refletindo, é a decadência do império colonial espanhol, já superado por Holanda, razão por que, como espelho de espelho, necessita ser replicado simbólica e metafisicamente, uma vez que já perdera o fio da história.
É esse especular retrocesso quixotesco das forças produtivas ultrapassadas que as pequenas burguesias brasileiras espelham em si mesmas quanto mais tentam ser o reflexo invertido das novas forças produtivas, encarnando-as num país que recusa a enxergar a si mesmo.

A questão, entretanto, não é moral ou essência metafísica da pequena burguesia; é histórica e econômica. Sem mercado interno, o espelho a ser refletido se olha através do rosto especular do sistema ideológico e biopolítico da metrópole da vez, argumento que pode ser verificado considerando como contraponto os seguintes períodos: de 1822 a 1889 e 1914 a 1964.

No primeiro caso, José Bonifácio (1763-1838), Luis Gama (1830-1882), Quintino Bocaiúva (1836-1912), André Rebouças (1838-1998), Machado de Assis (1839-1908), Castro Alves (1847-1871) Joaquim Nabuco (1849-1910), José do Patrocínio, (1953-1905), Cruz e Souza (1831-1898) e Euclides da Cunha (1866-1909) são exemplos de intelectuais e homens públicos que emergiram no interior do Estado Imperial e representaram um projeto de país que teve no axioma de Joaquim Nabuco, de O abolicionismo (1988), a síntese dialética da emancipação nacional: “Sem independência não haverá abolição de fato e sem abolição de fato não haverá independência”.

Não se trata de ser favorável ao Império com as relações de produção escravistas que estavam na sua base. A questão em tela é de continuum histórico, cultural e econômico. Não obstante a classe letrada no XIX que detinha a indispensável consciência da injustiça social fosse a que militava pelo fim da escravidão e pela república, o advento desta última foi em linhas gerais um golpe de Estado contra o pensamento social, a práxis político-institucional que se acumulou, no tempo, durante mais de oitenta anos.

No final de História econômica do Brasil (2003), Caio Prado Junior se debruçou sobre esse questão assinalando que, após a mudança de regime, em 1889, os arrivistas e os especuladores, afoitos de riqueza fácil, apresentaram-se na linha de frente como os mediadores de seus congêneres das metrópoles, sobretudo da Inglaterra e de EUA, a fim de negociar, leia-se entregar, os espólios não propriamente do Império, mas das riquezas e matérias-primas nacionais por meio das trocas desiguais ratificadas por novos empréstimos, pela financeirização da sociedade brasileira, representada, por exemplo, pelo encilhamento, nome dado à política financeira expansionista especulativa adotada entre 1889 a 1891,gerando inflação descontrolada, aumento da dívida do Estado.

O romance Esaú e Jacó (1994), de Machado de Assis, plasmou de forma singular os dois lados perspectivados, com o velho Conselheiro Aires tipificando o diplomata sensato e ponderado da estrutura de Estado do Segundo Reinado; e Santos, o enriquecido perfil dos novos tempos rendidos ao capital monopólico das Metrópoles, na era da emergência da fase imperialista do capitalismo.

O segundo período de acumulação cultural-político-institucional interna durou, com interrupções, de 1914 a 1964, no interior do qual o país começou a desenvolver mercado interno, com todas as contradições possíveis e imagináveis, sobretudo considerando a dinâmica de industrialização levada a cabo no processo de substituição de importações ocorrido no interior da Primeira e Segunda Guerras Mundiais.

E a razão não é outra, senão esta: as metrópoles monopolistas europeias se destruíam em guerras interimperialistas, aliviando a tutela, o controle, chantagens e aflouxando a aliança da oligarquia agrário-exportadora e comercial com as manobras de imposições de trocas desiguais realizadas por meio dos diferentes mecanismos de exportação de capitais realizados pelo centro do sistema imperialista.

A Greve Geral de 1917 em são Paulo, a fundação do Partido Comunista Brasileiro em 1922 e a Revolta dos 18 do Forte em 1922 situam o país no mundo em ebulição, com epicentro na Revolução Soviética de 1917. Essa convergência é internamente uma deriva da presença das relações capitalistas de produção e com estas dos primeiros esboços de organização da classe operária. Sob o ponto de vista estético-cultural, a Semana de Arte Moderna de 1922, financiada pela burguesia paulista, representou pela primeira vez o esboço de uma burguesia que, longe de ser revolucionária, teve interesse em promover uma vertente mais aguerrida e afinada com a era moderna do sistema mundial capitalista ocidental.

Composta de uma camada pequena burguesa como os pintores Anitta Malfatti, Vicente do Rego Monteiro, os poetas e escritores Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia, Manoel Bandeira, o escultor Victor Brecheret, os músicos Villa-Lobos e Guiomar Novaes, a ceramista mineira, Zina Aita. De comum todos esses agitadores culturais estavam: (a) antenados com as novas modas europeias, sobretudo considerando as vanguardas artísticas, com epicentro na França; (b) comprometidos em dialogar como a diversidade cultural brasileira.

Havia, por certo, muita ingenuidade no grupo, expressa no geral por meio de um espírito anarquista e iconoclástico, não sendo por acaso que o poeta, escritor e ensaísta, Oswald de Andrade, filho da burguesia paulista e representando a linha de frente do Zeitgeist vanguardista da pequena burguesia cultural europeia, tenha feito, no prefácio de Serafim Ponte Grande (2010), romance de 1933, a sua autocritica retrospectiva nos seguintes termos: “Fui um palhaço da burguesia”. Faltava a essa geração materialismo histórico-cultural. O rompimento com a oligarquia do café com leite, com o Golpe de 30, representou um baque importante para o sistema oligárquico agrário-exportador que centralizava o poder, em aliança com a arquitetura imperialista sobretudo anglo-saxônica. As relações capitalistas de produção superaram as do setor rural.

Na dialética da transformação da quantidade em qualidade, abre-se uma janela para o acerto de contas literário com o passado colonial brasileiro, a começar com a plasmação ficcional do passado colonial do Brasil dos engenhos de cana de açúcar, tendo como referência o Nordeste da oligarquia fidalga e patriarcal e o surgimento de escritores como José Américo de Almeida, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Rachel de Queiroz.

Com a incisividade estético-realista mais expressiva de Graciliano Ramos, em linhas gerais esses escritores detinham a vantagem realista do distanciamento, sob os seguintes prismas: (i) ser uma geração posterior ao primeiro Modernismo, marcadamente pequeno-burguesa e referenciada nas modas vanguardistas europeias; (ii) por se situarem no âmbito das relações capitalistas de produção, posição que subsume e faculta um olhar mais plástico e crítico sobre as relações sociais de produção ultrapassadas do mundo do latifúndio e dos engenhos de açúcar patriarcais.

Tanto o primeiro como o segundo ponto acima explicitados, referenciaram também a emergência da retomada do pensamento social brasileiro, abandonado na segunda metade século XIX. Em 1933, surgem Caio Prado Júnio com Evolução Política do Brasil (1980), obra que procurou atar os fios que se romperam entre o passado e o presente; e Casa-Grande e Senzala (2018), de Gilberto Freyre. Mais adiante entram em cena Sérgio Buarque de Holanda, com Raízes do Brasil (1995), obra de 1936; e Nelson Werneck Sodré com História da Literatura Brasileira em seus fundamentos econômicos (1940)

O país volta a pensar a si mesmo, a formação de seu povo, de sua cultura, história, perspectivas. De 1930 a 1936 o país se agitou como nunca, impulsionado pela acumulação cultural-institucional interna, com o avanço da organização da classe operária cada vez mais trazendo para as suas frentes de luta as pequenas burguesias no geral ambíguas e hesitantes.

A ditadura Vargas de 1937-1945, como parte intrínseca da inércia dos ciclos dos descontínuos mnemónicos, emergiu com as mesmas caras do Antigo Regime colonial, fantasiadas de gestos elegantes de fidalgos do latifúndio, assim como, entre os espertos atrás de riquezas, com a reatualização dos arrivistas pós-1889, estilo Santos, de Machado de Assis, com o objetivo de frear a acumulação histórico-cultural-económica interna, protagonizada pelas massas, pela classe operária, com os pés no chão da realidade social brasileira.

Foi o momento das prisões em escala nacional de quem fosse filiado ao PCB, de intelectuais e escritores dignos do nome, de operários e camponeses com consciência de classe, assim como dos expurgos dos quadros mais nacionalistas das Forças Armadas. O país sofria mais um revés em seu continuum histórico-social e cultural.

Após 1945, fim da Segunda Guerra Mundial, a saga da acumulação cultural, econômica, social, numa palavra, civilizacional, é retomada, num contexto diferenciadamente adverso. Se o século XVIII marcou o fim da transplantação cultural-institucional portuguesa, com progressivo instalar-se da transplantação cultural-institucional britânica no país, a hegemonia estadunidense em escala ocidental-planetária iniciou o terceiro processo de transplantação cultural-institucional e econômica no país, num contexto em que, em diálogo com Nelson Werneck Sodré de A verdade sobre o ISEB, o: “[…]curto intervalo entre o fim da Segunda Guerra Mundial, em que o nazismo, o fascismo e militarismo japonês foram derrotados, e o mundo ter parecido ter entrado numa fase de desenvolvimento pacífico – e o início da chamada guerra fria, quando o mundo ficou novamente dividido e a luta ideológica assumiu proporções ameaçadores (SODRÉ, 1986, p. 36)”.

Entre 1945 a 1964, o país tentou retomar os fios que foram rompidos com a ditadura Vargas precedente. Essa reatualização do materialismo histórico-cultural e econômico propriamente brasileiro ocorreu tendo em vista a seguinte encruzilhada geopolítica: (a) a que dizia respeito ao processo de transplantação cultural britânico-europeu, intensificado após o golpe de Estado de 1889; (b) o início de uma terceira onda de transplantação cultural, agora protagonizada pelo imperialismo norte-americano, com sua indústria cultural e a sua guerra fria contra o eixo socialista que tinha como centro a URSS e a China.

No primeiro caso, houve síntese dialética interna com a transformação da quantidade em qualidade de acumulação cultural, política, econômica e social em função das dinâmicas de substituição de importações ocorridas entre 1914 a 1945, da dominância das relações capitalistas de produção, das lutas operárias, da densidade estético-crítica da cultura e do pensamento social brasileiros.

No segundo, a síndrome sisífica de o “começar de novo” foi gradativamente (com o apoio da repressão da Ditadura Militar de 1964), tomando conta do país, com a endocolonização romântico-reacionária do american way of life, e com a instauração, em terreno, das indústrias de consumo da tríade imperialista de EUA, Europa e Japão, financiada com empréstimos contraídos das metrópoles, sobretudo de Washington, agravando, assim, o endividamento e a dependência, chamados ironicamente de “milagre econômico brasileiro”.

O golpe de 1964 não é um caso isolado, mas trans-histórico, sendo mais um capítulo das forças militares conformadas como braço armado da transplantação cultural metropolitana e sua arquitetura de extração de renda e superexploração do trabalho. Um dos efeitos mais positivos do processo materialista de acumulação cultural interna, lastreado no desafio da emancipação nacional, é a formação de quadros nacionalistas que passam atuar internamente nas instituições, inclusive no interior das Forças Armadas.

Getúlio Vargas eleito pelo voto popular, empossado em janeiro de 1951, é o que vai abrigar um grupo de intelectuais, inclusive assessores, que se ocupará da pesquisa de aspetos diversos da realidade brasileira, a fim propor projetos referenciados no desafio da expressão das potencialidades do país, de maneira multidisciplinar, interrelacionada. Surge então o IBESP, Instituto Brasileiro de Economia e Política, tendo como secretário-geral Hélio Jaguaribe e a revista Cadernos de Nosso Tempo como referência de publicação e divulgação. Um de seus idealizadores, Alberto Guerreiro Ramos, foi quem formulou o convite para Nelson Werneck Sodré, intelectual marxista mais importante das Forças Armadas, a integrar o grupo.

Com o suicídio de Getúlio Vargas e o cerco da ala pró-ianque de integrantes das Forças Armadas, o IBESP foi destituído. No seu lugar, o presidente Café Filho criou por decreto O ISEB, Instituto Superior de Estudos Brasileiros, vinculado ao Ministério de Educação e Cultura, com orçamento próprio, liberdade de expressão e de cátedra. Dedicou-se, na fase de Juscelino Kubitschek, a dar suporte de pesquisa para o desenvolvimento soberano nacional.

Contava entre seus membros Hélio Jaguaribe, Alberto Guerreiro Ramos, Antonio Candido, Nelson Werneck Sodré, Cândido Mendes, Ignácio Rangel, Sérgio Buarque de Holanda, Abdias do Nascimento, entre outros, além do autor que é o objeto de estudo deste livro, Álvaro Vieira Pinto e a educação nacional soberana, fruto de trabalho de pesquisa cuidadosa de Vinícius de Aguiar Caloti.

Investigando obras fundamentais de Álvaro Vieira Pinto, como Consciência e realidade nacional (1960), Ideologia e desenvolvimento nacional (1956) e Sete lições sobre educação de adultos (1993), Vinícius Caloti conseguiu, neste livro, articular as duas primeiras à terceira, retomando, sob o prisma filosófico, a importância de atualizar o projeto de educação emancipadora, de caráter nacional-desenvolvimentista, partindo da mobilização/consciência popular, proposição de base do filósofo carioca, acatada pelo autor deste livro.

O problema fundamental, entretanto, dessa filosofia da práxis de uma educação nacional-desenvolvimentista, lastreada na mobilização popular, reside no revés sofrido pelo precário e contraditório processo de acumulação cultural interna com a emergência da hegemonia estadunidense e, com esta, com a plena vitória da transplantação cultural realizada, via indústria cultural, pelo Tio Sam.

O país patina no absurdo e se referencia ainda hoje totalmente no american way of life e por causa disso, também, porque o modelo ianque é absolutamente contrarrevolucionário e antinacional, toda o materialismo histórico real, ao mesmo tempo nacional e desenvolvimentista, ainda que precário, levado a cabo de 1822 a 1889 e de 1914 a 1945, com um pico entre 1951 a 1964, tem sido desprezado e vilipendiado, para não dizer absolutamente desconhecido.

Uma coisa é certa, de qualquer forma, sem retomar o processo interno de acumulação cultural, cerne irrecusável de uma pedagogia existencial-social-civilizacional-independentista, alma brasileira, o Brasil ficará sempre vulnerável a um novo ciclo de golpes. Este livro de Vinícius de Aguiar Caloti está na contramão das pesquisas pequeno-burguesas contemporâneas, dominantemente apologéticas das modas advindas de Washington.

É livro ousado porque dialoga com a cosmovisão de uma época e a um autor que se dedicaram a pensar na e a práxis da independência nacional, de modo anti-imperialista, o Brasil para as brasileiras e brasileiros; para as classes populares; a plena soberania.

*Luis Eustáquio Soares é professor titular do Departamento de Letras da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Autor, entre outros livros, de A sociedade do controle integrado (Edufes).

Referência


Vinícius Aguiar Caloti. Álvaro Vieira Pinto e a educação soberana nacional. São Paulo, Edtora Terried, 2024, 86 págs. [https://shre.ink/bFok]

Bibliografia


ANDRADE, Oswald de. Serafim Ponte Grande. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

ASSIS, Machado de. Esaú e Jacó. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.

FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. Rio de Janeiro: Record, 2018.

GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Porto Alegre: L&PM, 1971.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1988.

PINTO, Álvaro Vieira. Consciência e realidade nacional. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.

___. Ideologia e desenvolvimento nacional. São Paulo: Cortez, 1980.

___. Sete lições sobre educação de adultos. Petrópolis: Vozes, 1975.

PRADO JÚNIOR, Caio. Evolução política do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1980.

___. História econômica do Brasil. 15. ed. São Paulo: Brasiliense, 2003.

SODRÉ, Nelson Werneck. A história da história nova. Rio de Janeiro: Vozes, 1986.

___. História da literatura brasileira em seus fundamentos econômicos. São Paulo: Cultura Brasileira, 1940.

___. Síntese de história da cultura brasileira. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1978.


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